Acabo de ler um livro delicioso: A arte da visão – conversa com
Goffredo Fofi e Gianni Volpi (edição Martins Fontes). Trata-se de uma série de diálogos, ou uma
entrevista, dos críticos italianos do título com Federico Fellini. Não tem
preço saber o que um gênio como Fellini tem a dizer sobre cinema e –
curiosidade das curiosidades – sua impressão sobre seu próprio cinema, e também
sobre a vida, a Itália, Roma, as mulheres e a cultura, amigos de ofício, entre muitos
outros assuntos.
Fellini é um dos cineastas mais importantes da história do
cinema. Há quem goste e quem não goste de seus filmes, mas basta ter um pouco
de sensibilidade para pelo menos respeitar o diretor de Amarcord, 8 ½, A Doce
Vida, Julieta dos Espíritos, A Estrada da Vida e tantos outros. O livro é
curto, infelizmente. A entrevista propriamente dita tem apenas 60 páginas, após
as quais é inevitável a sensação de “quero mais”, pois é muito pouco.
Nelas, Fellini fala, entre outros, de temas como a mentira,
Jung e Kafka, linguagens, Rosselini, patrocínio no cinema, o futuro e o cinema,
Pasolini, amigos. O livro traz ainda oito lindas fotos de Paul Ronald feitas no
set de 8 ½, a opinião de vários cineastas norte-americanos importantes sobre
Fellini e sua obra (“Fellini visto dos Estados Unidos”) e a visão do próprio diretor
sobre cada um de seus filmes (“Fellini segundo Fellini”).
Muito interessante, do ponto de vista estético, a passagem
em que o cineasta discorre sobre seu mestre Roberto Rosselini. “Rosselini (...)
aceitava o que existia e ali estava o seu extraordinário talento: ele conseguia
fotografar as coisas, o ar, a luz, e conferia a elas uma aparência de
acontecimento único, mesmo quando havia um fundo de invenção mais forte... O
neorrealismo é exclusivamente ele.”
Sobre C. G. Jung: “Acho que Jung conseguiu me sugerir, como
Kafka, um ponto de vista convincente, mais razoável que racional, mas passível
de interpretar não tanto a fábula onírica, os símbolos, mas nossas
contradições, sugestões, encantamentos, magias, recordações sempre gerando
recordações (...) uma chave bem espectral, iniciática, ocultista, mas sem
dúvida psicológica; portanto, seja como for, tem relação com a razão”.
Sobre Giulieta Masina, sua mulher e atriz de alguns de seus filmes, como A Estrada da Vida e Julieta dos Espíritos: “Ela me parece uma atriz singularmente talentosa para expressar de imediato o espanto, o sobressalto, as alegrias frenéticas e o entristecimento cômico de um clown. É isso, Giulieta é uma atriz-clown, uma autêntica palhaça”.
Sobre o tema mulher (comentando o seu próprio filme Julieta
dos Espíritos): “...o homem livre não pode prescindir de uma mulher livre”.
Sobre Pasolini: “Eu o procurei e ele chegou com seu passinho flexível, tímido, com os óculos pretos, e foi logo simpático comigo, eu o senti como uma espécie de irmãozinho, adorável, delicado e moleque, apedrejador, desses que ficam atirando pedras nos rios”.
Diretores americanos
É particularmente interessante saber o que os cineastas dos Estados Unidos pensam de Fellini, no capítulo que traz as opiniões de Woody Allen, Robert Altman, Oliver Stone, Milos Forman e outros.
É particularmente interessante saber o que os cineastas dos Estados Unidos pensam de Fellini, no capítulo que traz as opiniões de Woody Allen, Robert Altman, Oliver Stone, Milos Forman e outros.
Me chamou a atenção o que diz Jim Jarmusch de Fellini, por
ser um cineasta de uma geração posterior (nascido em 1953), com uma visão muito
particular do cinema e que transita pelo underground e a estética do Brooklyn: “No
seu último filme, A Voz da Lua (...) tem uma parte maravilhosa, é a parte em
que os três irmãos (...) conseguem capturar a lua e trazê-la para a Terra. Quando
a polícia os interroga e lhes pergunta se foi difícil, o mais velho responde que
não, porque a lua é uma mulher que se esconde, mas, no fundo, deseja ser
capturada. Por alguma razão, esse momento do filme é para mim uma das coisas
mais belas que já vi no cinema”.
Bem, a parte final do livro, em que Fellini fala, um por um,
de seus filmes, é em si um documento para se ter na estante, como arquivo e
como livro de consulta, como se já não o fosse todo esse pequeno (fisicamente)
grande livro.
É um livro que, ao terminar de ler, você pensa: “que pena
que já li esse livro. Nunca mais vou ter o prazer de o ler pela primeira vez”.
2 comentários:
É, como primeira vez já não mais. Mas Fellini é sempre se rever. Amacorde ví mais que duas vêzes, mais! Essa lembrança do Jamursch foi boa. Já tinha esquecido deste filme. Aliás, esse filme representa bem a maeira de filmar de Fellini. O Roubo da Lua.- eles puxam com uma corda, a lua, que é um holofote cinematográfico. Como o mar,que é uma lona de plástico preto. Igual no Cassanova, outro grande filme, esse é de também rever.
Ao ler o livro, percebi que vi quase todos os filmes de Fellini, mas, engraçado, não lembro de Casanova. E la nave va achei chato, acho que nem vi até o fim...
Entrevista (1987) é o que mais me emocionou. Não sei exatamente por que. "Por alguma razão"... como diz Jarmusch.
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