Li esta semana uma pequena novela do grande Tolstói, O Diabo, e fiquei a refletir sobre a literatura russa.
Fiódor Dostoiévski |
Mas em minha reflexão desses dias – e esta nota está longe de pretender ser mais do que isso mesmo: uma humilde nota – pensei o seguinte: se hipoteticamente qualquer pessoa lesse um livro por dia durante todos os dias de sua vida, ainda assim morreria conhecendo uma fração do que se produziu em literatura no mundo: um volume lido por dia ao final de 70 anos daria um total de 25.550 obras. Só a título comparativo, calcula-se que a colossal biblioteca de Alexandria, destruída pelos árabes no século VII de nossa era, tinha 700 mil livros.
E foi pensando nisso, após ler O Diabo de Tolstói, que refleti: talvez eu já tenha lido o suficiente de literatura russa em minha vida. Com 50 anos, se eu viver mais 30 acho que não terei mais tempo para me debruçar sobre uma vertente literária que, aliás, e convenhamos, após a Revolução de 1917 deixou de existir tal como aprendemos a amá-la. Reduziu-se a escritores que não sobreviveram ao stalinismo, ou se tornaram porta-vozes do ideário bolchevique, como o enfadonho Máximo Górki (1868-1936), ou saíram do país para escapar à morte ou ao silêncio, como Vladimir Nabokov (1899-1977).
De resto, digo que talvez não tenha mais tempo para a literatura russa – pelo menos não com a dedicação com que já devorei os grandiosos Alexander Púchkin, Dostoiévski, Tchekov, Tolstói e Gogol – porque há muito o que ler na infinita literatura universal. E também fiquei um pouco cansado da culpa interminável que permeia os romances e contos russos.
Liev Tolstói |
O diabo e a culpa
Em O Diabo, por exemplo, uma obra menor de Tolstói (autor da pequena obra-prima A Morte de Ivan Ilitch, para não falar de Guerra e Paz, Ana Karênina e incontáveis grandes contos e novelas), um jovem homem solteiro, Evguêni, tem um caso com uma camponesa, Stepanida, com quem se encontra furtivamente em uma cabana ou nos bosques nas redondezas de sua propriedade. Depois de casado, embora ame sua mulher Liza, ele não consegue esquecer os prazeres que viveu com a camponesa e, por mais que se esforce para sufocá-lo, seu desejo por ela só aumenta. E, aprisionado por uma culpa doentia, ele passa a viver um inferno, e culpa, por sua vez, a jovem camponesa que passa a ser para ele a encarnação do diabo, daí o título.
E é disso que, a esta altura da vida, cansei nos romances, contos e novelas russos: a culpa. A literatura do país de Dostoiévski do século XIX é impregnada da culpa e de um elemento que podemos chamar de um atávico complexo de Édipo patriótico: a veneração cega pela Grande Mãe, a “mãezinha” onipresente que atormenta ou inspira seus personagens, e A Mãe, de Máximo Gorki, não é mais do que a expressão máxima desse espírito que funde mãe e nação. Talvez Lolita de Nabokov, conscientemente ou não, seja como um grito de libertação desse fantasma. Quem dirá que não?
Seja como for, ter conhecido a maravilhosa literatura da grande Rússia foi fundamental para mim. “Eu sou os livros que li”, disse Sartre. Apesar disso, não tenho mais muita paciência para tanta culpa e tanta pátria.
2 comentários:
Crime e Castigo eu achei apenas razoável, e Irmãos Karamazov eu adorei.
Um amigo insiste há anos para que eu leia Ana Karenina e Guerra e Paz. Tenho muita vontade, mas as leituras "compulsórias" da profissão não tem deixado. Já iniciei Guerra e Paz, mas de Ana Karenina este tal amigo fala tanto que dá até medo… (risos)
Este dois últimos você não levaria para uma ilha deserta?
De Tolstói eu levaria uma coletânea de contos (gosto muito dos contos dele). Recomendo "As Obras-primas de Leon Tolstói", da Ediouro, tradução de Marques Rebelo e Boris Schnaiderman...
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