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sábado, 2 de setembro de 2017

Dilma Rousseff, símbolo de resistência em um país colonizado e pusilânime



Foto: Mídia Ninja

Para quem é normalmente considerada uma figura pouco afeita à política, Dilma Rousseff mostrou na última quinta-feira, 31 de agosto, que não é bem assim. Em um discurso pausado e calmo, de quase uma hora e meia, na Associação Brasileira de Imprensa, a ex-presidente da República deixou claro que está longe de ignorar algumas algumas relações bastante sutis da política.

É interessante destacar, por exemplo, sua avaliação sobre a (aparente?) divisão no seio do grupo golpista que tomou o poder de assalto, no golpe consumado em 31 de agosto de 2016, mas que havia sido desfechado com sucesso, e desde então definitivamente, em 17 de abril na Câmara dos Deputados: “Tem uma cisão (entre os golpistas), mas tem também uma unidade entre eles: unidade pela reforma da Previdência, pela reforma trabalhista, pela entrega das terra férteis, pela entrega da Petrobras”, disse, no evento "descomemorativo" de um ano do golpe.

Dilma parece ter politicamente amadurecido anos no último ano. Deve ter aprendido muito com seus erros políticos e as justas críticas que recebeu sobre sua condução da política econômica a partir de 2014, cujo clímax foi a nomeação de Joaquim Levy para comandar a Fazenda no segundo mandato. Críticas como a de Luiz Gonzaga Belluzzo, que me disse em dezembro de 2014: "O país está entregue à ignorância dos macroeconomistas (...) Eles vão cortar renda e emprego. Só que isso vai ser feito com uma recessão."

Ou como disse André Singer esta semana: "Sou crítico a Dilma, principalmente pela nomeação de Joaquim Levy (ao ministério da Fazenda), um grande equívoco, mas faço questão de fazer justiça a ela, porque ela foi corajosa no sentido de implementar um programa que decidi chamar de ensaio desenvolvimentista"

É certo que Dilma errou e não errou pouco. Só que errar ou conduzir equivocadamente as políticas de Estado estão longe de justificar a estupidez golpista que assola este país desde que se tornou uma República. No evento da ABI, a ex-presidente afirmou que o golpe que a derrubou mostra "por que temos a mais egoísta, atrasada e irresponsável elite”. As elites de outros países, acrescentou, “pensaram em sua nação, perceberam que seu destino seria maior se elas incorporassem o destino de seu povo. No nosso caso, tivemos sempre uma imensa dificuldade de fazer os processos mais simples de inclusão”, disse ela. Para mim, o país-paradigma dessa observação de Dilma chama-se Estados Unidos da América.

Essas avaliações podem parecer óbvias, mas não são. Vi analistas políticos destacarem a divisão que haveria entre os líderes do golpe, ou pelo menos a falta de coesão que poderia comprometer o próprio sucesso de seus planos a médio prazo. O "racha" que dentro do PSDB seria um dos mais importantes. Tudo ledo engano.

A avaliação de Dilma ("tem uma cisão, mas tem também uma unidade entre eles") é muito mais lúcida. Me faz lembrar o que disse o cientista político Vitor Marchetti, da UFABC, há um mês, quando o assunto do momento era a divisão dos tucanos entre os que queriam ficar e os que defendiam abandonar o barco de Temer: "Acredito que essa divisão do PSDB tenta dialogar com as duas pontas da sociedade: a daqueles que não toleram a corrupção e mantêm esse discurso de ‘fora todos, não aceito corrupção’ etc., mas também dialoga com a parcela para a qual o que importa é que as reformas avancem. Até a divisão do PSDB pode ter sido orquestrada”, disse Marchetti. “O partido não fechou com Temer, mas apoia a agenda de desenvolvimento segundo a agenda liberal. Eu acho, inclusive, que eles fizeram as contas, sobre quem vota a favor e quem vota contra.” Embora circunscrita ao PSDB, a análise é a mesma que Dilma faz em relação ao conjunto mais amplo dos golpistas para além do PSDB.

A fala de Dilma na ABI me parece, em certos aspectos, mais precisa do que os discursos do próprio Lula, que, apesar de seu carisma, sua liderança, sabedoria e genialidade política, às vezes soa como um populismo ultrapassado e cansativo.

Outro aspecto que tem me impressionado é a maneira como Dilma tem sido recebida pela militância e mesmo por setores mais amplos do que o próprio PT. Ela é recebida com enorme receptividade. Torturada por covardes na ditadura, primeira mulher presidente do Brasil e deposta pela "mais egoísta, atrasada e irresponsável elite", Dilma é um símbolo. Um símbolo guerreiro em um país colonizado e pusilânime.

Como já escrevi em post no ano passado: "Minha imaginação me leva, conduzido por Platão, a uma situação. Imaginemos que o Brasil fosse hoje um país que, com todas as suas características (a diversidade principalmente), estivesse no patamar de uma nação desenvolvida e politicamente respeitada, na qual as oligarquias espúrias tivessem sido reduzidas a sombras da história e não mais influenciassem a vida do país.

"Nessa hipótese platônica, governando um país que tivesse superado sua triste vocação a colônia, Dilma Rousseff seria uma presidente e líder sofisticada".

No caso brasileiro, temos ainda o congênito problema da apatia de um povo que não reage e que é tratado pela esquerda como pobre vítima. "Por que o povo está tendo seus direitos e interesses massacrados e ainda não entrou em cena aqui no Brasil, eu ainda não sei”, me disse o deputado federal Wadih Damous (PT-RJ) recentemente. 

Mas falar o povo brasileiro é outro assunto. Fica para outra oportunidade.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Jogo entre forças golpistas e estado de direito está empatado





A semana que a deputada Maria do Rosário previu que não seria "para covardes" vai chegando ao fim com um empate entre as forças golpistas e aquelas que defendem o estado democrático de direito. Mas um empate preocupante.

O ato político promovido na Faculdade de Direito nesta quarta-feira por inúmeros intelectuais, professores, estudantes, cidadãos e jornalistas contra o golpe; as derrotas de Eduardo Cunha no Conselho de Ética e ao ver Rodrigo Janot pedir, finalmente, seu afastamento no STF; e a manifestação que levou certamente mais de 100 mil pessoas às ruas de São Paulo hoje são os pontos a favor das forças democráticas.

Mas o julgamento do STF do rito do impeachment nesse agitado dia 16 não começou como se previa, o que tem um peso suficiente para empatar o jogo. Não se pode sequer chamar de neutro o voto do relator Luiz Fachin.

Fachin negou pedidos fundamentais da ação do PCdoB, a saber: a necessidade de defesa prévia do presidente da República, mas principalmente a vedação ao voto secreto para a formação da comissão especial "avulsa", que Cunha impôs com seu tacão na semana passada. O julgamento será retomado nesta quinta-feira (17).

Diz-se que Fachin sucumbiu à pressão midiática e preferiu não se "intrometer" na competência do Legislativo, mas isso foi nada mais, nada menos, do que referendar as posições de Cunha, pelo menos momentaneamente. O que equivale a chancelar o achincalhe e a desfaçatez cínica do homem que faz o que quer com a República sem que, até agora, ninguém possa contra ele.

Na Faculdade de Direito, no ato dos professores (veja falas de Marilena Chaui e Luiz Carlos Bresser Pereira), André Singer me disse sobre o que espera do julgamento do STF: “Minha expectativa é de que haja uma sinalização clara de que a sociedade brasileira pode contar com o STF para barrar manobras no Legislativo que ferem a constituição”.

Ontem, Dalmo Dallari afirmou em conversa comigo: “O processo do impeachment está chegando ao fim. Apesar das tentativas claramente político-eleitorais de levar adiante, ele está se esvaziando”. Hoje, no ato da Faculdade de Direito, ele disse: "Tenho absoluta tranquilidade em afirmar que nenhuma proposta de impeachment tem fundamento jurídico”.

Claro, não se esperava (Dallari também não) que o Supremo entrasse no mérito, na questão do impeachment, mas tampouco que o voto do relator, que havia suspendido o processo na Câmara, fosse tão ao estilo de Pôncio Pilatos como foi.

O jurista Fábio Konder Comparato, com quem também conversei no Largo São Francisco, me pareceu mais precavido ou cético do que Dallari. Seu tom e também as entrelinhas do que me disse era o de quem vê a situação muito complicada na Câmara. "Não há nenhum fundamento constitucional para o impeachment. [Mas] A presidente teria que ser julgada pelo Senado. A manobra está sendo feita a partir do presidente da Câmara. E no Senado – que pode suscitar o recurso ao Supremo –  a conversa é outra.”

Saindo do Direito, vamos para a visão mais apocalíptica da filósofa Marilena Chaui, que disse o seguinte no ato da Faculdade de Direito: "Se o golpe vier, teremos, por causa de toda a discussão em torno do terrorismo internacional, uma ditadura que nos fará imaginar que a de 1964 foi pão doce com bolacha”.

No mesmo ato, afirmou Luiz Carlos Bresser-Pereira: “Tenho dito que não vai haver impeachment porque a democracia está consolidada. O Brasil não é o Paraguai. É uma minoria que quer o impeachment, como os liberais que são democratas só quando lhes interessa.”

E Fernando Haddad, conciliador: “Independentemente da coloração partidária, há pessoas aqui que podem ser oposição ao governo, mas entendem que é o momento de defender as instituições que levamos tanto tempo para consolidar”.

Enfim, só podemos esperar.

Abaixo, as falas de Marilena Chaui e Luiz Carlos Bresser-Pereira no ato político da Faculdade de Direito - 16 de dezembro de 2015, publicadas por Artur Scavone.








sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Saída de Alessandro Molon do PT é um gesto isolado ou indica uma tendência?



Gustavo Lima/Câmara dos Deputados


Péssima notícia, para o PT, o anúncio de desfiliação do deputado Alessandro Molon, do Rio de Janeiro. Ele deixa o partido para se filiar à Rede Sustentabilidade, que obteve esta semana o registro no TSE e agora é oficialmente um partido.

A notícia, que pegou muita gente de surpresa, indica estar correta a avaliação da cientista política Maria do Socorro Sousa Braga, da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), com quem conversei ontem para uma matéria para a Rede Brasil Atual sobre os novos partidos que obtiveram registro no TSE (a própria Rede e o Partido Novo – agremiação de direita assumida cujo ideário não tem nada de novo – mas isso não vem ao caso aqui).

Para Maria do Socorro, a estratégia da Rede Sustentabilidade, sob o comando de Marina Silva, é tentar ocupar um espaço à esquerda. Esse espaço que está aberto com a atual crise de representação e com a rejeição de grande parte da população a partidos como os conhecemos. “Existe um espaço a ocupar à esquerda. Esse espaço, PSTU e PSOL não conseguiram ocupar, não conseguiram a envergadura de um PT quando o partido de Lula começou a crescer nos anos 1990”, diz a professora.

O "passe" de Alessandro Molon dá à Rede no Rio de Janeiro um quadro combativo cuja perda o PT tem (ou deveria ter) muito a lamentar.

No Congresso Nacional, assim como Maria do Rosário, do PT gaúcho, Molon era um dos que seguravam os embates mais ferrenhos na defesa de princípios históricos de um tempo em que a pragmática não era exatamente a principal conselheira do partido de Lula e Dilma Rousseff.

As informações que circulam no Rio de Janeiro são de que Molon estava muito contrariado com a aproximação entre o PT e o PMDB no estado. Não custa lembrar que o manda-chuva no PMDB no Rio de Janeiro é ninguém menos do que Eduardo Cunha. Há duas semanas, o agora ex-petista declarou que "o PT do Rio está se rendendo ao PMDB e virando refém".

Nas polêmicas votações do financiamento privado de campanhas eleitorais e da maioridade penal, levadas a cabo com o tacão de ferro de Eduardo Cunha, Molon foi um dos que promoveram os debates mais acalorados contra as manobras de Cunha. “No Parlamento está se gerando instabilidade institucional e hipertrofia dos poderes de alguns em detrimento do poder de todos”, me disse Molon em entrevista à RBA.

No Rio, o que se diz é que o PT, presidido por Washington Quaquá (francamente, isso é nome de presidente de partido?), deve apoiar o candidato do PMDB à prefeitura. É uma situação de fato insustentável para um quadro como Molon. Mas, saindo do PT, ele abre novos horizontes a seus próprios projetos, já que tem todas as condições de ser ele mesmo o candidato da Rede à prefeitura.

Em entrevista que fiz em março com o cientista político André Singer, ele fez a seguinte análise (claro que bem mais simples do que a desenvolvida no seu livro Os sentidos do lulismo): “Na medida em que o PT foi estabelecendo um padrão de alianças indiscriminadas, alianças eleitorais, acho que o PT começa a perder a sua cara própria e começa, justamente, a predominar aquilo que chamo de segunda alma. De 2002 para a frente, mudou. Aqueles que representavam a primeira alma do PT ficaram no partido, mas ela não predomina mais no PT”.

A questão, portanto, é saber se o emblemático gesto de Molon de sair do PT é isolado ou se pode significar uma tendência dos grupos mais à esquerda do partido, os representantes do que Singer chama de “primeira alma” do partido. Se a saída de Molon for um indício de que essa alma está de fato abandonando a legenda, isso representaria o fatal esvaziamento de tudo o que o PT representou desde sua fundação. 

terça-feira, 21 de abril de 2015

30 anos depois da morte de Tancredo, Brasil de Aécio Neves ainda discute o golpismo udenista


Reprodução
Tancredo com o então jovem neto (materno) Aécio Neves

Em 21 de abril de 1985 morria Tancredo Neves. Nós que éramos jovens naquela época víamos o primeiro presidente civil, desde a implantação da ditadura em 1964, como uma esperança, apesar de Tancredo ter sido eleito num colégio eleitoral. Para alguns jovens de hoje – considerando os que nasceram a partir da década de 1980 –, dizer que Tancredo era uma esperança pode soar inexplicável, ou piegas.

Mas é preciso entender que o presidente que Tancredo sucederia era o general João Baptista Figueiredo, ex-chefe do SNI em governos anteriores, quando a tortura e o assassinato eram políticas justificáveis para manter o Estado de segurança nacional. Figueiredo foi presidente como prêmio por ter cumprido com eficiência seu papel no SNI.

Tínhamos vivido tempos obscuros. Eu não vivi a época da ditadura, graças a deus, mas um grande amigo meu, da geração anterior, viveu. Foi torturado etc, assim como outros que conheci depois. Mas até hoje esse meu amigo chamado José considera Tancredo uma importante presença na política brasileira. Um homem que foi ministro da Justiça e Negócios Interiores de Getúlio Vargas. E que, diz a lenda, foi um dos mais bravos resistentes contra o golpe udenista que levou Getúlio ao suicídio.

Morto Tancredo, assume Sarney, embora muitos, ou alguns, defendessem a posse de Ulysses Guimarães. José Sarney, justamente o líder maranhense cuja carreira política começou na esteira da morte de Getúlio Vargas (1954). Sarney era da UDN. Com a extinção desta em 1965, abraçou a Arena. Depois, o PDS.

Celio Azevedo/Senado Federal
Ulysses e Tancredo

Essas poucas linhas são pra dizer que 30 anos atrás, em 21 de abril de 1985, a barra estava pesada: com a morte de Tancredo, nessa data estranhamente simbólica, não sabíamos o que aconteceria. Atrás, era Figueiredo; na frente, Sarney. Estávamos perplexos, nós com nossos vinte e poucos anos, nossa fé no futuro e nossas dúvidas.

Havia teoria da conspiração na época, não pensem que isso é uma invenção contemporânea. Tancredo havia simplesmente morrido ou tinha sido assassinado? Como saber?, a gente se perguntava.

Curiosamente, Sarney fez um governo caótico, mas não impopular. Embora de maneira tosca, e apesar do caos econômico, com o Plano Cruzado ele conseguiu de certa maneira distribuir renda. O plano determinava o congelamento de preços, trazia ao cenário os “fiscais do Sarney”, introduzia antecipação do salário mínimo para incentivar o consumo. Enfim, um governo populista, mas não impopular.

Mas depois, sim, aí veio o caos, com Fernando Collor de Mello (1990), metaforicamente o Nero (imperador romano que governou de 54 até 68 d.C.) da história brasileira.

Foi desesperador. A primeira eleição para presidente no Brasil desde Jânio Quadros (eleito em 3 de outubro de 1960) colocou Collor no poder! Não era possível enxergar futuro para o Brasil.

Collor caiu e apareceu seu vice Itamar Franco, um político fisiológico, mas que não tinha, como Sarney, origem oligárquica e coronelista. Itamar era um pequeno-burguês, um engenheiro, começara no PTB de Vargas, partido que foi extinto em 1965 junto com a UDN. Itamar foi do MDB (depois PMDB), do PL, do PRN de Collor, depois voltou ao PMDB. Mas, para encurtar a história, Itamar fez um governo populista mais ou menos como o de Sarney. O Brasil da conciliação.

Depois veio Fernando Henrique Cardoso, que propôs implantar no Brasil o neoliberalismo de Margaret Thatcher e Ronald Reagan.

Depois veio Lula, depois Dilma (e aqui, ao invés de comentar, prefiro indicar a leitura de Os sentidos do lulismo, de André Singer – afinal, conhecer a história dá um pouco de trabalho, não é tão simples assim).

Estamos em 2015, 30 anos depois da morte de Tancredo Neves, e o Brasil ainda está discutindo golpe e golpismo, sob a batuta do neto (na linhagem materna) de Tancredo, Aécio Neves, personalidade que Milan Kundera diria que está construindo sua imortalidade risível.

segunda-feira, 23 de março de 2015

O Brasil do lulismo, segundo André Singer


                                                                             Foto: Eduardo Maretti


A crise vivida pelo governo Dilma Rousseff no início do seu segundo mandato, os desafios do PT decorrentes de ter se afastado das bases e do “caráter politizador” que tinha nas origens, a frustração causada no eleitorado da presidente por ter adotado soluções como o ajuste fiscal, que contradizem a plataforma de campanha, o ódio ao PT por parte de setores significativos da chamada elite. 

Esses são alguns dos temas comentados pelo cientista político André Singer, que entrevistei para a RBA na semana passada. Para Singer, ao iniciar o 13° ano no poder, com a presidente Dilma Rousseff, o lulismo enfrenta seu maior desafio, assim como o PT do ex-presidente e da atual chefe do Executivo brasileiro.

Ex-secretário de redação da Folha de S. Paulo, ex-secretário de Imprensa do Palácio do Planalto e ex-porta-voz da Presidência da República no primeiro governo Lula, Singer fala também do conceito de realinhamento eleitoral, “elaborado nos Estados Unidos para designar a mudança de clivagens (divisões) fundamentais do eleitorado”, que aborda em seu livro Os Sentidos do Lulismo (2012, Cia. Das Letras).

Veja alguns trechos da entrevista e, abaixo, os links para a íntegra.

Esquerda e eleições

A esquerda não disputa eleições só para ganhar. É claro que também para ganhar. Mas ela disputa para educar, para politizar a população. Para mostrar que existe um programa alternativo àquele da classe dominante que pode ser implementado, e ganhar apoio para esse programa.

(...) A transformação social que vem ocorrendo, de 2003 para cá, não foi acompanhada de uma ação pedagógica. O PT abriu mão do seu caráter politizador.

Governabilidade, PMDB, Congresso

A aliança com Sarney é anterior a 2005. Em 2005, o que ocorre é uma tentativa de aliança com o conjunto do PMDB. Tenho dito uma coisa desde 2007 que vou repetir aqui: alianças parlamentares para a manutenção da governabilidade são justificáveis. Porque o governo, qualquer governo, chega ao Executivo e tem que dialogar, ter uma relação produtiva, digamos assim, com o Parlamento. Ele não pode escolher o Parlamento, que é escolhido pela sociedade. É preciso respeitá-lo e negociar com ele. Os pactos parlamentares que dão sustentação a uma ação executiva são justificáveis, desde que a política do Executivo seja justificada. E acho que as políticas do Executivo brasileiro desde 2003 para cá foram políticas sociais importantes. Foi feito um combate efetivo à extrema pobreza, à miséria, houve uma redução da desigualdade.

Se para isso foi necessário se estabelecerem determinadas alianças parlamentares, foi um preço a pagar para se lidar com a realidade. E esse preço que foi pago produziu frutos reais, avanços reais na direção de um programa de maior igualdade, que é um programa de esquerda. Agora, essas alianças não deveriam se transformar em alianças eleitorais. Quando se transforma isso em uma aliança eleitoral, você não se apresenta para o eleitorado com cara própria.

Economia e ajuste fiscal - Dilma Rousseff

Primeiro mandato - O governo Dilma, no primeiro mandato, foi muito corajoso, entre meados de 2011 e final de 2012, tentando alavancar a economia com industrialização e distribuição de renda. Para fazer isso, ela adotou o que eu chamo de ensaio desenvolvimentista. Talvez tenha sido, durante todo o período do lulismo, o mais nítido ensaio desenvolvimentista que ocorreu na política econômica. Os juros foram reduzidos para um patamar de 2% reais ao ano, não nominais, que é uma aproximação importante da taxa de juros internacional. Houve uma política de controle cambial, e simultaneamente de investimento público por meio do PAC. Naquele momento houve uma transformação do chamado tripé macroeconômico neoliberal.

Segundo mandato - Certamente existiria (alternativa ao ajuste fiscal e à política econômica adotada por Dilma no segundo mandato). Insistir em reativar a economia brasileira e resolver o problema dos gastos públicos por meio do aumento de receitas que adviria da própria reativação da economia.
O que aconteceu, por razões que eu não compreendo muito bem, é que a presidente Dilma resolveu fazer uma campanha dizendo isso (apontando para uma política desenvolvimentista). E acabou sendo eleita com essa plataforma. Foi uma eleição apertada, e nesta diferença pequena que se consolidou no segundo turno esse discurso teve um papel de catalisador, que animou muita gente a ir pra rua fazer campanha. 

Hoje, em face do que está acontecendo, eu digo que foi um erro. Se ela não tinha a avaliação de que poderia desenvolver essa política, não deveria ter feito a campanha nesses termos, porque a mudança entre o que se diz o que se faz, em termos eleitorais, cobra um preço muito alto. O eleitorado costuma não perdoar esse tipo de mudança. Criou-se uma expectativa de uma política diferente e uma certa base política para uma outra tentativa de reativar o crescimento que, no meu entendimento, é o que foi prometido explicitamente na campanha. Agora, se existe uma avaliação de que as medidas necessárias para isso seriam medidas que não teriam base política, isso tem que ser explicado para a sociedade, para o eleitorado e também para a militância que apoiou essa proposta.

Íntegra da entrevista

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quarta-feira, 11 de março de 2015

A questão é: até que ponto a “revolta” financiada pela elite golpista vai contaminar a nação?


"Não há vítimas inocentes" (Jean-Paul Sartre)


Logo após o segundo turno de 2014, mais precisamente em 28 de outubro, estive numa coletiva do presidente do PT, Rui Falcão, da qual participou o deputado estadual Edinho Silva, tesoureiro da campanha de Dilma Rousseff, em que ele foi questionado sobre os porquês do fracasso eleitoral do partido em São Paulo, a vitória acachapante de Geraldo Alckmin no estado e a dificuldade do partido até mesmo nas periferias da grande São Paulo que historicamente são seus redutos.

Edinho elencou alguns fatores, como a falta da abordagem de temas regionais pela imprensa, a manipulação de informações relativas à agenda nacional que ocupa as manchetes diuturnamente, com denúncias de corrupção contra o PT, a legislação eleitoral (falta de reforma política) e a crise econômica. Mas me chamou a atenção um outro fator mencionado por ele na ocasião.

Ele citou o ótimo livro Os sentidos do lulismo, de André Singer, do qual se depreende um fato sociológico preocupante: constata-se que a população beneficiada pelos programas sociais e pela política dos governos do PT ascendeu socialmente nos últimos 12 anos – com todas as benesses que o mercado de consumo proporciona – sem que trouxesse (ou levasse) consigo os valores da solidariedade, ou a preocupação social com um país mais justo.

Em outras palavras, os milhões que sob Lula e Dilma conseguiram comprar carros, geladeiras, televisores, mais carros, computadores, celulares e outras dádivas do mercado de consumo, ascenderam socialmente, mas não incorporaram as premissas ideológicas que nortearam a opção do Partido dos Trabalhadores pelos pobres. Ainda que esta opção socialista-reformista (e não revolucionária, como muitos ingênuos exigiam e exigem) tenha beneficiado milhões de pessoas, esses milhões de pessoas chegaram a um patamar social apenas materialmente mais alto, já que continuaram deseducadas cultural e politicamente.

Cada cidadão desses milhões de pessoas não está pensando na possível evolução de seu vizinho como membro de uma comunidade, de um bairro, uma cidade, um estado ou um país. Não. Está pensando em ter um carro mais bonito e mais novo do que seu vizinho, um celular capaz de aguentar mais aplicativos, não mais um tênis de 100 reais, mas um de 300. Não pensam no seu quarteirão, no seu bairro, na sua cidade. Pensam em si mesmos, exatamente como a elite branca.

Os valores que carregaram consigo em sua ascensão foram os do individualismo disseminado nas novelas, nos programas de televisão canalhas, BBBs, a cultura fornecida pelas emissoras graças à concessão pública e às verbas publicitárias oficiais que pagam esse lixo.

Não quero dizer que apenas a televisão e sua ideologia, com suas denúncias e sua práxis inspirada em Goebbels, devam ser as causas do que está acontecendo. Mas o golpismo encontra terreno fértil para proliferar nesse deserto ideológico habitado por uma população ávida por consumo, mas que já não se satisfaz apenas com ele e não tem consciência do que lhe falta. É triste.

Mais ainda, numa conjuntura em que a opção pelo mercado interno já não funciona: o preço das commodities em queda não pode mais financiar a opção pelo consumo que foi a mola do sucesso econômico do governo Lula, e além disso a economia está se desindustrializando.

De resto, é essa população aparvalhada pelo consumismo cada vez mais difícil, sem valores sociais, sem solidariedade, o que realmente mais assusta no Brasil de 2015, mais ainda do que o Brasil que emerge sob as badaladas golpistas dos diferenciados que fazem panelaços de seus apartamentos em Higienópolis (que nome mais apropriado para um bairro!) e no Leblon.

Ouvi hoje de um pequeno empresário, dono de um “lava-rápido”, ou, ironicamente, um “lava-jato” (sic), um amigo de bairro, reclamações intermináveis sobre o país, “que nunca esteve tão difícil”, “nunca houve tanta roubalheira”, “assassinos de crianças ficam dez anos presos e são soltos”, “acho que sua amiga (ironia do meu “amigo”, referindo-se a Dilma Rousseff) não termina o mandato não”. Além de individualista, os homens e mulheres que compõem o povo têm ideias confusas e não têm memória.

Evidente que os governos petistas têm responsabilidade sobre esse aparente beco sem saída, esse estado de coisas. A aposta no consumo desenfreado (que alimenta a vaidade, mas não o espírito), um certo “dar de ombros” à necessidade de se educar a população mais pobre enquanto esta ascendia socialmente graças aos programas sociais, a falta de estratégias de comunicação eficientes, tudo isso agora está pesando enormemente na conta.

Resta esperar para ver até que ponto essa “revolta” financiada pela elite inescrupulosa e historicamente golpista deste país vai contaminar as camadas da população que têm votado no PT nos últimos 12 anos e, consequentemente, a nação. 

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Franklin Martins, André Singer e Bernardo Kucinski debatem comunicações e poder


O lançamento do livro Cartas a Lula, do cientista político Bernardo Kucisnki, reuniu em uma mesa de debates, na tarde-noite de hoje (4), o próprio autor (ex-assessor da Presidência da República no primeiro mandato de Lula), o também cientista político André Singer (ex-secretário de Imprensa do Palácio do Planalto e porta-voz da Presidência da República no primeiro governo Lula -- 2003-2007), o jornalista Franklin Martins (ministro-chefe da Secom no primeiro mandato de Lula), o advogado Joaquim Ernesto Palhares (diretor do site Carta Maior) e o ex-candidato ao governo de São Paulo pelo PSOL, Gilberto Maringoni.

Na mesa de debate, temas como a conjuntura política e o papel da mídia no processo político e nas eleições, passadas e futuras. Destaco algumas falas dos debatedores:

Franklin Martins:  "Precisamos, mais dia, menos dia, enfrentar questões políticas como a democratização dos meios de comunicação e a reforma política. Acho extremamente importante que estejamos aqui, tendo ganho as eleições. Porque [pelo clima que se estabeleceu entre as pessoas do campo progressista] parece que perdemos. Mas se tivéssemos perdido, estaríamos discutindo como evitar que se entregasse o pré-sal [aos Estados Unidos], ou que acabasse o regime de partilha [modelo pelo qual a produção de um determinado campo de petróleo é compartilhado pelo consórcio vencedor do certame e pela União – pelo regime, vence o leilão quem oferecer ao governo a parcela maior].

“Há risco de retrocesso? Há. Mas há conquistas [ascensão social da população], foram fincadas raízes."

Joaquim Ernesto Palhares: "Fica um gosto amargo de derrota por não termos constituído um veículo de comunicação. [O governo] deveria ter colocado R$ 30 bilhões na EBC para constituir uma poderosa rede de comunicação. Eles [a  mídia, principalmente a Globo] formaram uma consciência da população que quase nos levaram à derrota. Tenho receio de que as próximas eleições estão perdidas, se algo não for feito".

Franklin Martins: "Não cabe ao governo criar veículos de imprensa, cabe à sociedade, aos partidos".

André Singer: "Não tenho convicção sobre o papel da comunicação [como indutora de vantagem político-eleitoral aos setores da direita]. Se fosse tão fundamental, [o PT] não teria vencido as eleições de 2006, 2010 e 2014. Não nego a importância da comunicação, mas não dou a mesma centralidade que os companheiros [da mesa: Franklin Martins, Bernardo Kucinski e Gilberto Maringoni].

Bernardo Kucinski: "Precisaria explicar [à população] como começou a corrupção na Petrobras, porque [a ideia de corrupção, pelo bombardeio da mídia] ficou atrelada ao petismo. Mas a corrupção começou há décadas".

sábado, 1 de novembro de 2014

Data venia, discordo de André Singer


Jornalista e intelectual importante por sua visão relevante da economia, da sociologia e da política, André Singer não foi porta-voz e secretário de Imprensa da Presidência no governo Lula por acaso. É autor de aguda análise do período iniciado com o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, no livro Os Sentidos do Lulismo (Companhia das Letras). Sua trajetória passa por carreira jornalística sólida, de repórter a secretário de redação da Folha de S. Paulo. Mas (e por tudo isso) sua análise na Folha de hoje, com todo o respeito, me parece simplista. Leia neste link o artigo de André Singer, "Sinais trocados".

O mundo inteiro, da América do Norte à Europa (e até na China há reverberações não desprezíveis), passa por uma crise que diversos analistas consideram a maior do capitalismo desde 1929 (acredito que com exagero).

A crise que devastou a Europa e colocou em xeque a maior potência do planeta, os Estados Unidos, é real. Mesmo assim, o Brasil “milagrosamente” conseguiu no primeiro mandato de Dilma Rousseff manter o emprego e a política do salário mínimo, e sustentar o mercado interno.

Ao contrário de crises anteriores, do final dos anos 1990, sob Fernando Henrique, o Príncipe, a escolha de Dilma não foi promover o arrocho e o desemprego, uma das faces mais cruéis do neoliberalismo. Mas isso tem custo. A escolha do governo brasileiro de colocar o Estado (e seus agentes econômicos, como os bancos estatais) a serviço de políticas públicas, e também em investimentos em infraestrutura, ou seja, investimentos de longo prazo, tem preço. Como, por exemplo, “o rombo das contas públicas”, manchete da imprensa hoje.

O ano de 2015 não era previsto como fácil por economistas de todos os matizes, de neoliberais a “desenvolvimentistas”. Fosse quem fosse o vencedor da eleição, Marina, Dilma ou Aécio, o cenário seria, e será, difícil, como há muito se sabe. A conta a pagar seria e será alta, como teria sido em quaisquer circunstâncias. Por exemplo, no caso de, hipoteticamente, José Serra ter vencido as eleições de 2010. Só que as bombásticas manchetes de Folha, Estadão e congêneres deste sábado, 1º. de novembro, sobre o rombo das contas públicas, continuam a investir no pessimismo, como fizeram ao longo de 2013 e 2014.  O artigo de André Singer, data venia, reforça esse pessimismo.

O Estado brasileiro, de 2008 para cá, precisou desenvolver uma política econômica baseada num difícil equilíbrio para, ao mesmo tempo, não sucumbir à crise nem, por outro lado, ficar refém do mercado financeiro (leia-se: especuladores). A manutenção do emprego, na contramão da crise europeia que colocou contingentes enormes de desempregados nas ruas, foi conquistada com muitas dificuldades. Como disse acima, isso tem preço. Em período histórico recente, na era FHC, as contas públicas foram à bancarrota e a opção, perversa, foi jogar a fatura nas costas do trabalhador. O país chegou a mais de 11% de desempregados, segundo o IBGE.

Quando Lula venceu a eleição em 2002, setores “progressistas” ficaram indignados com a escolha do presidente metalúrgico para a presidência do Banco Central, Henrique Meirelles. Mas não custa lembrar que Meirelles “iniciou sua gestão de presidente do Banco Central em um momento de crise econômica com o câmbio do dólar em valores próximos a R$ 4,00, taxa de juros Selic de 25% ao ano, inflação prevista para acima de 11% em 2003”. As aspas são da Wikipedia, mas os dados são esses mesmos.

Esses índices, em 2014, são os seguintes: o dólar está em R$ 2,48, a Selic em 11,25% e a inflação prevista pelo mercado para 2014 é de 6,45%.

Meirelles presidiu o BC de 2003 a 2010. Nesse período e no posterior, sob Dilma, os resultados das políticas públicas estão aí para quem quiser conferir. O “conservadorismo” de Lula na política econômica e no Banco Central esteve a serviço de uma política de distribuição de renda, o que é inegável.

Dilma tem um desafio enorme. Serão necessários ajustes para reequilibrar as contas públicas. 

Haverá impacto nas tarifas. A gasolina, calcanhar de Aquiles do mercado de consumo brasileiro, apenas como um exemplo, vai aumentar. “Não aumentou antes por causa da eleição”, dirão. Ora, e qual governo de centro-esquerda aumentaria o preço em tais circunstâncias, no meio de um dos mais difíceis processos eleitorais da história brasileira? Para entregar a presidência da República ao PSDB de Aécio Neves e Armínio Fraga?

Francamente, amigos, vão dar uma voltinha na Ucrânia e depois voltem para contar.