quarta-feira, 31 de julho de 2013

Índice de Desenvolvimento Humano, Cantanhêde e a retórica tucana


Ontem, estava dando uma olhada nos jornalões quando me deparei com o texto “Bom, mas tem de melhorar”, da nossa Eliane Cantanhêde, sempre ela, na Folha. O tema é o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), cuja evolução, segundo Cantanhêde, “confirma que o Brasil, mesmo que aos trancos e barrancos, vai no bom caminho”. 

Continua a colunista: “foi sob o comando do sociólogo Fernando Henrique Cardoso e do grande líder de massas Luiz Inácio Lula da Silva que o país efetivamente deu seu grande salto”.

Comentando o fato de o IDH do Brasil ter melhorado 47,5% em 20 anos, a fã dos partidos de “massa cheirosa” nota que “o maior salto” desse avanço é no Norte/Nordeste, mas o Sul/Sudeste continua "na dianteira” e São Paulo, “locomotiva do Brasil” é a terra de onde “o carioca Fernando Henrique e o pernambucano Lula saíram para o Planalto e para mudar a cara do país”.

Realmente é notável que Cantanhêde coloque o metalúrgico de Garanhuns e o perfumado professor da Sorbonne lado a lado, como dois homens que mudaram “a cara” do Brasil.  

Mas a colunista, evidentemente, não poderia jamais admitir que o “salto” do Nordeste, “o maior” entre as regiões brasileiras, e que realmente começou a mudar a cara do país, foi incentivado pelo metalúrgico barbudo, e não pelo professor que disse um dia a seguinte pérola sobre seu então ex-ofício: "Se a pessoa não consegue produzir, coitado, vai ser professor” (em 27/11/2001), o que lembra bastante, conceitualmente, seu pedido para que esquecêssemos o que ele escreveu.

Cantanhêde prossegue dizendo que “caminhando ao lado dos dois regimes –um continuação do outro –, estávamos a população em geral, a academia, a indústria, o agronegócio e a imprensa independente cobrando, provocando, apontando erros e exigindo sempre mais. Assim se constrói um país melhor”.

Muito bem. Pelo menos tivemos a oportunidade de ler a colunista (que, repito sempre, ocupa hoje um lugar que na Folha já foi de Claudio Abramo) reconhecer que, afinal, Lula fez alguma coisa pelo Brasil. Já é um avanço.

Mas as plumagens tucanas, isso ela não pode negar. A ideia de que “um (Lula) é continuação do outro (FHC)”, como diz, é uma das mais genuinamente tucanas que se conhece. O sofisma é bastante repetido em épocas de eleições, e é também comumente ouvido em discursos tucanos no escritório do partido na avenida Indianópolis, em São Paulo, quando os caciques se reúnem e falam à massa cheirosa.

Incapazes de produzir alternativas à política iniciada por Lula – que não continuou, mas rompeu com a economia dos tempos de FHC, privatista, entreguista e perversa com o mercado interno –, os tucanos têm de recorrer ao sofisma de que Lula continuou seu antecessor. É um esforço retórico em busca de sobrevivência.

Um comentário:

Felipe Cabañas da Silva disse...

É duro aguentar mesmo. Eu vejo a coluna da Cantanhêde atualmente como um amontoado de senso comum um pouco mais rebuscado. É uma boa redatora que sabe usar bem da arte da retórica. Mas as interpretações que lança do país, embora a linguagem seja rebuscada, é uma interpretação vazia, cheia de chavões e lugares comuns, invariavelmente pendendo para uma condenação geral do lulo-petismo, ou, quando reconhecendo algum valor nos governos do PT, sustentando que as qualidades se devem ao fato de Lula ter encontrado um país "nos trilhos certos", querendo colar no Lula a pecha de "continuísta", para descaracterizar o caráter essencialmente progressista da condução política nos últimos 11 anos. Lula e Fernando Henrique só podem ser colocados no mesmo saco ou por radicais de ambos os lados ou por interesseiros. Como bem sugeriu o blogueiro, é triste que um espaço que já foi de Cláudio Abramo tenha chegado a tal nível de sucateamento intelectual.