quinta-feira, 7 de abril de 2016

O intolerável - por Laymert Garcia dos Santos


"Vamos continuar tolerando o intolerável?"

O sociólogo Laymert Garcia dos Santos, da Unicamp, apresentou ontem, no ato de lançamento da “Carta Aberta à Comunidade Acadêmica Internacional”, na USP, um texto contundente sobre as ramificações da tentativa de golpe em curso no país. Segue um trecho da intervenção, e abaixo dele, o vídeo com a íntegra do texto no evento da universidade, que teve a presença de inúmeros intelectuais, como Marilena Chaui, Marcio Sotelo Felippe, Alfredo Bosi, Ruy Fausto, entre outros.


O intolerável

Agora, que o governo Temer morreu antes de ter nascido;

Agora, que já sabemos que o processo de Lula não deve voltar para Curitiba;

Agora, que o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, porta-voz da Lava Jato, admitiu que "[...] os governos que estão sendo investigados, os governos do PT, [...]" são os únicos que vêm ao caso;

Agora, que ficaram patentes todas as irregularidades e ilegalidades cometidas pela Força Tarefa de Curitiba desde 2006, portanto desde os mais remotos primórdios da Lava Jato, oficialmente deflagrada em 2014.

Agora, que os trabalhadores, movimentos sociais, estudantes, intelectuais e artistas deram corpo e voz ao brado de “Não vai ter golpe”, acrescentando cada vez mais intensamente o complemento “Vai ter luta”;

Agora, que já ficou patente para Deus e o mundo, tanto aqui quanto lá fora, que a democracia corre perigo e que o Estado de Exceção está se instalando e revogando o Estado de Direito, tamanhas são as recorrentes violações à Constituição de 88;

Agora, que cresce o consenso do “Fora Cunha”;

Agora, que até órgãos da grande mídia parecem desembarcar do golpe, apesar de tê-lo fomentado e defendido com unhas e dentes - não por amor à legalidade, é claro, mas por constatarem a sua impossibilidade teórica e prática;

Agora, que foi trincada a sacrossanta imagem do justiceiro Sérgio Moro, revelando a figura do arbítrio despótico;

Talvez seja chegada a hora de indagar, não se teremos paz e poderemos voltar aos nossos afazeres, mas sim que configuração tomará a estratégia da desestabilização do Brasil, a partir do ponto em que chegamos.

É preciso enterrar de uma vez por todas a idéia de que o processo desencadeado teve algum dia ou ainda tem como objetivo efetivo acabar com a corrupção. Porque um combate ultra-seletivo à corrupção, que deixa de fora uma infinidade de ladrões para gritarem livre e impunemente “Pega ladrão!”, apontando para Lula, Dilma e o PT, não pode ser levado minimamente a sério.

E se o Judiciário - particularmente a cúpula do Ministério Público Federal -, assim como setores da Polícia Federal, só aparentemente estão combatendo a corrupção, o que estão fazendo?

Diversos indícios, atos, enunciados sugerem fortemente que se trata de desestabilizar o país a qualquer preço. Preço que, aliás, a esta altura, já é altíssimo, se levarmos em conta 1) o comprometimento de ramos-chave do setor produtivo, particularmente energia, infra-estrutura e defesa, com reverberações em toda a economia; 2) a geração de uma imensa crise social, com seu cortejo de desempregados e a ameaça de regressão da parcela mais vulnerável da população a patamares infra-humanos que pensávamos definitivamente superados; 3) last, but not least, a desmoralização das instituições, a começar por um Parlamento bandido, partidos políticos venais e grotescos, juízes e procuradores que enxovalham as leis em nome de valores espúrios.

A quem interessa tal desestabilização planejada e rigorosamente executada? Seguramente, Sérgio Moro e seus procuradores são apenas operadores de um crime de lesa-pátria; tampouco os agentes da Polícia Federal são algo mais que executores. É claro que a mídia golpista, os partidos de oposição, os movimentos fascistas continuamente estimulados, a FIESP, a OAB, os inocentes úteis e os oportunistas de plantão, inclusive nas hostes governamentais, são protagonistas empenhados na produção do desastre, cada segmento operando a seu modo. E pode-se considerar que, em virtude de seu imobilismo e falta de iniciativa, o próprio governo Dilma e o PT contribuíram involuntariamente, até bem pouco tempo, com a desestabilização.

O silêncio das Forças Armadas é notável, até mesmo quando importantes interesses da Defesa, que as afetam diretamente, são feridos. Mas o que significa o seu não-protagonismo? Se for verdade que Lula não foi sequestrado e levado à força para Curitiba em virtude da discretíssima interferência da Polícia da Aeronáutica em Congonhas, haveria aí uma indicação de que seu papel como garantidor da ordem instituída segue intacto?

Resta, então, a cúpula do Judiciário. Excluindo-se as conhecidas posições de Gilmar Mendes, que dispensam comentários, é inquietante constatar que ainda não se sabe ao certo em que direção o Supremo Tribunal Federal vai se mover, tendo em vista a emissão de sinais contraditórios e as dúvidas que suscita quanto ao papel predominante da corte, se Corte Constitucional ou Corte de Apelação.

Mais graves ainda são os atos e as palavras do Procurador Geral da República, Rodrigo Janot. Acompanhando e mapeando o desenrolar do jogo nos diferentes tabuleiros de xadrez da crise, o jornalista Luiz Nassif percebeu nitidamente que o Ministério Público Federal era o “Alto Comando” do golpe. A designação é extremamente forte, mas há razões para o emprego do termo. Entre elas, a visita inexplicada de Janot ao Departamento da Justiça em Washington para levar às autoridades americanas documentos sobre a Petrobrás; sua inapetência para investigar Aécio Neves; sua defesa intransigente de Moro e da Força Tarefa da Lava Jato, apesar das ilegalidades cometidas;  sua demora para denunciar Cunha junto ao STF, dando a este todo o tempo para sublevar a Câmara dos Deputados contra o governo Dilma; e finalmente sua autorização para que Moro divulgasse os grampos ilegais das conversas da presidenta com Lula, do Ministro Jacques Wagner com Rui Falcão e dos advogados do ex-presidente.

Assista à íntegra da apresentação (para quem preferir assistir a partir da continuação do texto acima, vá para 7'38" do vídeo):

7 comentários:

marco antonio ferreira disse...

Brilhante em tudo, inclusive na 'amarelada" sic, do Nassif. E a pergunta que fecha o texto. Vamos continuar tolerando o intolerável? Como é aquela?
Demorô!

Tania Lima disse...

Se não houvesse tantos "inocentes úteis" como muito bem caricaturizou o sociólogo Laymert, ficaria mais fácil (ou mais estimulante) debelar os oportunistas de plantão.
Dá uma fraqueza de ânimo ver tanta gente emburrecida e com os ouvidos cerrados ao óbvio gritante. Excelente texto.

Edu Maretti disse...

E a questão do "alto comando" continua em vigor...

http://www.redebrasilatual.com.br/politica/2016/04/janot-se-manifesta-contra-posse-de-lula-7003.html

marco antonio ferreira disse...

Meu, que incrível...

Edu Maretti disse...

E veja bem. Estava-se cobrando que Gilmar Mendes liberasse o processo sobre Lula,que ele estava segurando. E eis que no mesmo dia (hoje) ele libera e Janot dá parecer contra. Tabelinha tipo Pelé-Coutinho. É descarado e cínico.

marco antonio ferreira disse...

O artigo de Maria Inês Nassif é interessante," Marco Aurelio da a cara a tapa." E o Luis Nassif diz que Janot mostrou que quer, Dilma. o Jogo tá pesado...pra rua de novo....

Alexandre disse...

Uma análise bem detalhada, que texto...