quarta-feira, 11 de março de 2015

A questão é: até que ponto a “revolta” financiada pela elite golpista vai contaminar a nação?


"Não há vítimas inocentes" (Jean-Paul Sartre)


Logo após o segundo turno de 2014, mais precisamente em 28 de outubro, estive numa coletiva do presidente do PT, Rui Falcão, da qual participou o deputado estadual Edinho Silva, tesoureiro da campanha de Dilma Rousseff, em que ele foi questionado sobre os porquês do fracasso eleitoral do partido em São Paulo, a vitória acachapante de Geraldo Alckmin no estado e a dificuldade do partido até mesmo nas periferias da grande São Paulo que historicamente são seus redutos.

Edinho elencou alguns fatores, como a falta da abordagem de temas regionais pela imprensa, a manipulação de informações relativas à agenda nacional que ocupa as manchetes diuturnamente, com denúncias de corrupção contra o PT, a legislação eleitoral (falta de reforma política) e a crise econômica. Mas me chamou a atenção um outro fator mencionado por ele na ocasião.

Ele citou o ótimo livro Os sentidos do lulismo, de André Singer, do qual se depreende um fato sociológico preocupante: constata-se que a população beneficiada pelos programas sociais e pela política dos governos do PT ascendeu socialmente nos últimos 12 anos – com todas as benesses que o mercado de consumo proporciona – sem que trouxesse (ou levasse) consigo os valores da solidariedade, ou a preocupação social com um país mais justo.

Em outras palavras, os milhões que sob Lula e Dilma conseguiram comprar carros, geladeiras, televisores, mais carros, computadores, celulares e outras dádivas do mercado de consumo, ascenderam socialmente, mas não incorporaram as premissas ideológicas que nortearam a opção do Partido dos Trabalhadores pelos pobres. Ainda que esta opção socialista-reformista (e não revolucionária, como muitos ingênuos exigiam e exigem) tenha beneficiado milhões de pessoas, esses milhões de pessoas chegaram a um patamar social apenas materialmente mais alto, já que continuaram deseducadas cultural e politicamente.

Cada cidadão desses milhões de pessoas não está pensando na possível evolução de seu vizinho como membro de uma comunidade, de um bairro, uma cidade, um estado ou um país. Não. Está pensando em ter um carro mais bonito e mais novo do que seu vizinho, um celular capaz de aguentar mais aplicativos, não mais um tênis de 100 reais, mas um de 300. Não pensam no seu quarteirão, no seu bairro, na sua cidade. Pensam em si mesmos, exatamente como a elite branca.

Os valores que carregaram consigo em sua ascensão foram os do individualismo disseminado nas novelas, nos programas de televisão canalhas, BBBs, a cultura fornecida pelas emissoras graças à concessão pública e às verbas publicitárias oficiais que pagam esse lixo.

Não quero dizer que apenas a televisão e sua ideologia, com suas denúncias e sua práxis inspirada em Goebbels, devam ser as causas do que está acontecendo. Mas o golpismo encontra terreno fértil para proliferar nesse deserto ideológico habitado por uma população ávida por consumo, mas que já não se satisfaz apenas com ele e não tem consciência do que lhe falta. É triste.

Mais ainda, numa conjuntura em que a opção pelo mercado interno já não funciona: o preço das commodities em queda não pode mais financiar a opção pelo consumo que foi a mola do sucesso econômico do governo Lula, e além disso a economia está se desindustrializando.

De resto, é essa população aparvalhada pelo consumismo cada vez mais difícil, sem valores sociais, sem solidariedade, o que realmente mais assusta no Brasil de 2015, mais ainda do que o Brasil que emerge sob as badaladas golpistas dos diferenciados que fazem panelaços de seus apartamentos em Higienópolis (que nome mais apropriado para um bairro!) e no Leblon.

Ouvi hoje de um pequeno empresário, dono de um “lava-rápido”, ou, ironicamente, um “lava-jato” (sic), um amigo de bairro, reclamações intermináveis sobre o país, “que nunca esteve tão difícil”, “nunca houve tanta roubalheira”, “assassinos de crianças ficam dez anos presos e são soltos”, “acho que sua amiga (ironia do meu “amigo”, referindo-se a Dilma Rousseff) não termina o mandato não”. Além de individualista, os homens e mulheres que compõem o povo têm ideias confusas e não têm memória.

Evidente que os governos petistas têm responsabilidade sobre esse aparente beco sem saída, esse estado de coisas. A aposta no consumo desenfreado (que alimenta a vaidade, mas não o espírito), um certo “dar de ombros” à necessidade de se educar a população mais pobre enquanto esta ascendia socialmente graças aos programas sociais, a falta de estratégias de comunicação eficientes, tudo isso agora está pesando enormemente na conta.

Resta esperar para ver até que ponto essa “revolta” financiada pela elite inescrupulosa e historicamente golpista deste país vai contaminar as camadas da população que têm votado no PT nos últimos 12 anos e, consequentemente, a nação. 

10 comentários:

Mayra disse...

Acho q já contaminou. Lembra de Pasolini constatando a triste opção do proletariado pela trajetória da pequena burguesia, isso lá nos idos dos 60? Então...

Eduardo Maretti disse...

Meu medo é esse, Mayra. Esse é meu medo.

Alexandre disse...

Olha só que estranho!!!
http://noticias.r7.com/brasil/computador-de-orgao-da-justica-altera-perfil-de-dilma-na-wikipedia-dizendo-que-ela-deixa-o-cargo-neste-ano-11032015

Eduardo Maretti disse...

Credo!
O único problema é que não fizeram um print da página da wikipedia sobre a suposta alteração, pra poder provar. Mas as notícias do R7 são confiáveis, normalmente.
Tá foda.

Tania Lima disse...

Sim, falta uma comunicação mais eficiente. Mas sendo otimista, acho que o quadro todo pode melhorar, mas vai depender do PT. Como diria o chacrinha: quem não se comunica (bem) se trumbica.

Eduardo Maretti disse...

Grande Chacrinha. Fiquei mais otimista, Tania...

Mas hoje entrevistei um economista e ele criticou a (outra vez!) incapacidade de Dilma, no pronunciamento no domingo, de capitalizar para si a negociação sobre o imposto de renda. Disse o economista:

"Ela poderia ter dito que, 'reconhecendo o esforço que os trabalhadores já estão fazendo, eu vou aprovar o ajuste da tabela do Imposto de Renda' (acordo entre líderes do Congresso e o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, estabeleceu correção escalonada na tabela do IR em cinco faixas, de 4,5% a 6,5%). Mas, aí (ela não disse nada), aparece no jornal quase como uma conquista do PMDB, não é capitalizado por ninguém, nem pela CUT, nem pelo PT, nem pela Dilma, e por aí vai", disse o professor.

Complicado.

A entrevista com o professor Giorgio Romano Schutte:

http://www.redebrasilatual.com.br/economia/2015/03/incertezas-e-crise-brasileira-sao-apenas-um-fator-da-alta-do-dolar-que-acontece-no-mundo-todo-6217.html

Paulo M disse...

Esse texto, escrito por um jornalista estadunidense (link abaixo), reforça o que eu disse no final de meu comentário ao post anterior, neste blog.


http://www.portalmetropole.com/2015/03/jornalista-americano-alerta-que-governo.html

Eduardo Maretti disse...

Bom mesmo esse texto. Eu já tinha lido.

Alexandre disse...

Cara, pra mim é um texto completo, bem resumido e verdadeiro. A Dilma precisa saber disso tudo. Será que ela sabe!!!??

Eduardo Maretti disse...

Não sei, Alexandre. Espero que saiba!
Obrigado pelas palavras.