segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Uma notícia está chegando lá do Maranhão


“No presídio de Pedrinhas, cabeças são cortadas. Resta saber se, para além dos muros da prisão, alguém um dia irá para a guilhotina.”

Zeca Baleiro
(Publicado originalmente na Folha de S. Paulo)

Divulgação
Leio com assombro as notícias que chegam do Maranhão. Imagens e relatos dolorosos e repugnantes despejados em tempo real em sites, jornais e telejornais, escancarando a nossa vergonha e impotência diante de barbaridades que já extrapolam nossas fronteiras e repercutem mundo afora.

Como todos, estou pasmo. Mas nem tanto. Nasci no Maranhão e sei que a barbárie (a todos agora revelada de um modo talvez sem precedentes) já impera há anos na prática de seus governantes vitalícios, que agem como os velhos donos das capitanias hereditárias do passado.

Se o crime organizado neste momento dá as cartas e oprime o povo com ameaças e ações dignas dos mais perigosos terroristas, é porque há uma natural permissão --a impunidade crônica dos oligarcas senhores feudais, que comandam (?) o Estado com mãos de ferro há 47 anos (a minha idade exatamente) e que, ao longo desse tempo, vem cometendo atrocidades sem castigo, com igual maldade, típica dos grandes tiranos e ditadores.

Esses donos do poder maranhense (e nunca dantes a palavra "dono" foi empregada com tanta adequação como aqui e agora) são exemplo e espelho para que criminosos ajam sem nenhum medo da punição.

Pois a miséria extrema que assola o Estado há décadas, o analfabetismo estimulado pela sanha dos coiotes ávidos de votos, a cultura antiga de currais eleitorais, a corrupção mais descarada do mundo e o atentado ao patrimônio histórico de sua bela e triste capital são crimes tão hediondos quanto os cometidos no complexo penitenciário de Pedrinhas.

A diferença crucial é que, enquanto os bandidos que agora aterrorizam (e matam) a população aos olhos assustados da nação estão em presídios infectos e superlotados, os criminosos de colarinho branco (e terninho bege) habitam palácios.

No meio do caos, soa tão patética quanto simbólica a notícia veiculada dias atrás neste jornal sobre abertura de licitação para o abastecimento das residências oficiais da governadora.

A lista de compras é de um rigor e de uma opulência espantosos. Parece coisa da monarquia francesa nos dias que antecederam sua queda.

No presídio de Pedrinhas, cabeças são cortadas. Resta saber se, para além dos muros da prisão, alguém um dia irá para a guilhotina.



2 comentários:

Felipe Cabañas da Silva disse...

O cinismo e a desfaçatez do clã Sarney são realmente abjetos. Evidentemente, temos de analisar a situação do Maranhão também à luz de um desenvolvimento regional desigual, que manteve o norte-nordeste e o centro-oeste atrasados em relação à pujança do "sul maravilha", ou daquilo que Milton Santos chamou de "região concentrada" e basicamente engloba os estados do sul-sudeste. Porém, se há motivos históricos para que o nordeste chegasse ao século XX atrasado, as suas elites políticas são as responsáveis para que a região permanecesse no estado de atraso. São 47 anos de Império Sarney, e o Maranhão segue sendo um dos estados de piores indicadores sociais da federação. É uma estagnação de proporções escandalosas, e temos de nos solidarizar à angústia dos maranhenses pensantes, como o Zeca Baleiro.

Eduardo Maretti disse...

... que, aliás, é não apenas pensante como um ótimo músico...

A propósito de Maranhão, é interessante e didático assistir ao documentário de Glauber Rocha (de apenas 11 minutos) "Maranhão 66", sobre o então recém-eleito governador Sarney, há 47 anos. É incrível como, sob a perspectiva histórica e com as imagens ao fundo, o discurso dele soa mesmo "abjeto" e cínico:

http://fatosetc.blogspot.com.br/2012/09/maranhao-66-de-glauber-rocha.html