quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Simone de Beauvoir





Hoje, Simone de Beauvoir (1908-1986) faria 106 anos. Muitas jovens feministas de hoje, que consideram revolucionário, que acham demais fazer manifestações de nudismo para reafirmar sua independência, o que só reproduz uma visão de mundo hedonista sem nenhum conteúdo relevante, provavelmente desconhecem que essa francesa que nasceu e morreu em Paris publicou, em 1949, O Segundo Sexo, o primeiro ensaio importante que discutiu filosoficamente a condição da mulher na civilização contemporânea e mais tarde inspirou e em parte embasou o movimento feminista.

Para não ficar, aqui, numa análise superficial de obra tão vasta, tão complexa e tão importante, para não repetir os velhos chavões de sua relação com Jean-Paul Sartre, e também porque eu não teria nada mais bonito a dizer, reproduzo abaixo trechos de um belíssimo texto da nossa grande Lygia Fagundes Telles no livro de crônicas (memória e ficção) Aquele Estranho Chá, em que Lygia narra um encontro seu com a fundamental escritora francesa.

Ela, de traços delicados que ainda guardavam uma discreta beleza da juventude, cabeça pequena de aristocrata, corpo atarracado de camponesa. Mãos fortes e olhar tão intenso que recuei um pouco quando ela firmou o olhar em mim e começou com suas perguntas sobre a condição da mulher no Brasil. Essas perguntas prosseguiram nos contatos seguintes que tivemos, era inesgotável sua curiosidade. Interessou-se muito pela ditadura de Vargas, como os jovens reagiram? E como o país, ou melhor, como a mentalidade brasileira interferiu no processo da minha profissão de escritora?”

(...)

"Fomos almoçar num bistrô do bairro, era outono e a folhagem das grandes árvores estava esbraseada. Achei-a mais magra. Mais envelhecida no casaco de couro e botas da cor da folhagem. Voltou aos seus temas preferidos, o movimento feminista. Política. Literatura. E de repente, a pergunta incisiva: “Você tem medo de envelhecer?” Comecei a ramificar nas minhas curvas mas ela queria a linha reta. Tocou com firmeza na minha mão: “Então está com medo.” Não pude deixar de sorrir: ali estava a pensadora tão lúcida, tão racionalista, a ensaísta que esgotara tão terrivelmente num alentado ensaio todo o problema da velhice [referência ao livro A Velhice – 1970] e ainda preocupada com a idade da decadência, vulnerável como uma dona de casa que se procura no espelho e se assusta. Num dos seus belos romances, a personagem em plena l’âge de discrétion também se encolhera como um coelho: “Tenho medo. E não posso chamar ninguém para me socorrer. Tenho medo.” Fiquei olhando o vinho vermelho no copo transparente. O pão dourado na cesta.

“Setenta anos? Setenta anos. Em toda sua obra ausente de Deus, a mesma preocupação constante com a fragilidade da condição humana, a mesma marca da insegurança, do medo. O antigo espanto diante da velhice e da finitude e a busca desesperada de uma resposta que pudesse romper o mistério. Evidente sua obsessão – comum a todo artista – de permanência, de duração. E a tranqüila filosofia estruturada na certeza de que a imortalidade seria a morte da vida. Só a idéia da morte, última chave da última porta – só essa idéia, apesar de tudo, torna nossa existência mais feliz.”

(Lygia Fagundes Telles, em Aquele Estranho Chá)



Homenagem do Google a Simone, neste 9/01/2014

Obras de Simone de Beauvoir


A convidada (1943)
Pyrrhus e Cinéas (1944)
O sangue dos outros (1945)
As Bocas Inúteis (1945)
Todos os homens são mortais (1946)
Por uma Moral da Ambigüidade (1947)
A América dia a dia (1948)
O segundo sexo (1949)
Os mandarins (1954)
Privilèges (1955)
A Longa Marcha (1957)
Memórias de uma moça bem-comportada (1958)
Na Força da Idade (1960)
A força das coisas (1963)
Uma Morte Muito Suave (1964)
As Belas Imagens (1966)
A Mulher Desiludida (1967)
A velhice (1970)
Tudo dito e feito (1972)
Quando o Espiritual Domina (1979)
A cerimônia do adeus (1981)

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