"Ele [Eduardo Cunha] disse:
‘aqui vai ser secreto porque eu quero’.
A democracia não funciona assim.”
‘aqui vai ser secreto porque eu quero’.
A democracia não funciona assim.”
(ministro Luís Roberto Barroso)
Já escrevi aqui no blog sobre o espírito "iluminista” do ministro do STF Luís Roberto Barroso e de minha admiração pelo magistrado, esse sim, dotado dos requisitos teoricamente necessários a formar os quadros do Supremo: “notável saber jurídico e reputação ilibada”. É um homem realmente daqueles que fazem a diferença em uma República.
Fotos: Divulgação/STF
Barroso abriu a divergência com voto histórico |
Tive a sorte e o privilégio, por dever de ofício, de
acompanhar a votação histórica de hoje, e pude ouvir o voto de Barroso ao abrir divergência em relação ao “voto Pôncio Pilatos” dado pelo relator Luiz Fachin. O tribunal desempatou o jogo a favor da República, para continuar usando a metáfora do post de ontem. Entre outras decisões, o Supremo definiu que a votação para a formação
da comissão especial processante do impeachment contra Dilma Rousseff deve ser aberta. Isso desmonta
a manobra espúria de Eduardo Cunha, que conseguira fazer seus asseclas
aprovarem a comissão especial por votação secreta.
“A primeira das razões (para rejeitar o voto secreto) é que
a Constituição prevê algumas hipóteses de votação secreta, e não prevê para
formação de comissão especial para processar o impeachment”, disse Barroso ao
votar e abrir divergência de Fachin. “A Lei 1079/1950 tampouco prevê. Alguém
poderia imaginar que o regimento (da Câmara) pudesse prever a votação secreta.
Mas no regimento interno, nenhuma das previsões prevê votação secreta”, afirmou
ainda.
Mais do que isso, ele acrescentou: “O voto secreto foi
instituído por uma deliberação discricionária do presidente da Câmara. Ele
disse: ‘aqui vai ser secreto porque eu quero’. A democracia não funciona
assim”.
Barroso é normalmente brilhante, claro e tecnicamente
indefensável, e assim proferiu seu voto hoje.
Marco Antonio Ferreira fez o seguinte comentário no post
anterior, no qual eu avaliava que o jogo estava empatado (não apenas em relação
ao Judiciário) entre forças golpistas e o estado de direito: “Ontem tive raiva
do Fachin, hoje me dá pena. Acachapante sua derrota. Imagina ficar só, com
Toffoli e Mendes?”
De fato. Mas ontem e hoje (17), após o voto de Fachin, havia
quem temesse (eu entre essas pessoas) que o golpe desse mais um passo
importante no Supremo. E por pouco não passou, já que bastaria um único voto
para que a corte tivesse referendado o voto secreto e absurdo que Cunha tentou
impor. Mas não passou, e não passarão. Pessoas como Dias Toffoli não passarão.
Cabe ainda mencionar outro magistrado digno, e além disso
discreto, do Supremo, o presidente Ricardo Lewandowski, um homem avesso a holofotes como deveriam ser todos os juízes. Seu voto “de Minerva”
que deu a vitória à tese do voto aberto como inerente ao processo na comissão
processante está também na história, logo após o voto longo, empolado,
arrogante e reacionário do “decano” Celso de Mello.
Discreto e avesso a holofotes, Lewandowski desempatou |
Destaco ainda o voto do ministro Marco Aurélio, que costuma
ser sempre contundente. Ele ironizou, dizendo que o voto secreto é na verdade
um “voto misterioso”. "Há de prevalecer sempre o interesse público, e este
direciona à publicidade e transparência (...) Nada justifica a existência, no
caso, do voto secreto. A votação tem que ser aberta”, justificou o ministro.
Vamos lembrar os votos: se manifestaram pela legalidade,
pela democracia e pela República os seguintes seis ministros: Luís Roberto
Barroso, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello, Rosa Weber, Luiz Fux e
Cármen Lúcia.
A Toffoli, o limbo da história |
Votaram a favor do voto secreto, com Eduardo Cunha e suas
manobras, os ministros Luiz Fachin, Teori Zavascki, Gilmar Mendes, Dias Toffoli
e Celso de Mello, aos quais está reservado um lugar bem localizado no limbo da
história. O final do voto de Gilmar Mendes, que chegou ao cúmulo de citar um
artigo “do senador José Serra”, terminou de maneira emblemática: ele se dirigiu
ao presidente Lewandowski, e disse: “Vou pedir licença, porque tenho que
viajar”. Lewandowski respondeu: "Boa viagem". Esse episódio já
parecia o prenúncio de que o raivoso Mendes já sabia de antemão ser voto
vencido.
Para finalizar, vê-se pela reação inconformada de
comentaristas da reação (com o perdão do pleonasmo) que a decisão do Supremo
contrariou interesses notórios de gente que não tem vergonha de ter um homem
como Eduardo Cunha como veículo de aspirações sinistras e obscuras. “STF deu a
Dilma o que ela pediu”, disse, por exemplo, o jornalista Josias de Souza.
Mas a ele e a outros, e a todos os aliados confessos ou não de Eduardo Cunha, dedico o dito de Machado de Assis e toda sua ironia: “ao vencedor, as batatas”.
4 comentários:
Edú, um grande abraço, um grande abraço mesmo.
Belo texto, Edu! E uma pergunta: o que é o Toffoli? Os caras xingaram ele por ser petista e ele resolveu virar do avesso? O cara pode ter suas posições, claro, mas essa proximidade com o Gilmar Mendes é inexplicável.
Sim, Nicolau. Mas o pior de tudo é que, como já me disse um jurista de alto nível, Toffoli está muito, mas muito distante do chamado "notório saber jurídico". Ele é fraquíssimo, embora esse jurista tenha dito outra coisa. Um erro de Lula, que o indicou. Aliás, Lula também nomeou Joaquim Barbosa.
A tabelinha de Toffoli com Mendes ontem foi de dar pena.
Belo texto mesmo. "Ao vencedor as batatas." Boa essa. O Gilmar Mendes talvez a esta altura esteja foragido huáhuáhuá... Dadas as suspeitas de seu envolvimento no caso do mensalão tucano, de repente o caldo entorna depois da condenação em primeira instância do Eduardo Azeredo... Bem, gol nosso. O jogo continua...
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