sexta-feira, 1 de abril de 2016

Especulações sobre um cenário menos sombrio, apesar da Guerra Híbrida


Foto: Stella Senra (clique para ampliar)
Manifestação em Brasília contra o golpe - 31 de março de 2016

Não sou cientista político, mas alguns indícios parecem apontar na direção contrária à desejada pelos grupos midiáticos que querem convencer a população brasileira de que o golpe, via impeachment, é favas contadas. Somados, alguns desses indícios podem começar a configurar um cenário menos sombrio ao prognosticado pelas máfias da comunicação, embora não se saiba que tipo de armas ou táticas possam estar reservadas para os próximos dias ou semanas pelos articuladores do golpe no Brasil  e da verdadeira guerra (veja abaixo: a Guerra Híbrida).

Eis alguns deles:

- Algumas vozes importantes vêm se pronunciando no sentido de condenar as barbaridades jurídicas contra direitos constitucionais, perpetradas há muito tempo pelo juiz de Curitiba, principalmente de dois meses para cá, com o ápice na condução coercitiva de Lula e na divulgação dos grampos da conversa entre o ex-presidente e Dilma.

O ministro Marco Aurélio, do STF, é uma dessas vozes. Na quarta-feira (30), ele disse, sobre o impeachment: "Se não houver um fato jurídico que respalde o processo de impedimento, esse processo não se enquadra no figurino legal e transparece como golpe (...) Por que não se sentam à mesa para discutir as medidas indispensáveis nesse momento? Por que insistem em inviabilizar a governança pátria? Nós não sabemos."

O senador Renan Calheiros, figura em quem a prudência não aconselha confiar muito, mas que tem sido aliado importante do Planalto, disse nesta quinta que o desembarque do PMDB do governo "não foi um bom movimento”.

Menciono Renan e Marco Aurélio, obviamente, porque seria muito fácil falar de Chico Buarque, um eterno aliado das causas populares. Mas, principalmente, a voz do ministro do Supremo tem significado, pelo que ele representa em termos de um dos três poderes da República.

- O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) faz a seguinte avaliação sobre o desembarque golpista do PMDB comandado por Michel Temer: "o PMDB achava que, rompendo com o governo, outros partidos iam debandar também. Isso não aconteceu, abriu-se mais espaço para que outros partidos participem do governo". Ok, é a avaliação de um governista, mas faz sentido, embora ainda seja cedo para concluir pelo erro ou acerto da avaliação do senador petista.

- A conta para o impeachment comandado por Eduardo Cunha passar na Câmara está longe de ser simples para os golpistas. Estes precisam de 342 votos (pelo menos dois terços de 512 - a Câmara tem 513 deputados, mas o presidente da casa não vota). Porém, o governo não necessita de 171 para barrar o processo. Basta que os favoráveis ao golpe não cheguem aos 342. Por exemplo: 340 votam pelo impedimento, 120 se ausentam e 52 se abstêm. Nesse caso, o impeachment é arquivado.

A conta do Miguel do Rosário, no Cafezinho, é outra: "se forem 341votos contra Dilma, e zero votos a favor dela, mesmo assim o impeachment não passa, pois os votos dos ausentes são considerados contra o impeachment". Dá no mesmo.

- As manifestações da sociedade a favor da democracia, mesmo não sendo necessariamente decisivas (e quem lembra das Diretas Já sabe disso), pressionam enormemente deputados em suas bases, principalmente no Nordeste. Afinal, o Brasil não é São Paulo.

- Ao contrário de Collor, renegado pelas multidões que nele votaram, desprezado por aliados e amigos, abandonado e combatido pela mídia que o elegeu, Dilma conta com o apoio de uma base e movimentos sociais cuja só presença certamente vai intimidar muitos parlamentares, na hora de votar. Eles sabem que, quando voltarem a seus redutos eleitorais, e ao longo dos meses e anos seguintes a um impeachment sem fundamento legal, o estigma de golpista poderá ser fatal a seu futuro político. Pelo sim, pelo não, talvez não sejam poucos os que ponderem sobre essa espécie de cenário de si mesmo.

- Por fim, as repercussões do golpe em marcha no Brasil já são consideráveis na imprensa internacional. Isso tem influência, pois, para o bem ou para o mal, nenhum país é uma ilha. Mais informações sobre o assunto neste artigo de Grazielle Albuquerque, pesquisadora do Sistema de Justiça e doutoranda em Ciência Política pela Unicamp, publicado no site Pragmatismo Político: 
A repercussão do golpe na mídia internacional,

Exatamente há 52 anos, nesta mesma madrugada de 31 de março para 1º de abril, era deflagrado o golpe militar no Brasil.

A Guerra Híbrida, segundo Pepe Escobar

Como epílogo, quero terminar registrando que a grande luta que se trava é invisível e está além dos meros serviçais de golpe no Brasil. Essa é a guerra de que se trata, que o jornalista Pepe Escobar aponta melhor do que ninguém:

"A matriz ideológica e o modus operandi das revoluções coloridas já são, hoje, assunto de domínio público. Mas não, ainda, o conceito de Guerra Não Convencional (GNC) [orig. Unconventional War (UW).

"Essa guerra não convencional apareceu explicada no manual das Forças Especiais para Guerra Não Convencional dos EUA, em 2010. O parágrafo chave é:

"1-1. A intenção dos esforços de GNC dos EUA é explorar vulnerabilidades políticas, militares, econômicos e psicológicos de um poder hostil, mediante o desenvolvimento e sustentação de forças de resistência, para alcançar os objetivos estratégicos dos EUA. (...) Para o futuro previsível, as forças dos EUA se engajarão predominantemente em operações de guerra irregular."

" 'Hostil ' não se aplica apenas a potências militares; qualquer estado que se atreva a desafiar alguma trama importante para a "ordem" mundial Washington-cêntrica - do Sudão à Argentina -, pode ser declarado"hostil".

"Hoje, as ligações perigosas entre Revoluções Coloridas e Guerra Não Convencional já desabrocharam, como Guerra Híbrida: caso pervertido de Flores do Mal. Uma 'revolução colorida' é apenas o primeiro estágio do que, adiante, será convertido em Guerra Híbrida. E Guerra Híbrida pode ser interpretada, na essência, como a teoria-do-caos armada - paixão conceitual dos militares dos EUA ("política é a continuação da guerra por meios linguísticos"). No fundo, meu livro de 2014, Empire of Chaos rastreia as miríades de manifestações desse conceito.

"Os detalhados e bem construídos argumentos [de Andrew Koribko, um dos capítulos já traduzidos, e outros em tradução (NTs)] dessa tese em três partes esclarece perfeitamente o objetivo central por trás de uma grande Guerra Híbrida:

"O grande objetivo por trás de toda e qualquer Guerra Híbrida é esfacelar projetos multipolares transnacionais conectivos, mediante conflitos de identidade provocados de fora para dentro (étnicos, religiosos, regionais, políticos, etc.), dentro de um estado de trânsito tomado como alvo.

"Os BRICS - palavra/conceito de péssima reputação em Washington e no Eixo de Wall Street - teriam de ser os alvos preferenciais de Guerra Híbrida. Por incontáveis razões, dentre as quais: o movimento na direção de comerciar e negociar em suas próprias respectivas moedas, deixando de lado o dólar norte-americano; a criação do Banco de Desenvolvimento dos BRICS; o confessado interesse na direção da integração da Eurásia, simbolizada pelos projetos: Novas Rotas da Seda - ou, na terminologia oficial, Um Cinturão, uma Estrada [ing. One Belt, One Road (OBOR)] liderados pela China; e União Econômica Eurasiana (UEE) liderada pela Rússia."

Leia o artigo de Pepe Escobar na íntegra, no site O Cafezinho
Brasil e Rússia sob ataque de “Guerra Híbrida”

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