Mais importante do que os aspectos meramente esportivos, a briga pelos direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro pela TV é prévia de uma disputa maior. Disputa que envolve a pauta da Conferência Nacional de Comunicações, realizada no fim de 2009 após as fases municipal e estadual durante o segundo semestre daquele ano. Nessa pauta, estão listados os pontos que urge discutir (em diálogo entre Executivo, Legislativo e sociedade civil) para modificar e modernizar o arcaico sistema de comunicações no Brasil.
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Foto: Eduardo Maretti |
O cerne da questão é: as TVs e rádios são concessões públicas no país. Portanto (como já escrevi em outro post neste blog) deveriam responder à determinação do artigo 220 da Constituição, que precisa ser regulamentado à luz do interesse da cidadania, e não dos interesses privados. Em seu parágrafo 5º, o artigo 220 da Constituição de 1988 diz expressamente: “Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”. Essa é a discussão de fundo do imbróglio CBF/TV Globo versus Clube dos 13.
Onde fica o consumidor/torcedor?
Vamos ponderar: se a TV Globo é, tecnicamente, a melhor opção para transmitir um evento (o Campeonato Brasileiro), e de fato é, isso não lhe pode dar a prerrogativa do monopólio. Com sua hegemonia (conquistada, lembremos, durante o regime militar no país), a Globo determina absolutamente tudo: qual jogo você vai assistir, no horário que ela estipula.
Às 16 horas do domingo (ou às 22h de quarta-feira), nenhum habitante do Estado de São Paulo, por exemplo, pode ver uma partida de futebol em canal aberto que não seja o “jogo da Globo”. A Band pode transmitir também, mas o mesmo evento da Globo. Se seu time não estiver na telinha, você pode ver o jogo do seu time, claro, desde que pague o pay-per-view, que é da Globo.
Mais tarde, no horário noturno do domingo (ou às 19h30 dos dias de semana), você tem duas opções: 1) assiste à partida na TV a cabo (Sportv, da Globo) ou, se seu time não está nessa partida, você pode ser assinante do pay-per-view (da Globo) e vibrar com seu time pela Globo.
Esse monopólio é obsceno e tem que acabar.
Copa do Brasil
A ESPN Brasil ter conquistado o direito de transmitir a Copa do Brasil via TV a cabo já é um avanço. E eu não digo em relação a direitos das empresas de comunicação, mas a direitos do consumidor mesmo. O cidadão brasileiro não pode se resignar a ser refém do que quer a Rede Globo sempre. E a cumplicidade Globo/CBF é outra obscenidade.
Quando eu era moleque, os jogos de futebol das quartas-feiras eram às 21 horas. A gente ia ao Morumbi ou ao Pacaembu ver as partidas. O jogo acabava às 23 horas e você pegava o busão, ia pra casa. Hoje, os jogos começam quase 22h e quando acaba não tem sequer metrô. O que querem os executivos globais? Que não haja povo no futebol? Que o futebol seja uma merda de um Big Brother esportivo? Então a Globo que discuta com a sociedade, seja mais democrática, aceite fazer parte de um sistema, e não ser ela própria o sistema. E que deixe de achar que manda no mundo.
O Imbróglio
Até a quinta-feira, 24, alguns jornais garantiam que, liderados pelo Corinthians, os quatro grandes do Rio e o Coritiba haviam rompido com o Clube dos 13, ficando ao lado da CBF de Ricardo Teixeira e TV Globo. Mas a história não é bem essa, há muitas dúvidas. Os clubes que estariam por aderir à rebelião corintiana (vide Globo/CBF) seriam os quatro grandes do Rio e Coritiba, além de Grêmio, Cruzeiro, Goiás, Vitória e Palmeiras. O grupo a favor do presidente do Clube dos 13, Fábio Koff, e contra CBF/Globo, seria formado por São Paulo, Internacional, Atlético-MG, Atlético-PR, Bahia, Portuguesa, Sport e Guarani. A posição do Santos é de cautela e silêncio. Patrícia Amorim, mandatária do Flamengo, tentou ser diplomática: “Não há interesse em romper com o Clube dos 13, mas de retomar a essência”.
As questões jurídicas e financeiras estão pesando. O presidente corintiano começou a semana agressivo e irredutível. Na quinta-feira à tarde, Andrés Sanchez declarou que estava mesmo rompendo com o C 13. "Eu estive com a Record ontem (quarta-feira). Fiquei mais de duas horas com eles. Cada um vai procurar o que é melhor para si", disse o presidente do "Timão", revelando uma ignorância absoluta sobre algo maior do que ele próprio e seu clube, que é o futebol brasileiro. Já passou o tempo da pré-democracia e Sanchez nem sabe disso.
O Corinthians enviou carta pedindo a desfiliação do C13. Mas, para sair, terá de pagar uma dívida de R$ 25 milhões. Sanchez disse que isso não será problema. Não será? O clube do Parque São Jorge corre o risco de achar que manda em tudo, que não precisa de ninguém, que as associações são inúteis, e acabar isolado.
Além do São Paulo, o Atlético-MG é outro em discórdia com a CBF faz tempo. Alexandre Kalil, presidente do Galo, disse ao Terra Magazine: "A Globo não quer pagar mais, não quer negociar, quer lucro de R$ 1 bilhão todo ano e matar os clubes".
Enfim, ninguém pode prever o desfecho dessa briga. Uma briga muito maior do que parece.
Atualizado às 04:45 e 16:03