No filme O Palhaço (contracenando com Paulo José) |
A gente tem uma certa tendência a considerar como grandes atores aqueles que já fizeram história, os que já são lenda, os que estão perto de morrer e os que já morreram. O que é natural, já que a carreira de um grande ator, como de qualquer artista (ou mesmo um jogador de futebol), muitas vezes é entendida ao final, depois de uma longa jornada, sob a perspectiva do conjunto da obra.
Não é possível saber o que vai acontecer no futuro da
carreira de Selton Mello, mas não resta dúvida de que, pelo que se viu até
hoje, ele é diferenciado.
Um grande ator tem uma capacidade inexplicável de se
transformar no outro, aquele que não é: o espírito que de fato passa a existir ao
incorporar aquele que, por sua vez, calmamente, docemente, se deixa possuir por
meio de gestos, de nuances faciais, de um olhar, de um esgar, como um m édium.
Selton Mello tem esse dom de se transfigurar com gestos, olhares,
trejeitos, tons de voz. É muito diferente e muito acima de um Rodrigo Santoro,
por exemplo, ator que está mais para galã do que para bom ator, embora tenha
atuações marcantes em filmes como Abril Despedaçado (2001) e Não por Acaso (2007), entre outros. Mas Santoro – que mora
em Los Angeles, sempre à espera de uma boquinha para fazer uma ponta em um
filmezinho qualquer de Hollywood –, costuma interpretar otimamente um personagem
que, na verdade, me parece sempre ele mesmo.
Já Selton Mello tem mais intimidade com a arte dramática. Eu
citaria três interpretações dele que me parecem ilustrativas de sua fascinante capacidade
de iludir – que é uma das principais características do (grande) ator:
O Cheiro do Ralo |
Ao mesmo tempo que literariamente nos leva a Machado de
Assis, o ótimo O Cheiro do Ralo tem fumaças de Buñuel do ponto de vista
fílmico, na medida em que, com o bisturi surrealista, destrói algumas das estúpidas
certezas do cotidiano pequeno-burguês.
- em Meu Nome Não é
Johnny (de Mauro Lima, 2008 – foto ao lado), como João Guilherme, Selton Mello interpreta a
história real de João Guilherme Estrella, um carinha de classe média alta da
zona sul do Rio de Janeiro que se envolve com o tráfico de drogas e paga o
preço (alto) de suas extravagâncias.
- e em O Palhaço (2011), Selton Mello é não apenas o
principal personagem, o ator mambembe Benjamin (que faz o palhaço Pangaré), mas
também o diretor do filme, uma das produções nacionais mais bonitas, sensíveis e
esteticamente sofisticadas das que vi em muito tempo. Nesse lindo filme, em que
divide o “palco” com ninguém menos que Paulo José, os gestos, olhares, trejeitos
e tons de voz de Selton Mello realmente são decisivos para que a obra, na minha
modesta opinião, seja de certa forma uma continuadora da tradição inaugurada
por Federico Fellini, embora já incorporando algumas técnicas posteriores ao
mestre italiano, que morreu em 1993.
Os Gerais, como diria Rosa, são o cenário por si só
cinematográfico onde se passa a história do filme O Palhaço, permeada pela mineirice
natural a Selton, que é da cidade de Passos, a cerca de 170 km de Ribeirão
Preto, norte de São Paulo.
É bom que haja um Selton Mello na dramaturgia brasileira.
Embora não seja ainda maduro o suficiente para se dizer que já atingiu seu
máximo, é um ator diferenciado e digno de ser parte da seção Grandes atores.
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2 comentários:
Filmes muito bons, esses citados. Gostei de todos. Fiquei particularmente tocada em "Meu nome não é Johnny": o cara entra no tráfico de mansinho, por carência, pra ser popular. Uma situação tão perto de mim, como professora e até como tia. O Selton é um jovem positivamente perfeccionista. Comparado a ele, somente Wagner Moura. Diante desses novos talentos, será que o Tony Ramos não se sente envergonhado? Odeio o Tony Ramos! Hahaha!
Eu também odeio Tony Ramos, hehe, apesar de que num filme idiota ("Se eu fosse você 2") ele está muito bem, junto com a Glória Pires... me diverti vendo esse, apesar de ser um filme B, ou C...
Mas, voltando ao que interessa, os três filmes citados com (e um deles, "O Palhaço", dirigido pelo) Selton são muito bons mesmo.
O que mais me tocou foi "O Palhaço", que achei de uma sensibilidade e poética impressionantes.
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