quinta-feira, 19 de abril de 2012

O Espírito do Santos (parte 2)


CENTENÁRIO



A geração de Diego e Robinho (2002-2004)


Entre os quatro times que incorporam o que chamo de Espírito do Santos (os de 1958, 1978, 2002 e 2010), o de 2002 vem a seguir ao de 2010-2011, de Neymar e Paulo Henrique Ganso, embora talvez seja tão importante quanto este.

A geração de Diego, Robinho, Elano, Renato, Léo e companhia resgatou a grandeza do time da Vila Belmiro, que desde 1984 não ganhava um título importante, apesar das conquistas de 1997 (Rio-São Paulo) e 1998 (Copa Conmebol). Em 2002, a torcida era mais ou menos dividida em três. Os mais jovens (não era meu caso), como meu filho, então com 18 anos, nunca tinham visto seu time ser campeão e cresceram sob chacotas e humilhações dos rivais. Os mais “experientes”, como eu, não tinham visto o time de Pelé jogar, mas haviam vibrado com os “meninos da Vila” de 1978 e viram os títulos paulistas de 1978 e 1984 – além da mítica equipe de 1995, vice-campeã brasileira. E a geração mais velha, que aprendera a amar o futebol do maior time do mundo, bicampeão mundial, mas não conseguia fugir ao fantasma do passado. 1978/1979, 1984 e 1995 foi tudo de relevante que o Santos conseguiu desde 1973, quando do último título paulista, dividido com a Portuguesa, com Pelé em campo.

(Um parênteses para o time de 1995, cujo símbolo era Giovanni, que protagonizou o antológico 5 a 2 contra o Fluminense, que para muitos santistas foi “o jogo da vida” – não para este escriba. Não fui ao estádio: era aniversário de minha mãe, Leila, que era santista e não está mais entre nós, e assisti na casa dela. Apesar da magia – efêmera –, esta geração é para mim bastante secundária na história, mesmo a recente. Não só pela perda do título no 1 a 1 com o Botafogo no Pacaembu, graças ao apito canalha do árbitro Márcio Rezende de Freitas. O Santos também colaborou: sem o importante volante Gallo, suspenso, o técnico Cabralzinho preferiu montar o time com apenas um volante – Carlinhos –, deixando o experiente Pintado no banco e um meio de campo vulnerável. E havia no elenco um oba-oba preocupante. Tudo isso me deixara com a pulga atrás da orelha. Na final, Giovanni perdeu vários gols inacreditáveis, que não costumava perder, entre os quais um no finzinho do primeiro tempo quase embaixo da trave. Foi quando um jovem torcedor de uns 18 anos nas arquibancadas olhou para mim e disse: “É, velho, quando começa assim...” Conheço santistas que veneram Giovanni, e outros não gostam dele, porque acham que amarelou na final. Não estou nem entre os que veneram o time e Giovanni, nem entre os que execram o jogador. Mas não tenho Giovanni como ídolo e acho que ele de fato tremeu naquele dia. Meu “ídolo” daquele time era o atacante Marcelo Passos. Atribuo a idolatria àquele time à seca e frustração dos torcedores mais jovens que nunca haviam comemorado um título. E assim fecho o parênteses sobre 1995.)

Horizonte sombrio

Em 2002, portanto, o Peixe vinha desse passado recente recheado frustrações e times medíocres ou, pior, horríveis , e 18 anos sem ganhar nada “importante”, após o estadual de 1984.

Quando começou a temporada de 2002, o Santos era considerado pela imprensa um candidato quase certo ao rebaixamento. Essa avaliação ganhou ainda mais consistência após o torneio Rio-São Paulo, em que o Alvinegro terminou em melancólica 9ª colocação e vivia grave crise.

A chegada do comandante

Para o Campeonato Brasileiro, o time tinha contratado Émerson Leão, que recusou a proposta do então presidente Marcelo Teixeira de contratar “medalhões” (política técnica e financeiramente fracassada que já vinha de anos passados). Leão disse que usaria os imberbes meninos que estavam surgindo na base do clube. Uma matéria do jornal O Estado de S. Paulo de 2003 contou como foi o ambiente no vestiário no dia em que Émerson Leão anunciou ao jovem elenco que eles é que seriam os homens do seu time. Os meninos se entreolhavam com expressões de incredulidade e felicidade, como jovens guerreiros que um experiente general eleva à categoria de soldados capazes de ganhar a guerra.

Elano, Renato e Paulo Almeida, entre outros, antes da chegada do novo treinador, eram atletas colocados entre os que o clube considerava dispensáveis. Leão montou a equipe com os jogadores fracassados que vinham jogando, misturado às jovens promessas. O time era: Júlio Sérgio (Fábio Costa); Maurinho, Alex, André Luiz e Léo; Paulo Almeida, Renato, Elano e Diego; Robinho e Alberto. O atacante William (também da escolinha) e o nem tão jovem meia Robert eram utilizados com freqüência.

E o futebol bonito, ofensivo, repleto de talento e arte apareceu. O goleiro titular durante quase todo o campeonato era Júlio Sérgio, que se contundiu na reta final da competição e deu lugar a Fábio Costa, que se recuperava de grave contusão, e voltou na hora certa, pois foi decisivo para a conquista do título.

O primeiro jogo que me marcou naquela campanha foi a memorável vitória de 4 a 2 sobre o Corinthians no Pacaembu, dia 3 de outubro de 2002, com dois gols de Alberto (um deles um golaço de semi-bicicleta) e dois de Elano. Duas semanas depois, o adversário seria o São Paulo no Morumbi. No dia 16, fui com meu filho Gabriel, então com 18 anos, assistir ao San-São.

Foi um grande jogo. O Santos saiu derrotado, 3 a 2, na partida marcada pelo episódio em que Diego comemorou um dos gols pulando sobre o escudo são-paulino. Mas, apesar da derrota, o sentimento era de satisfação: o time demonstrava que podia ir muito longe.

Em turno único, o campeonato classificava os oito primeiros para disputar os mata-matas. Depois de alguns vacilos nos últimos jogos, o Peixe se classificou na bacia das almas, em oitavo lugar, e pegaria o temível São Paulo, líder absoluto da competição. Definidos os confrontos, lembro que no boteco perto de casa, na esquina das ruas Prof. João Arruda e Cardoso de Almeida, em Perdizes, onde eu morava, um santista comentava desanimado que “não ia dar”. “Pegar o São Paulo... vai ser difícil”, comentou, olhando para a televisão ligada, ao que respondi: “Relaxa, santista. Vamos ganhar!”.

Arrogância são-paulina esbarra em Diego


Naquela semana, num bar em que havia alguns santistas e eu, além de vários são-paulinos à mesa, um deles, que tinha sido inclusive da diretoria do Tricolor, comentou, com a arrogância típica: “Santos? Eu quero jogar é com o Real Madrid”. Mas não deu outra. Na Vila, 3 a 1 para o Alvinegro, em partida memorável em que o São Paulo de Kaká escapou de uma goleada. Diego saiu de campo mancando e um velho são-paulino, parente de minha mulher Carmem, me disse ao telefone: “Esse 10... quem é? Saiu mancando, será que vai jogar na volta?” Eu respondi: “Espero que sim”. E ele, rindo: “Espero que não!”

No jogo de volta, que, junto com uma galera, ouvi pelo rádio, o time do Jardim Leonor precisava de 2 a 0 para ir à semifinal. Fez 1 a 0 logo de cara. E foi um dos jogos em que mais fiquei nervoso em toda minha vida. Mas, apesar da pressão impressionante, o São Paulo acabou levando a virada. Diego e Léo marcaram para o Santos. O grande Tricolor estava desclassificado e guardava sua arrogância no saco.

Depois de eliminar o Grêmio (3 a 0 e 0 a 1), a final era contra o terrível Corinthians, que, com Carlos Alberto Parreira, tinha um ótimo time.

A final com o Corinthians

No jogo de ida, o Peixe bateu o Timão por 2 a 0, em partida memorável de Diego. Na grande final, com melhor campanha, o Timão precisava de um resultado por dois gols de diferença para nos roubar o título. Antes da partida, Gabriel, com ansiedade imensa, comentou: “se o Santos não ganhar esse título, Deus não existe”.

E chegamos ao jogo da minha vida, perto do qual o de 1995 é uma pequena e apagada lembrança. Nada houve de tão grande para mim no futebol antes ou depois daquele maravilhoso 3 a 2 contra o Corinthians na final de 2002. Tive o privilégio de estar lá!, junto com Carmem e Gabriel. O Morumbi abarrotado e literalmente dividido ao meio nas arquibancadas, embora (os corintianos têm dificuldade em admitir isso) na numerada houvesse mais santistas, que formavam então, por isso, maioria.

Quando Robinho deu a histórica pedalada para cima de Rogério, que cometeu pênalti, lembro de Gabriel gritando: “Ele deu!, ele deu!”, pois a marcação de uma penalidade contra o Corinthians numa final parecia um milagre para um jovem acostumado a ver o time roubado. Gabriel, com seus 18 anos, nasceu em 1984, o ano em que o Peixe havia sido campeão pela última vez. Era da geração que crescera sendo humilhado pelos adversários, e nunca vira seu time ser campeão.

(Gols da final - dois últimos gols narrados por Oscar Ulisses)



Após o 1 a 0, a sensação era de que seria muito difícil que o adversário virasse para 3 a 1 e levasse a taça, até porque oferecia o contra-ataque ao um time mortal. Mas Diego, que fizera partida memorável no jogo de ida, saiu logo de cara, contundido.

No segundo tempo, o relógio não andava. Desde o início do jogo, Fábio Costa fazia uma partida milagrosa, com defesas espetaculares. Tenho para mim que, junto com Robinho, Fábio Costa foi o homem a quem os santistas devem agradecer o título. Horas pareciam se passar, mas o jogo não chegava nunca aos 30 minutos. Quando chegou, o Corinthians empatou. E virou aos 40. Lembro de um santista agachado na arquibancada, chorando e dizendo: “De novo não, de novo não!”, como se implorasse aos céus para os quais, porém, não olhava.

Mas aos 43, em jogada que começou com Elano, este serviu Robinho pela direita; o endiabrado e mirrado negrinho cruzou para Elano, que, já na área, mandou para as redes e saiu correndo, levantando a camiseta para mostrar, por baixo, a imagem de Nossa Senhora Aparecida. 2 a 2, mas o Corinthians estava derrotado. E nos estertores dessa partida que mais parecia uma ópera, como disse depois um jornalista, após nova espetacular jogada de Robinho, Léo pegou na entrada da área e fulminou o goleiro Doni. 3 a 2 e o Santos era campeão brasileiro de 2002.

Único time grande a sair de uma longa fila vencendo um campeonato brasileiro, o time de Fábio Costa, Diego, Robinho, Elano, Renato e companhia entrava para a história do futebol.

Em 2004, o elenco perdeu o zagueiro Alex, o volante Renato, o meia Diego e o treinador Émerson Leão, substituído por Vanderlei Luxembrugo, que, com a mesma base, reforçada com o atacante Deivid, sagrou-se campeão brasileiro, agora por pontos corridos.

Leia também: O Espírito do Santos - parte 1: a geração de Neymar e Paulo Henrique Ganso

O Espirito do santos - parte 3: Os Meninos da Vila

3 comentários:

olavo disse...

Sensacional, Maretti!

Cronologia perfeita dos fatos. Texto ao mesmo tempo informativo e emocionante. Gostei muito!

Tenho pra mim que o título de 2002 foi o mais importante da história do Santos. Mais que todos da era Pelé, que todos que Neymar trará pra nós. O único equiparável é o de 1955.

Em 1955, o Santos mostrou a São Paulo e ao Brasil que não era uma Inter de Limeira, dona de um título fortuito; e em 2002, deixamos claro ao mundo que não somos peça de museu. O "crescimento sustentável", com títulos em praticamente todos os anos desde então (2003, 2005, 2008 e 2009 são as únicas exceções) comprovam os frutos daquele momento.

olavo disse...

Ah, mais um comentário: como sempre conversamos, sou contra a consolidadíssima expressão "Diego e Robinho".

Acho que o meio-campista não foi, naquela conquista, mais importante do que outros três nomes: Alex, Léo e Renato.

Registre-se que não falo isso para desmerecer Diego, e sim para enaltecer os outros.

Já Robinho... esse tá mesmo um patamar acima, alguém discorda?

Eduardo Maretti disse...

Acho, Olavo, que Diego e Robinho se tornaram simbólicos obviamente por serem atacantes (Diego era meio-campo avançado e destruía defesas sem piedade – e o São Paulo que o diga), o que exatamente forma o caráter do “espírito do santos” de que falo. Gosto dessa expressão, a “geração de Diego e Robinho”. Eram os que mais encantavam.

Lógico que Alex, Léo e Renato foram decisivos e fundamentais. Mas eu incluo aí Elano, autor dos gols dos títulos na final de 2002 (pois o segundo gol matou o Corinthians) e do jogo com o Vasco em 2004. Não se pode confundir o Elano de 2012 com o de 2002 e 2004, quando foi um gigante. E Fábio Costa? Sem o goleiro, talvez não tivéssemos sido campeões, pois a atuação dele na final contra o Corinthians foi uma das mais impressionantes de um goleiro que já vi na vida.

Creio que a espinha dorsal daquele time era então Fábio Costa, Alex, Léo, Renato, Elano, Diego e Robinho.