Foto: Mídia Ninja (clique para ampliar)
Centro de São Paulo, hoje (18) à noite |
Por Gabriel Megracko*
Acho curioso que isso tudo aconteça durante um período hegemônico do PT. Estive por aí ontem à noite, andei com as pessoas, fui até a Berrini e depois até a Paulista. Eu, Gisely, Anna, Jaqueline e Abdo, meu "primo" sírio-libanês e novo morador da nossa casa. Pegamos ainda uma carona, na Marginal Pinheiros (fato inédito porque em quatro pessoas – Jaqueline ainda não estava – e menos de cinco minutos!). Não tinha jeito de pegar trem e menos de ir a pé, a gente já tinha andado a Faria Lima toda e o trem estava impraticável. Pegamos uma carona com um negro muito engraçado. Concluímos que estávamos em dois italianos, uma índia, um muçulmano, um negro e que em hipótese alguma poderíamos ser parados.
Ao deixar a gente perto da Brigadeiro Luís Antônio, pegou sua mulher e sua filha, negras, que entraram assim que saímos do carro. Foi algo arquitetado pelo cosmos. E assim foi no geral, algo conspirado pelo cosmos. As pessoas estavam todas muito solícitas, dispostas ao diálogo, paravam seus veículos caros para as pessoas passarem, "burgueses" buzinando seus carros no ritmo e sorrindo. Aí é que começo a achar mais esquisito que curioso. Sim, não é uma impressão, é um movimento da classe média pra cima!, talvez por enquanto. Topamos com um trabalhador fodido e injuriado com tudo isso. Claro, ele estava com a sua razão particular. E como você vai dizer pra ele não ir trabalhar suas 12 horas de trabalho braçal para ir a manifestações? Mas, também claro, as manifestações têm mesmo que ser feitas por quem pode, é obrigação de quem pode trabalhar por quem não pode (resta saber se é esse o rumo). É a lei invariável da energia e vai mal quando não é assim.
Antes de continuar escorrendo sobre a coisa, gostaria de dizer que isso é antes uma necessidade de reorganização da disposição das energias, exatamente por não haver uma questão que justifique a multidão que vi ontem, uma coisa sem precedentes pros meus olhos. É óbvio que isso não está acontecendo só por uma reivindicação como diminuição da tarifa do transporte público, isso não é nem décimo. Era muita, muita gente. E a pergunta: pode a massa toda junta dar um tiro no pé? Claro que sim. Acho que sim? Acho que não. Mas ouvi muitos e fortes coros contra Dilma e Haddad (mas acho que eram os trotskistas anacrônicos) e uns poucos e fracos contra Alckmin (em quem os trotskistas anacrônicos não pensam tanto quanto deviam), mas estavam todos juntos. Será que as pessoas, mesmo classe média aspirante a burguês (que, como diz a Marilena Chaui, "são burros, porque não vão ficar burgueses trabalhando já que não detêm os meios de produção"), estão ficando sensíveis aos problemas sociais? Acho que sim, é uma tendência do desenvolvimento da cidadania de um povo, e essa é a tendência da América Latina e é, em meio a outras questões mais particulares, uma determinação do Banco Mundial para assegurar o progresso do padrão neoliberal.
No caso das nações desenvolvidas, o problema só muda de foco. É a Nação desenvolvida à custa da servidão subdesenvolvida de outras nações. Só que os carrascos de hoje em dia têm como ferramenta de tortura a micromatemática utilizada nos golpes financeiros que se aplicam aos, enfim, flagelados e, se for necessário, usa-se a força apenas para erguer a muralha e bloquear os revoltosos; nisso, a separação por fronteiras nacionais dificulta muito uma revolta, se uma nação não tem poder de ação no mercado mundial. Cara, a coisa tá clara: a coisa tá obscura. Não no pior sentido da coisa, mas simplesmente porque é uma incógnita e se for pro lado errado será trágico. O que foi aquilo que vi ontem? Qual o rumo? Muitos cartazes conversando sobre "corrupção". Sim, corrupção é ruim, mas pode ser pior. A corrupção na política? Mas se a palavra "política" está corrompida... bom, espera. Volta.
O que será que era aquilo? Protestos contra a corrupção? Bingo!: não era. Isso é justamente o que não é. Era um protesto contra a "política"! Ali havia muitos "corruptos" (e não "corruptos" também), mas estavam protestando, não só com gritos, porque não havia mesmo um epicentro temático, mas o coro mais recorrente era "ô ô ô, o povo acordô", e estava ali, lá, em todos os lugares!
Tem-se a sensação de que algo aconteceu, mas o quê? Não sei, sou desconfiado, mas estou otimista por um motivo que é intrínseco a todas as pessoas e só não é melhor aproveitado porque é constantemente bloqueado: o que sinto em mim, no meu organismo: corpo e alma. Algo fundamental se alterou em mim. Não ontem, claro, mas as coisas têm mudado muito e num ritmo acelerado.
E percebo claramente isso nas pessoas e gosto do que vejo. Sinto o tempo se expandindo e os espaços sendo preenchidos, lentamente, é verdade, mas progressivo. E, aqui, eis o mais importante, na minha opinião: não é uma mudança pro futuro, é pra já. E... será que há um (in)consciente coletivo que está tendendo a entender que a única forma de melhorar o futuro é melhorando o presente, agora, hoje!? Seria um presentão, ahn? Mesmo porque o passado se altera plasticamente conforme o presente muda. Estranho, as pessoas decidiram sair na rua.
*Gabriel Megracko, 29 anos, é poeta
2 comentários:
Aqui há uma tentativa de análise de três intelectuais respeitáveis. Tentativa porque está difícil para qualquer um analisar a situação. Mas os depoimentos foram dados antes do caos de ontem à noite...
http://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2013/06/201cestamos-diante-de-uma-esfinge-diz-historiador-sobre-movimento-passe-livre-7013.html
O texto do Megracko (poético, pra variar) é inteligentemente tão "confuso" quanto o que em geral se entendeu do movimento até agora, esse movimento cujo líder parece ser uma assombração.
Barbara Gancia se diz preocupada com a possibilidade de haver algo por trás realmente pretendendo derrubar o PT do poder. Confesso que me vem à mente a ideia "conspiracionista" sobre o projeto Haarp norte-americano.
O que vi de positivo e alentador foram os protestos contra a Veja e a Globo ontem. Mas concordo: é "uma incógnita e se for pro lado errado será trágico".
Um conhecido meu, o Tiago Borges, meses atrás, me disse: "A concepção de Estado no mundo, diante da crise europeia, mudou, e isso vai gerar cada vez mais protestos (na Europa), pois o Estado já não vai mais bancar o bem-estar social".
Progressistas, reacionários, classe média e punks, aqui, se juntaram para gritar em silêncio por uma sociedade mais justa, grito este que, no entanto, dá espaço a neonazistas e homofóbicos, pois todos têm lugar num manifesto sem autoria ou lideranças.
O difícil é chegarmos a um consenso sobre o que é ser justo.
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