sexta-feira, 26 de julho de 2013

Sobre o jornalismo ninja


Reprodução/Imagem do Facebook


As pessoas andam meio embasbacadas com o chamado jornalismo ninja. Como sou jornalista, teria uma série de observações a fazer sobre a proposta do grupo, que tomou corpo no contexto das manifestações de junho e julho.

A proposta ninja, aliás, não é nova. Sem falar de experiências do cinema que mergulham a câmera no coração dos acontecimentos, como no excelente documentário Vocação do Poder, de Eduardo Escorel (2005) – mas aqui estamos falando de algo mais sofisticado –, a Mídia Ninja tem uma inserção na realidade muito parecida, embora radicalizada, à incentivada já há bom tempo por portais da internet que colhem depoimentos, fotos e informações de cidadãos comuns, substituindo, na minha opinião de maneira questionável, tanto ética como jornalisticamente, o papel do jornalista.

Li, a propósito, no Observatório da Imprensa, excelente artigo de Sylvia Debossan Moretzsohn, jornalista, professora da Universidade Federal Fluminense e autora de Pensando contra os fatos. Jornalismo e cotidiano: do senso comum ao senso crítico (Editora Revan, 2007). Por isso digo acima que teria uma série de observações a fazer. Porque Sylvia faz essas observações melhor do que eu faria. O artigo não deixa de admitir a relevância da Mídia Ninja, mas relativiza com muita competência a febre por esse jornalismo (palavras minhas) amador, por vezes ingênuo, conceitualmente antiético e que tem um aspecto que me parece muito discutível: o trabalho “de graça”, supostamente militante, que é a proposta tanto do Mídia Ninja como de portais de poderosas empresas da mídia eletrônica, uma das quais publica fotos de internautas "colaboradores" na TV interna da Linha Amarela do metrô paulistano.

Posso ser acusado de corporativista. Mas, se você é professor, por exemplo, provavelmente não encararia com bons olhos um grupo de professores que se propusesse a ensinar “de graça” e colocasse em xeque seu lugar no mercado, arduamente construído à custa do trabalho, de uma vida inteira de estudos, aperfeiçoamento e experiência. Se, sob o aspecto puramente jornalístico, o trabalho do Mídia Ninja é questionável, desse ponto de vista ético é indefensável.

Reproduzo, abaixo, alguns trechos do artigo de Sylvia Debossan Moretzsohn, que é longo (mas vale a pena: para quem quiser ler inteiro, o link do Observatório da Imprensa segue abaixo, neste post).

Repúdio à mídia corporativa

“(...) como já se tornou rotina nessas manifestações, a multidão que se aglomerou na frente da delegacia para onde foram levados os presos – foram dez no total – hostilizava ostensivamente os repórteres da mídia tradicional. O que não apenas representa uma inaceitável tentativa de silenciamento, mas é sobretudo uma incoerência: quem protesta exige que a mídia “fale a verdade”, mas ao mesmo tempo enxota os jornalistas aos gritos de “a verdade é dura, a Rede Globo apoiou a ditadura” e “mídia fascista, sensacionalista”.

Seria talvez ocioso ressaltar a banalização desse adjetivo, aplicado como pecha nas mais variadas circunstâncias, mas é forçoso reconhecer que o germe do fascismo está justamente em atitudes que cerceiam a liberdade.

Não é possível rejeitar em bloco o que se produz na chamada grande imprensa, por mais que façamos, como fazemos, críticas contundentes e bem fundamentadas a toda sorte de manipulação praticada nesses meios. Se não fosse por qualquer outro exemplo, o equívoco da rejeição automática ficaria claro para quem assistiu ao Jornal das Dez, da GloboNews, um dos que divulgaram a prisão dos ninjas e, mais adiante, transmitiria a entrevista de um deles, logo após a soltura. A própria página da Ninja no Facebook, por sinal, divulgou o link para essa notícia. Se odiamos a mídia corporativa, como é que aceitamos usá-la quando ela nos favorece?

Sobre entrevista concedida pelo prefeito do Rio, Eduardo Paes, ao Mídia Ninja na sexta-feira (19/7):

Por esse texto, fica claro que o convite partiu do prefeito. E aqui reside um equívoco fundamental da equipe [do Mídia Ninja]: não perceber que a entrevista interessava à fonte. Nas discussões virtuais houve quem dissesse que isso não importava, mas esse tipo de afirmação só pode partir de quem desconhece algo elementar no jornalismo: uma coisa é ir atrás da notícia, outra é a notícia cair no nosso colo, ainda mais embrulhada em papel de presente. No longínquo tempo em que desconfiávamos das intenções das assessorias de imprensa, sabíamos distinguir uma coisa da outra. Hoje, quando as assessorias tomaram conta do processo, parece que não há diferença.

Mas, ainda que não tenha sido assim – houve comentários afirmando categoricamente que havia uma intenção prévia dos ninjas de entrevistá-lo –, seria fundamental tentar fugir da armadilha e preparar-se para um encontro em que um político experiente, embora ainda jovem, teria todas as condições de utilizar, como utilizou, essa oportunidade a seu favor.”

Jornalismo amador

A falta de qualificação para encarar um político “ensaboado”, como disseram os ninjas, mas principalmente a falta de percepção sobre a quem serviria uma situação como essa, foi flagrante para quem assistiu à entrevista [de Eduardo Paes] e acompanhou os comentários. Quem quer trabalhar com mídia tem de saber onde está pisando e como tudo isso funciona. Não é possível simplesmente dizer, apesar das belas intenções, que “é no processo, na experiência, no teste do real que se pode avançar”, como se não houvesse – com o perdão do pleonasmo – experiências anteriores. Essa autolegitimação do trabalho ignora a história do jornalismo, as inúmeras tentativas de se contrapor aos modelos dominantes em outras épocas e, principalmente, as táticas das assessorias. Daí que se tenham lançado voluntariosamente numa empreitada que acabou servindo a quem queriam criticar.”

Papel do jornalista

Finalmente, é preciso considerar o comportamento dos repórteres. Uma coisa é assumir de que lado se está, outra é ignorar a necessidade de preservar o papel de mediador que todo jornalista precisa exercer, independentemente da ideologia. Para esclarecer: mediação não significa imparcialidade, nem mesmo equilíbrio – se pensarmos na metáfora do fiel da balança –, porque o jornalismo produzido numa sociedade desigual não pode forjar um equilíbrio inexistente; significa filtrar as informações para estabelecer um quadro compreensível da realidade. Mesmo o jornalismo explicitamente militante tem essas obrigações éticas, não pode simplesmente mergulhar nos acontecimentos e ignorar suas responsabilidades.”

A íntegra do artigo de Sylvia Debossan Moretzsohn: A militância e as responsabilidades do jornalismo



2 comentários:

Mayra disse...

Legal os esclarecimentos q vc faz a respeito da conduta da mídia NINJA - a questão da grana e o artigo da prof. q lerei agora. Acho, por enqto antes de ler o artigo da prof. na íntegra, q o fato de não ser novo o q os meninos fazem não desmerece o trabalho, a iniciativa e a força política e midiática q vêm arrebatando. Força midiática q não é só deles. Como já conversamos tanta vzs, a mídia digital proporcionou ao Brasil uma voz para o jornalismo de esquerda q antes era mto fraca e pouco ouvida. E essa vertente vem crescendo e vejo os NINJA nela. São jovens, e estão pra lá de empolgados com um poder q vem crescendo. Bacana q os mais velhos procurem esclarecê-los - p. ex. isso de "trabalhar de graça" é mto grave mesmo como vc pontuou, tem de ver isso pq se não, o próximo passo, sabemos, é os "melhores" serem arrebatados pelo PIG, o q no fim das contas fará cair por terra todo o castelo ideológico. Mas isso se for só castelo, o q acho q não é. É uma experiência bacana, q saiu das ruas e tá entrando pro fazer político do Brasil hj. Eu continuo acompanhando e apoiando, agora, com seu toque, de modo + atento ainda. Ao artigo.

Mayra disse...

Acabei de ler o artigo da prof.Sylvia. Achei tão bom q fui ler o anterior, cujo tema era tb a mídia ninja http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/a_midia_ninja_ataca_outra_vez
Nesse artigo, de 13.07, ela está mais "embasbacada" com a mídia NINJA. E, pelo q entendi dos 2 artigos, a prof. está acompanhando com gosto a trajetória dos meninos. As críticas do 2º artigo, mencionado por vc, dialogam diretamente com eles no sentido de q melhorem seu desempenho, e deixem a ingenuidade e o voluntarismo rapidamente pra trás. Tô acompanhando esse povo com gosto redobrado!