"Detesto as vítimas quando elas respeitam seus carrascos" (Sartre)
O Kiko Nogueira escreveu o que, em linhas mais fragmentadas próprias à rede social, eu escrevi em postagens efêmeras no Facebook. Por isso economizo o trabalho de construir um texto e reproduzo abaixo. A ideia é: por que setores da esquerda brasileira fazem papel tão subserviente? Por que tanta solidariedade a gente como Reinaldo Azevedo, Rachel Sheherazade e Míriam Leitão? Até o PT divulgou uma nota oficial sobre o caso do "ataque de violência verbal" contra a pobre jornalista da Globo! Na minha opinião, Freud explica. A esquerda brasileira precisa deitar no divã.
Por Kiko Nogueira, no DCM
O caso do voo de Míriam Leitão jogou luz novamente sobre uma
peculiaridade de certa esquerda brasileira: a solidariedade automática.
Imediatamente após a publicação da coluna da jornalista sobre um
episódio de "violência verbal" de que teria sido vítima, perpetrada
ao longo de mais de duas horas por "delegados petistas" e
"representantes do partido", muita gente boa acorreu em sua defesa.
Foi covardia, canalhice, fascismo, machismo, intolerância,
linchamento, estupidez, mata, esfola, desgraçados, assim não dá, é tudo igual,
coitada da Míriam etc etc.
A questão é que Míriam mentiu.
A não ser que tenha na manga alguma evidência que não usou
ainda — o que seria igualmente estranho —, os fatos simplesmente
não ocorreram como ela contou depois de transcorridos dez dias.
Há pelo menos dois depoimentos de presentes a desmentindo em
pontos chaves, além de um vídeo e da própria companhia aérea.
Toda a empatia a Míriam foi baseada em sua
história manca. Seus defensores não se preocuparam em checar nada.
Bastou enquadrar tudo num formato apriorístico e mandar bala.
Para ficar apenas num exemplo, o bom colunista Leonardo
Sakamoto escreveu que "rasgamos o pacto que os membros da sociedade
fizeram entre si para poderem conviver (minimamente) em harmonia".
"É um Fla-Flu, um nós contra eles cego, que utiliza
técnica de desumanização de quem participa do debate público, transformando
pessoas em coisas descartáveis", diz. Etc.
Noves fora o fato de que Sakamoto comprou a versão da
colunista do Globo na maior, é preciso lembrar que o clichê idiota do
"Fla-Flu" já expirou a data de validade há décadas.
Um lado, o Fla, bate. O outro, o Flu, apanha. Republicanamente.
Num excelente artigo sobre a polarização, o professor Aldo
Fornazieri, diretor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, anotou que
"nas repúblicas democráticas bem constituídas não é o consenso, não é a
paz dos cemitérios, não é a passividade que constroem bem estar e boas
leis".
Essa é a hipocrisia nacional, aponta Fornazieri.
É evidente que não se advoga a porrada. Mas é preciso dar às
coisas o nome que elas têm.
Há uma certa noção equivocada de superioridade moral nessa
esquerda, que acaba provocando reação desse tipo. A vaidade da falsa
humildade. De quem se acha tão acima do adversário que o afaga, por mais
criminoso que o outro seja.
Quando Rachel Sheherazade foi "humilhada" por
Silvio Santos, seu patrão e ídolo, a mesma grita se deu.
No dia seguinte, Sheherazade estava rindo das mulheres que a
apoiaram incondicionalmente. Nossa colunista Nathalí Macedo comentou
sobre essa
sororidade.
Sheherazade e Míriam não precisam da sua
imensurável bondade cristã porque têm as costas muito mais quentes que a
sua e jogam o jogo.
"Detesto as vítimas quando elas respeitam seus
carrascos", disse Sartre.
Míriam deseja denunciar o ódio que grassa no Brasil? Ódio
mesmo? Ódio figadal?
Que tal, ao invés de falar de si mesma, apelando para seu
passado contra a ditadura, meia dúzia de palavras sobre o fato de Sérgio Moro
não absolver Marisa Letícia mesmo depois de morta? Sim: depois de morta.
Que tal um auto exame?
Se alguém merece desculpas, são os militantes retratados
como uma turba ignóbil de stalinistas no texto — usarei um eufemismo — obscuro
de Míriam Leitão, espancados à direita e à esquerda.
Monstros que cantaram "a verdade é dura, a rede
Globo apoiou a ditadura".
Mas, com esses, ninguém gasta vela.
Um comentário:
Que mais? Sim, já sei, o Eduardo nos fará uma entrevista com a presidente do partido, Gleisi Hoffmann...
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