terça-feira, 7 de junho de 2011

A guerra começou com o caso Palocci

Perdida como cachorro que cai de mudança desde o processo eleitoral do ano passado, a oposição agarrou-se ao caso Palocci como aquele ator esquecido e decadente que de repente se descobre no palco, representando o papel principal de uma peça meia-boca, e a ela se entrega como nos tempos em que era Hamlet.

Como sempre, a euforia da claque reverbera na mídia, e chega uma hora em que ninguém sabe o que vem antes, se o ovo ou a galinha, ou melhor, se as notícias e manchetes cozidas e requentadas ou os comentários dos “atores” políticos eufóricos com a sensação de protagonismo que lhes proporciona a claque.

Particularmente, nunca achei que Palocci devesse ter voltado ao coração do governo. Se é um homem da conta de Lula e se, por ter a simpatia da Fiesp, o governo e Dilma acharam que seu telhado de vidro seria poupado, foram ingênuos e caíram na armadilha. Desde sempre, Palocci era um alvo fácil. Mas, se Palocci era um alvo fácil desde o princípio, agora, como escreveu Miguel do Rosário no blog Óleo do Diabo, “A guerra começou, e o governo Dilma não vai ganhar pontos se demitir Palocci por conta de acusações sem prova”. A guerra que esperávamos desde a eleição de Dilma começou. A mídia, como fez desde o primeiro mandato de Lula, não vai descansar enquanto, se puder, não queimar todos os quadros do PT que ameaçarem, inclusive, o reinado interminável da direita no Estado de São Paulo. E, por isso, que se cuidem figuras como o prefeito de Osasco Emidio de Souza, por exemplo, entre outros paulistas.

Curioso é que até o ministro-chefe da Casa Civil demonstra ingenuidade. Por exemplo, ao ser perguntado por Julio Mosquéra, na TV Globo, dia 3, sobre por que não apresentava provas de sua inocência (pergunta também ingênua), Palocci se esforçou e não conseguiu apontar o mais óbvio: quem tem que apresentar provas não é quem acusa, cara pálida, segundo a Constituição do Brasil?

Presença de Chávez é usada com ironia.
Foto: Antonio Cruz/Agencia Brasil

Voltando à decisão de Roberto Gurgel: afinal, não estavam todos esperando que o procurador-geral da República, no tempo de Geraldo Brindeiro conhecido como “engavetador-geral da República”, concluísse seu relatório? Pois, no documento em que conclui pelo arquivamento, o atual procurador-geral Roberto Gurgel diz que as quatro representações propostas pela oposição [PPS, DEM e PSD] “não vieram instruídas com qualquer documento. Nenhum elemento que revelasse, ainda que superficialmente, a verossimilhança dos fatos relatados”. Gurgel relatou também que “as representações ora em análise e as matérias jornalísticas a que se referem não contêm, reitere-se, a descrição de um único fato que constitua causa idônea e hábil a autorizar o requerimento de quebra de sigilo do representado, de sua empresa e de eventuais clientes”.

Arquivado o caso, o teatro do insólito jogo do ovo-e-da-galinha na imprensa segue célere. "Queremos manter viva a investigação e estamos estudando os caminhos jurídicos para isso", vocifera o ínclito líder do DEM, Antônio Carlos Magalhães Neto (BA). A Folha dá manchete usando o verbo, para exprimir a indignação de tantos, como o deputado baiano, que partilham da luta do grupo Folha por um Brasil melhor: “Procurador-geral poupa Palocci de investigações”.

No Uol: “Oposição quer explicações de procurador sobre caso Palocci”. Numa brincadeira mental sem maiores intenções, vejo a chamada invertida e a leio: “Oposição: Uol quer explicações de procurador sobre caso Palocci”.

Em vários veículos na Web, repercute opinião da OAB, segundo a qual a decisão de Roberto Gurgel é “uma senha para a impunidade neste país”.

E a ansiosa Dora Kramer, do trono da moralidade em que vislumbra a pátria livre da corrupção e de qualquer sombra de impunidade, sentencia: “o que se tem é uma presidente à frente de um governo refém das circunstâncias e das pressões”.

Para terminar. A presença do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, ontem, no Brasil, claro, é também capitalizada, subliminar ou ironicamente, na cobertura do caso Palocci. Como se o fato, bastante destacado, até em espanhol, de o demoníaco venezuelano ter dito a Palocci “Fuerza, fuerza” fosse a prova mais cabal da verdade escondida.

*PS: Depois de postar é que vi a informação extraordinariamente relevante postada pelo Fernando Rodrigues em seu blog. Segundo ele apurou com o “perito em veracidade” Mauro J. Nadvorny, na entrevista ao JN dia 3 Palocci não foi “verdadeiro” ao atribuir o aumento do faturamento de sua empresa no fim de 2010 ao encerramento dos contratos de consultoria que possuía.

A importância de tal informação é comparável à do ano passado, quando, em pleno processo eleitoral, o gênio da astrologia Oscar Quiroga, do Estadão, previu que José Serra seria eleito presidente da República.

A Era Vargas

A propósito de tudo isso, vem muito a calhar o lançamento em DVD da caixa com três filmes de Eduardo Escorel, A Era Vargas. Para quem gosta de história, da história que se repete, como farsa ou não, é um prato cheio. Vou postar em breve comentários sobre a obra.

*Atualizado às 16h01

5 comentários:

Mayra disse...

Edu, tem uma parte da grande mídia que apoia o Palocci. Diz que a Veja, por exemplo , não enfatizou o caso. E a Globo deu a entrevista com exclusividade - sem botar o dito na parede, óvio, isto é, sem nenhuma pergunta que o deixasse minimamente embaraçado, algo como "O senhor acha correto usar informações privilegiadas, como alto funcionário do governo, para enriquecer?". O seu colega do Viomundo fez análise bem legal do imbróglio todo: não há crime legal no enriquecimento do Palocci, há falta de ética, que é crime de outro jeito. Enfim, acho que a coisa toda foi mal levada desde o início - na hora que estourou, ele deveria ter vindo a público dar satisfações, e não silenciar autoritariamente como se a questão fosse menor. E tem uma coisa básica: esses caras, do governo do PT, não podem enriquecer de uma hora pra outra. E se quiser ficar rico rápido, que vá pra outro partido. Simples.

Eduardo Maretti disse...

Mayra, como eu disse, "se, por ter a simpatia da Fiesp (e portanto da 'grande' mídia), o governo e Dilma acharam que seu telhado (o de Palocci) de vidro seria poupado, foram ingênuos e caíram na armadilha".

A entrevista com "exclusividade" dada à Globo foi um erro de Palocci, mais um. Foi ele que escolheu a opção Globo, e não a Globo que conseguiu o "furo". Não foi um furo, foi uma escolha do ministro, que devia ter sido menos global.

Vc viu a entrevista? Várias perguntas embaraçosas foram feitas, inclusive a que vc coloca entre aspas, não exatamente como vc pôs entre aspas, mas foi feita, sim, e ele expressamente negou qualquer uso de informações privilegiadas, mais de uma vez.

Sobre o meu colega de Viomundo ter dito que não há crime, e sim falta de ética, desculpe, mas isso já foi dito cento e duzentas vezes por todo mundo.

"Esses caras, do governo do PT, não podem enriquecer de uma hora pra outra". É uma opinião sua, de blogueiros e jornalistas próximos ao governo e de várias pessoas do PT e fora dele. Posso até concordar, mas sou mais propenso ao que é mais objetivo. Se não há crime, não há crime. Ponto.

Não defendo Palocci, como também disse no post, mas as pessoas esqueceram facilmente a gigantesca contribuição dele para Lula ter sido eleito, e para Dilma ter sido eleita.

Apesar de vários petistas quererem Palocci demitido, demiti-lo só satisfaz os interesses do DEM, do PSDB, da grande mídia, da Veja, sim, da Globo, sim... e logo logo estarão atrás de nova vítima, criarão novas manchetes, e o círculo vicioso continuará. Me parece um equívoco satisfazer esse círculo. Assim vai ficar difícil governar, minha cara.

Mayra disse...

Edu, grandes figuras do governo Lula caíram - Zé Dirceu, Genoíno e o próprio Palocci - e nem por isso a dificuldade de governar impediu o governo Lula de fazer um bom governo, ou de continuar seu bom governo. Esse é o primeiro grande embate político do governo Dilma. Quantos o Lula teve?? Aliás, exatamente o mesmo embate aconteceu quando o Dirceu caiu e era ministro da Casa Civil. Acho que o governo Dilma é suficientemente forte pra dar a volta por cima. E acho que, mais uma vez, o PT leva porrada por querer se pautar pelos valores da truculenta elite brasileira que prima, historicamente, pela impunidade. O Palocci caiu por questões políticas, é óbvio, como os outros anteriores colegas no governo Lula. Agora, a questão de fundo é ética, não se esqueça. É o segundo comandante da Casa Civil que cai pelo mesmo motivo. Numa boa, acho que a história política brasileira só tem a ganhar com isso.

Eduardo Maretti disse...

Bom, se "o Palocci caiu por questões políticas", então a questão de fundo não é ética, mas política, até porque ética é algo raro no meio político (eu jamais seria político) e nesse meio não existem anjos, mesmo, e a questão ética só aparece quando é conveniente.

Considerando que não existem anjos, minha curiosidade sempre me leva a perguntar onde nossa valorosa imprensa estava por ocasião dos escândalos da Era FHC, e são muitos. Veja neste link:

http://www.consciencia.net/o-brasil-nao-esquecera-45-escandalos-governo-fhc/

Quem sabe um dia a gente saiba!

Beijos, Mayra

Felipe Cabañas da Silva disse...

Não dá para negar que tem uma parte da imprensa que está histérica em busca de factóides que possam comprometer figuras do governo desde o mandato Lula. Para mim o mais claro exemplo de histeria e jornalismo de baixa qualidade é a revista Veja, um péssimo exemplo de como é possível sugar os fatos, retorcê-los até a última gota, para se vender de forma sub-reptícia uma ideia qualquer - no caso, "essa cambada tem de sair daí já".
Mas também não dá para negar que há figuras dentro do PT que se mostram, como você bem disse, Edu, presas fáceis para as manchetes escandalosas e oportunistas, figuras que já têm a ética questionada há algum tempo e não deveriam ter voltado ao centro do poder. Desde o suposto esquema de desvio e lavagem de dinheiro em Ribeirão Preto, em 2001 (processo arquivado pelo STF em 2009), pairam suspeitas sobre a integridade de Palocci. Depois veio o caseiro e o resto que todo mundo sabe.
Minha opinião é que temos de ter cuidado com os limites daquilo que depositamos na conta da suposta “imprensa golpista”, sob pena de perdermos a consciência crítica. Mas também é fato que a tolerância zero da imprensa em tudo o que diz respeito ao PT é nítida, clara, escancarada, e o nível de tenacidade na busca dos desvios morais é hoje infinitamente maior que na era FFHH. O jornalista Amaury Ribeiro Jr escreveu o livro “Os porões da privataria”, que desnuda todo o mar de lama das privatizações da era FHC. Parece que o autor não encontra editor.
Enfim, a hipocrisia está na mesa. Mas Antonio Palocci não vai fazer falta. Palocci se enrascou de verdade quando se viu isolado, porque há, de fato, uma moral torta dentro do PT que diz que desvios morais “pela causa” são passíveis de perdão (vide Delúbio Soares, que carregou a cruz e agora foi triunfalmente ressuscitado), mas desvios morais em causa própria já não despertam solidariedade. Porque o desvio moral do ex-ministro ainda é suposto, mas o enriquecimento é instantâneo demais para ser 100% limpo.