Valter Campanato/ABr
Uma notícia que todo mundo deu e um detalhe que poucos
notaram.
A notícia que todo mundo deu: o presidente do Supremo
Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, derrubou na terça-feira (11) uma decisão do ministro Ricardo Lewandowski proferida no período de
recesso do STF e das férias de Barbosa em janeiro, quando Lewandowski foi presidente
em exercício da “mais alta corte” do país. Na decisão que Barbosa suspendeu, Lewandoswski
determinava à Justiça do Distrito Federal a análise de pedido de trabalho
externo, feito pelo ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu, que cumpre pena
em regime fechado (ilegalmente, já que foi condenado ao semiaberto) em Brasília. O pedido de análise do benefício de trabalho externo de Dirceu foi suspenso pela Vara de Execuções Penais do Distrito Federal com base em nota do jornal Folha de S. Paulo de 17 de janeiro. Ao suspender a determinação de Lewandowski,
o todo-poderoso Joaquim Barbosa disse que a decisão do colega foi “atropelamento
do devido processo legal, pois deixou de ouvir, previamente, o Ministério
Público Federal e o juízo das execuções penais, cuja decisão foi sumariamente
revogada”.
O detalhe que poucos notaram: A decisão de Lewandowski de 29
de janeiro suspensa no último dia 11, em que ele mandava a Justiça analisar o pedido de Dirceu pelo benefício do trabalho externo, foi suspensa pela Vara de
Execuções Penais do Distrito Federal com base, vejam bem (caso o leitor não tenha notado o detalhe no parágrafo acima), em nota da coluna “Painel”
do jornal Folha de S. Paulo de 17 de janeiro. A nota da Folha “denunciava” que
Dirceu teria usado um celular, infringindo assim normas do sistema
penitenciário, prejudicando o pedido do direito ao trabalho externo.
Nota do "Painel" da Folha de S. Paulo de 17 de janeiro |
Segundo Lewandowski, as
investigações concluíram pela “absoluta falta de materialidade do fato" [o uso
do celular por Dirceu] sugerido pela nota de jornal. A “veracidade” da nota
da Folha de S. Paulo foi desmentida pelas investigações do Núcleo de
Inteligência do Centro de Internamento e Reeducação do sistema penitenciário, disse Lewandowski na decisão que o presidente da "suprema corte" revogou.
Em resumo, é um episódio menor no contexto da Ação Penal
470, mas é muito didático para demonstrar a engrenagem que perpassou todo o
processo do chamado “mensalão”: a imprensa pauta o Judiciário com denúncias sem prova,
o Judiciário “acata” a denúncia e a transforma em decisão judicial, a imprensa por
sua vez repercute, e o Judiciário dá seguimento a esse moto-contínuo, esse círculo
literalmente vicioso.
Isso tem tudo a ver com o que me disse em entrevista o jurista Celso Bandeira de Mello na semana passada: “Quem conduziu tudo isso, o
chamado mensalão, foi a imprensa (...) Nós não estamos vivendo um momento em
que o Direito é muito valorizado” no país.
Não sou eu quem está falando. É Celso Antônio Bandeira de Mello, mais um jurista de respeito a apontar a autocracia preocupante pela qual passa o país.
Um comentário:
De fato, eu não percebi o detalhe sórdido. Excelente o seu texto e a sua crítica, tendo em vista que essa constatação e essa reflexão jamais estampariam as páginas dos diários tradicionais. Quando a "mais alta corte" do país demonstra fraqueza frente às pressões midiáticas (que são diferentes de pressões populares, embora muitos analistas ainda insistam em confundir as duas), é possível diagnosticar uma situação de insegurança institucional, em que há sérios indícios de que a justiça não está resguardando a sua obrigatória independência em relação aos agentes externos. Em Estado Democrático de Direito, a justiça está a serviço do povo, mas tecnicamente embasada pela ciência do direito e não pelos clamores populares - muito menos por clamores fabricados em redações jornalísticas. Sem isso, chame-se o sistema político do que for, menos de democracia. Sem isso, voltaremos à lei de talião, à barbárie.
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