quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Fernando Haddad, o transporte público e o sanduíche de mortadela


Reprodução
Tenho lido na imprensa, "tradicional" ou "independente", que o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, teria encomendado um estudo de sua assessoria militar sobre “a possibilidade” de ir trabalhar de ônibus todos os dias, de sua residência, que fica no Paraíso, até a sede da prefeitura, no Viaduto do Chá (Centro).

É preciso ver se a informação é consistente. Mas como ela não se resume a uma única fonte, vamos considerá-la uma conjectura consistente. Começo a achar que Fernando Haddad está dando uma de Jânio Quadros, o prefeito que gostava de comer sanduíche de mortadela nas padarias para mostrar que tinha paladar de povo.

Haddad tem feito enorme esforço para mostrar que o transporte público é prioridade de seu governo. O episódio pós-manifestações de junho, quando o prefeito foi visto ao lado do governador Geraldo Alckmin, que anunciou a redução das passagens dos transportes e deixando o prefeito sem ação, tendo que desmentir à noite o que dissera de manhã (que não reduziria o preço da passagem do ônibus), calou fundo.

A iniciativa de criar as faixas de ônibus à direita de grandes avenidas como 23 de Maio, aplaudidíssima por muita gente, foi uma primeira manifestação do efeito mortadela, populista, digno de Jânio Quadros.

Outro dia eu estava num táxi e o taxista argumentava: “como que essa cidade quer sediar uma Copa do Mundo e ser um exemplo de turismo de negócios se a prefeitura faz isso com os taxistas? Como a gente vai levar turistas se a prefeitura, que já criou essa m***** de faixa, ainda agora diz que vai proibir até os táxis com passageiros de fazer corridas pelos corredores [como da 9 de julho]? Se dizem que os carros vão ter que andar a 40km por hora? Tá errado isso. Nós também fazemos transporte público”, vociferou o revoltado taxista, e com razão.

A política de transporte público de Haddad tem me parecido atabalhoada, caracterizada por exemplo por essa medida que careceu de estudos mais aprofundados, do secretário Jilmar Tatto, de reservar faixas à direita de avenidas aos ônibus, solução para mim muito discutível. O secretário de Transportes Metropolitanos do governo de Geraldo Alckmin, Jurandir Fernandes, que não é bobo nem nada, disse na semana passada, na Assembleia Legislativa, que os cidadãos preferem andar no metrô lotado do que em ônibus vazios, “porque sabem que mesmo lotado o metrô chega” ao destino. A EMTU já tem algumas linhas funcionando 24 horas, poucas, mas já serve de marketing para o governo Alckmin. Enquanto isso, Haddad ameaça andar de ônibus.

Esta semana, Haddad disse à rádio CBN: "Essa cidade, goste ou não, é um cemitério de políticos. Ela enterra políticos. Ela não promove políticos porque é uma cidade muito difícil de administrar”.

É melhor então ele ter propostas mais estruturais e menos demagógicas e populistas, para não ser mais um enterrado no “cemitério de políticos”.

O prefeito comer mortadela ou andar de ônibus é a mesma coisa. O paulistano não quer que o prefeito ande de ônibus nem coma mortadela. Ele quer soluções. Seja ele usuário de ônibus, de automóvel particular ou de táxi. Transformar o taxista e o motorista do automóvel em um pária vai custar caro a Haddad (e não estou falando de sentimentos pessoais, estou falando da gestão de um prefeito que disse que governaria para todos).

O Brasil hoje produz automóveis aos milhões, qualquer pessoa compra um carro novo para pagar em dezenas e dezenas de prestações. Haddad não tem poder (ou tem?) para mudar essa lógica (perversa, é verdade) segundo a qual a indústria automotiva é um dos carros-chefe da economia. Sendo assim, ele precisa pensar em políticas mais consistentes do que a apresentada até agora, a política da mortadela.


*Publicado originalmente em 2/10/2013 às 10:09

5 comentários:

Alexandre disse...

Está claro a auto promoção do Haddad.
E é claro também que há uma briga política mais acirrada, Alckmin X Haddad, pós manifestações.
Mas posso afirmar que nas faixas para ônibus na 23 de maio, foi muito oportuno. Já fiz esse percurso, do Aeroporto até Santana, via ônibus, somente uma linha. Chega rapidinho. Mas metrô, com certeza é uma melhor forma de transporte, não fica balançando, vias de acesso muito esburacadas. Tem de haver mais investimento em infraestrutura, melhores ônibus e vias em melhores condições.
Para o discurso que entendemos, na campanha do Haddad, está claro também que a prioridade não são os taxista. Taxista é muito folgado, acham que a rua é deles, passam por cima. Além do que, já existem muitas estacionamentos reservados para eles pela cidade. Não é possível criar uma faixa exclusiva para taxistas. Para a população de menor renda, taxi é luxo e o prefeito prioriza a população de baixa renda, isso todo mundo sabe.
Mas não é só isso. Metrô, em horário de pico é desolador, um pesadelo...

Eduardo Maretti disse...

Caro Alexandre, começando pelo fim, em alguns horários o metrô é de fato um pesadelo, fora o pesadelo moral das incontáveis denúncias de corrupção, pagamento de propina, superfaturamento etc., todas ainda não esclarecidas, vindas desde o governo Mário Covas.

Ninguém falou de criar uma faixa exclusiva para taxistas, nem eu nem a prefeitura. O que eu falei e ouvi dizer é que o prefeito estudava proibir os táxis (com passageiros) também nos corredores de ônibus, tipo nas avenidas 9 de Julho e Rebouças e na rua da Consolação, onde hoje os corredores servem para Ônibus e tb para táxis com passageiros. Acho justo.

Também não sou contra as faixas de ônibus na 23 de maio ou outras avenidas, mas me pareceria muito razoável que táxis com passageiros tb pudessem andar nelas, até porque o tráfego de ônibus nelas tem sido muito pequeno. Não se justifica uma faixa ociosa numa via como a 23 de maio, artéria que liga a cidade inteira.

E acho as faixas criadas por Jilmar Tatto uma solução paliativa para um problema que merece abordagens mais estruturais e inteligentes, pelo menos como proposta.

Falo com tranquilidade, pois uso cotidianamente carro (por um pequeno trecho), ônibus e metrô. Uso táxi também, em situações profissionais ou noturnas, já que não há transporte de madrugada na cidade.

Então é isso. Tudo bem que Haddad apresente soluções paliativas, mas não me venha dizer que a faixa que criou (nas coxas) ou radicalizar essa ideia vai resolver. Muito menos ele mesmo, prefeito, andar de ônibus ou comer sanduba de mortadela.

Anônimo disse...

desculpe mais ,o táxi nos corredores só atrapalha 4 táxi transportando 4 passageiros ocupa o mesmo espaço de um ônibus que transporta 80.

o numero de pessoas que andam de táxi pelos corredores e insignificante se comparado a quantos andam de ônibus.

Alexandre disse...

Queria concluir meu raciocínio: não sou contra táxi ou contra a categoria. Apenas acho que se aproveitam do trânsito, nas condições de chofer de praça, ameaçando de forma até agressiva aos motoristas comuns. São desrespeitosos, nem todos, mas a maioria. Teria de ser também um transporte mais barato, mais acessível, para ter acesso às linhas de ônibus, mesmo que seja restrito aos que transportam passageiros. Podem assim reivindicar com mais direitos, nessas condições. A condução de táxi teria de ser menos luxo e mais acessível à população. É isso.
Mas que às vezes vai bem um sanduichinho de mortadela...heheh

tania lima disse...

Gente, gostaria de ter uma faixa exclusiva para mim e também saborear (agora, madrugada adentro), um bom pão com mortadela. Dos dois desejos, o segundo é verdadeiro, o primeiro é só pra encher o saco mesmo. O uso de faixa exclusiva definitivamente não é uma solução. É certo que me flagro, não raras vezes, com um desagradável sentimento de perseguição, não descartando a hipótese de que essas medidas são meticulosamente estudadas para me atrapalhar. Se benefício há, são inexpressivos e fadados ao fracasso. Há outras soluções, mais efetivas e mais inteligentes, e evidentemente não estão restritas à Prefeitura: Por que temos todos que sair aglomeradamente no mesmo horário? Por que não se estuda um incentivo para que haja um escalonamento de horário para a ida e retorno do trabalho? Sonho com uma cidade que, a meu exemplo, não durma.