A reportagem abaixo foi feita e publicada na Rede Brasil Atual na segunda-feira, dia 27. Na terça, o filho de Vladimir Herzog, Ivo, disse que o fotógrafo Silvaldo Leung Vieira foi "cúmplice" do regime que levou seu pai à morte, pois "escolheu fazer o que ele fazia e permaneceu calado por muitos e muitos anos". É compreensível. Respeito o sentimento de Ivo Herzog. Mas não concordo, com todo respeito. Silvaldo tinha 22 anos quando fez a foto. Era um guri. Não acho que culpar uma figura que também foi vítima da ditadura seja a melhor forma de fazer justiça. Afinal, Silvaldo também sofreu. E, cedo ou tarde, também veio colaborar com a verdade e dizer o que viu.
Fotógrafo reafirma montagem da cena do 'suicídio' de Herzog
Renattodsousa/Câmara
Municipal de São Paulo
Silvaldo Leung Vieira no prédio onde fez a foto macabra há 38 anos (27/05/2013) |
"O que trago na memória é um muro alto, portão alto de ferro e um lugar escuro e de acesso fácil.” O fotógrafo Silvaldo Leung Vieira, ex-funcionário da Polícia Civil de São Paulo, relembra com essas palavras a imagem que guardou do prédio do DOI-Codi no dia em que fez a conhecida fotografia do jornalista Vladimir Herzog morto em sua cela, no dia 25 de outubro de 1975. Ele veio de Los Angeles (EUA), onde mora desde 1979, a convite da Comissão da Verdade da Câmara Municipal de São Paulo, para visitar e fazer o reconhecimento do local em que hoje funciona o 36º Distrito Policial, no bairro do Paraíso, zona sul de São Paulo. Sobre como se sentia ao voltar ao local, olha em torno e diz: "Era um lugar mais escuro".
Segundo a versão policial na época, Herzog havia se suicidado. Mas, como ficou comprovado, ele foi assassinado um dia após se apresentar espontaneamente ao DOI-Codi, depois de ser procurado por agentes.
O fotógrafo Vieira, que na época tinha 22 anos, disse que percebeu haver algo estranho no momento em que fez a foto. Principalmente porque o corpo de Herzog estava numa posição estranha, segundo ele, para alguém que havia se suicidado, com a perna dobrada. “Num suicídio normalmente a pessoa salta de uma cadeira, ela fica pendurada, e não era aquilo que eu via”, lembra. “Foi clara (a montagem da cena) para mim. E também toda a blindagem em volta. Normalmente você vai num local e encontra PMs, carro de cadáver, você circula no local, procura coisas no chão, tenta fazer um croqui.”
Ser levado ao local praticamente sem saber para onde estava indo foi outro elemento que lhe causou “quase a certeza que aquele era um caso especial, um caso de homicídio”. “Eu nem sabia quem era, não sabia o nome. No decorrer é que vim juntando as peças. Ninguém comentou nada, vim a saber depois, no dia seguinte. Quando fui almoçar no Crusp (Conjunto Residencial da USP) já tinha comentário formado de tudo que tinha acontecido”, conta o fotógrafo.
Ele fazia um curso de fotografia na USP. “Foi uma fatalidade para mim (ter fotografado o corpo de Herzog). Eu estava iniciando a minha vida, de 21 para 22 anos.” Segundo ele, o trabalho foi rápido. “Só recebi a ordem de fotografar, não me movimentei pela sala, não vi mais nada a não ser o cadáver. Fiz a foto da porta.” Ele diz que não houve comentários, nem antes nem depois de fotografar, que pudessem suscitar quem era a vítima.
“Eu estava muito tenso, muito nervoso, e foi um choque para mim a forma com que eu cheguei aqui. Eu achava que ia ser a foto de um treinamento, por eu estar na escola, e foi uma coisa ultrassigilosa.” Vieira diz que estava nervoso ao se dirigir para o local “porque era a segunda semana minha no curso, não estava preparado. Eu sabia que ia fotografar um ‘encontro de cadáver’”, explicando que esse é um “termo técnico” para designar o trabalho. Após fazer as fotos, recebeu dos agentes a orientação de não comentar nada. Ele garante que nunca militou ou fez política, nem antes nem depois da famosa foto.
Silvaldo Leung Vieira
Sobre a importância de sua presença no local, o fotógrafo respondeu: "Espero que mais pessoas que saibam mais do que eu venham também, e participem. Acredito que muitos funcionários presenciaram isso, e talvez até possam citar nomes."
Quatro anos depois, em 1979, Silvaldo Leung Vieira partiu para os Estados Unidos. Filho de um imigrante chinês que chegou ao Brasil em 1933, ele só voltou 15 anos depois, para ver a mãe. Em Los Angeles, recorreu a subempregos até conseguir uma vaga de aprendiz de joalheria. Ficou 25 anos no ramo. Atualmente, trabalha num abrigo para mulheres solteiras ou mães solteiras de até duas crianças em uma organização patrocinada pela igreja católica. “Dou instrução em Microsoft Office, ensino às pessoas como resumir um currículo.” Mas diz que sempre amou e continua amando a fotografia.
Publicado originalmente na Rede Brasil Atual
Leia também: A história da execução do jovem casal Abi-Eçab pelo coronel Freddie Perdigão Pereira em 1968
2 comentários:
Esse post é de arrepiar.
A memória, e o confronto com o presente. - era mais escuro.
Também acho que Ivo Herzog está sendo muito duro, pero....,
Por exemplo, Ivo Herzog poderia pensar em por quê escolheram justo a ele Silvado. ....- pega o "china" !
Está claro que não foi aleatório. Tampouco a escolha do Herzog como Ovelha de sacrifício.
A comissão da verdade tem que crescer, temos que sair deste conto , deste faz de conta. Por isso provavel mente voltou o Silvado, para se esclarecer, ele é um homem de 60 anos não pode morrer com essa farsa.
Considerações oportunas as suas, Marco.
Valeu
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