sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Por que as manifestações do MPL se esvaziaram?


Fotos: Rovena Rosa/Agência Brasil


Conversei ontem (28) com o deputado federal Paulo Teixeira, do PT de São Paulo, sobre esse embate Movimento Passe Livre x Fernando Haddad. A conversa foi antes da manifestação marcada pelo MPL para o final da tarde, que previa um “debate” para o qual estavam convidados o governador Alckmin e o prefeito, que não compareceram.

Nem mesmo o MPL poderia prever que as manifestações desta semana fossem tão pequenas que o movimento fosse obrigado a marcar a próxima apenas para daqui a quase um mês. Por quê?

Paulo Teixeira arrisca uma avaliação: “A própria juventude acaba interpretando o MPL. Na minha opinião, existe na juventude um sentimento de que o prefeito está atendendo (as reivindicações dos jovens), senão estaria toda na rua hoje. A maioria dos estudantes entende o esforço de Haddad. Se você comparar as manifestações de hoje com as de 2013, as de 2013 eram muito maiores”.

De acordo com a interpretação do deputado, os jovens (para além do movimento MPL que os pretende representar) compreendem as ações de Haddad na área de transporte público e mobilidade. Paulo Teixeira lembra que o prefeito ampliou a gratuidade do sistema de transporte, aumentou subsídios e o aumento dos ônibus foi abaixo da inflação. “Ele está fazendo mais do que pode diante da realidade econômica. Portanto, vejo que há uma situação em que ele está fazendo de tudo para atender, mas existem os limites. Acho que talvez tenha sido o prefeito que mais atendeu as demandas do MPL”, diz Teixeira.

O deputado diz que, ao dizer que Haddad e Alckmin são "a mesma coisa" (como dizem muitos jovens), "estão cometendo uma injustiça com Haddad".

É evidente que, embora limitadas pela realidade – leia-se dificuldades econômicas –, as ações da prefeitura têm impacto na limitadíssima mobilização que o MPL conseguiu esta semana.

Apesar de os militantes do MPL estarem justificando os protestos deste início de 2016 por “uma pauta única”, que é apenas a revogação do aumento de R$ 3,50 para R$ 3,80, a bandeira permanente do movimento continua sendo a tarifa zero. Tanto que em sua última publicação no Facebook (ontem), em que marca a próxima manifestação para o dia 25 de fevereiro, a certa altura o MPL diz:  “Todo aumento é um roubo porque haver tarifa é um roubo!”

Em que pese o serviço de ônibus em São Paulo continuar muito ruim (carros velhos, lotados e sujos), além da licitação dos transportes prometida para 2013 estar até hoje parada, a população como um todo parece muito distante de encampar os protestos do MPL este ano.

Provavelmente os 500 mil estudantes que potencialmente conquistaram o passe livre desde o ano passado entendem (coletivamente) que “haver tarifa é um roubo” para toda a população é uma retórica sem bases na realidade.

Outro fator para a pequena adesão às manifestações é que as pessoas, em geral, e os jovens, em particular, querem estar longe da extrema violência da polícia de Alckmin. 


Por outro lado, muitas pessoas que poderiam estar nas ruas, e também gente progressista e de esquerda, desaprovam cabalmente o uso de máscaras por ativistas que se dizem pacíficos, mas não são. As pessoas comuns não se sentem representadas por mascarados e vândalos.

De resto, parte significativa da esquerda e movimentos sociais criticam duramente Haddad por não ter se manifestado contra a truculência da polícia de Alckmin e pelo fato de o prefeito ter ironizado a bandeira de tarifa zero do MPL na semana passada. "Podia dar almoço grátis, jantar grátis, ida para a Disney grátis", disse o prefeito.

Apesar de a frase de Haddad ter sido muito mal recebida, e embora eu mesmo tenha diversas críticas ao prefeito e sua gestão (não apenas relativas a transportes), me parece que a associação com a Disney é sincera e realista (além de engraçada), ao apontar para a fantasia em que se baseia uma reivindicação que ignora deliberadamente o fato de que a cidade de São Paulo é uma das maiores metrópoles do mundo, com quase 12 milhões de habitantes na cidade e cerca de 20 milhões, se se considerar a região metropolitana.

Nesse sentido, a principal bandeira do MPL (tarifa zero) é mais demagógica do que realista (não se pode usar pequenas cidades como exemplos para dizer que a tarifa zero é possível em São Paulo). Assim como é demagógica a posição de blogueiros e jornalistas de esquerda que parecem morrer de medo de criticar o MPL e não conseguem apontar nem mesmo erros clamorosos de estratégia do movimento.

Seja como for, a julgar pelo fiasco das manifestações do MPL desta semana, os estudantes de São Paulo compreendem o que é demagogia e o que é realidade.

Vamos aguardar as manifestações marcadas para daqui a um mês.

6 comentários:

Unknown disse...

Justificar o esvaziamento dos atos somente por conta das poucas ações do Haddad relacionadas a transporte e juventude é simplista demais. Principalmente pq não existem "milhões de estudantes" usando a gratuidade. A prefeitura estimou em 500 mil e não chegou a isso. Fato é que o MPL é odiado pela esquerda e pela direita partidárias, que acusam de ser "linha auxiliar" uma da outra; enfrenta um monte de atravessadores nos atos que estão ali muito mais tentando tomar pra sí a mobilização do que participar (Juntos, PSTU, Anel); é brutalmente reprimido pela PM como nenhum outro movimento tem sido; é difamado pela imprensa como só o MST o foi, na minha memória, desde a redemocratização. E, por si mesmo, abusa de uma postura irredutível quanto à luta empreendida e não tem inclinação para a negociação. No geral, nunca houve grandiosas mobilizações populares quanto à tarifa. Ter 10 mil nos atos era o máximo. Veja os atos de 2009, 2010, 2011, 2015... 2013 não pode ser computado nesse jogo. O que o MPL iniciou em 2013 – com atos de mesma média de participação,inclusive, com o próprio 13 de junho tendo no máximo 20 mil – fugiu totalmente das mãos do movimento e se tornou palco pra tudo. Inclusive gente que defendia transporte totalmente privado e golpe militar. Outro ponto: O fato de que os adeptos do blackblock colam, não pode ser justificativa para desmoralizar as ações do MPL. As ocupações do MTST têm muita gente que esteve na criminalidade em algum momento da vida e isso não torna a luta do movimento menos legítima. Aliás, neste ao, todas as ações de depredação ocorreram depois que a PM reprimiu os protestos. A justificativa da depredação era a do governador para jogar a PM pra cima. Sobre a demagogia... Bem, o objetivo final do MTST é a reforma urbana. O objetivo final do MST, a reforma agrária. Isso não torna a luta de ambos demagógica. Existe um caminho a ser trilhado. E esse passa por conquistas momentâneas, como terrenos específicos e infraestrutura para sobrevivência das ocupações. O Passe Livre tem por objetivo final a tarifa zero. É legítimo. E a lógica não é surreal como se prega: não pagamos os hospitais no uso, mas por meio de impostos. É isso que garante o livre acesso de toda a população ao serviço, que é essencial. Pro MPL, o mesmo deve valer pro transporte.

Eduardo Maretti disse...

Prezado Rodrigo, eu não disse que "a luta é demagógica", mas considero que "a principal bandeira do MPL (tarifa zero) é mais demagógica do que realista".

Ter "por objetivo final a tarifa zero" é "legítimo", claro, mas para mim irreal.

Quanto aos "milhões de estudantes", tens razão. Corrigi lá. Seja como for, o sistema abre mão de milhões de passagens, e essa conta tem de ser paga, obviamente.

abraços


Unknown disse...

A conta não deixaria de ser paga Maretti! Seria paga por todos os habitantes de SP e não somente por quem rodou a catraca. De qualquer forma, a tarifa zero não é pra já, mas interditar o debate, utilizando de frases de efeito como as que o prefeito e o governador usaram, é lamentável. Principalmente se tratando de um gestor supostamente de de esquerda como o Haddad. Poderia por exemplo criar um sistema progressivo, substituindo a tarifa de cada vez mais grupos de passageiros por passe livre, conforme se estruturasse os sistemas de financiamento. E esse debate precisa ser feito...

Unknown disse...

Maretti, tudo bem, companheiro?
li seu texto e me permita algumas discordâncias, por favor.

é sintomático do momento político que vivemos, principalmente o campo "popular-democrático", que o mesmo partido que há 30 anos propunha e defendia que o acesso à cidade fosse gratuito, hoje o alinhe com a ideia de que esse acesso deva ser mercantilizado. em tempos de conciliações de classe [e de toda sorte], promovidos por anos de PT, encontrar pela frente um movimento que pregue a ruptura com as elites e o empresariado, soa ofensivo aos olhos e ouvidos petistas. por isso, reproduzem a perseguição que PSDB promoveu contra o MST, por exemplo.

chega a ser obscena a birra pessoal que o Haddad e sua equipe sentem pelo MPL. a comparação que o Paulo Teixeira quer evitar, Haddad com Alckmin, é inevitável quando vemos declarações como as que sugeriram que o governo oferecesse almoço ou idas à Disney com gratuidade. além disso, foi o petista quem escolheu se aliar ao Alckmin na restrição da população mais carente à cidade e ao direito de ir e vir!

o Haddad incansáveis vezes reclamou do comportamento da mídia em relação à sua gestão. eu e você sabemos o quanto é justa a reclamação. o que se vende de papel deturpando o que o Haddad diz e faz, é um absurdo. porém, na hora de dar entrevistas falando sobre o MPL, o petista se alinha à grande mídia e, tentando infantilizar e desacreditar o movimento, usa a tática da grande mídia contra ele, ou seja, deturpar. o MPL esteve, e está, nas ruas, para pedir a redução da tarifa. o fim das catracas é um objetivo final do movimento, que não está na ordem do dia por uma compreensão ampla de que não há espaço para tal medida.

tratar o 2013 como regra, na trajetória do MPL, é desconhecer a história do movimento. 2013 é o ponto fora da curva. os atos cresceram e ganharam adesão popular. quem ia em manifestações do MPL em 2009 sabe o quão vazias eram.

o esvaziamento do último ato em relação aos primeiros se devem a dois fatores: 1) a insistência de Alckmin e Haddad em pregar na mídia a mentira da reivindicação imediata da gratuidade da passagem, o que é uma mentira, tanto que o movimento anunciou que se a tarifa caísse, sairia das ruas; 2) a violência policial, da qual Haddad é cúmplice, pois não se manifestou em momento algum [como sócio da empreitada tarifária] contra os crimes cometidos pela corporação.

forte abraço,

Igor Carvalho

Eduardo Maretti disse...

Rodrigo, acredito também que esse e muitos debates precisam ser feitos. Mas se o movimento é tão forte, não serão frases de efeito que interditarão o debate.


Eduardo Maretti disse...

Caro companheiro Igor,

considerando a divergência e o debate inerentes à democracia que no Brasil foi por tanto tempo espezinhada, também acho “sintomático” que no momento político que vivemos haja tanta disposição em atacar os governos do PT, que merecem críticas, claro (inclusive minhas), mas é só assistir à campanha desencadeada na “grande” imprensa contra Lula e os governos petistas para se ter uma noção “do momento político que vivemos”.

Me parece claro que – como mostra André Singer em “Os sentidos do lulismo” – os governos do PT nunca se propuseram a ser revolucionários, e sim reformistas. Não adianta falarmos no que foi o PT há 35 anos ou o que queríamos que fosse, a realidade é que o partido governou contra a mídia, o sistema de justiça e golpistas de toda ordem por 13 anos, trazendo milhões e milhões de pessoas excluídas à cidadania, principalmente no nordeste, e não sei quantos milhares de estudantes a fazerem universidade, o que até então era um direito da elite.

Na minha opinião, não é que os governos petistas se alinhem “com a ideia de que esse acesso (à cidade) deva ser mercantilizado”. Ele É mercantilizado. Por mais críticas que se tenha (e eu tenho, embora diferentes das suas) ao Haddad, nem mesmo o IPTU progressivo ele conseguiu implantar, porque quem tem de pagar mais não aceita pagar mais impostos.

É muito fácil defender ideias maravilhosas quando não se é governo. Mas quando os utópicos chegam ao poder (em todo o mundo – veja a Grécia), se defrontam com a realidade e aí a coisa muda, os discursos têm de ser adaptados à realidade. Governar é bem diferente de discursar e ir às ruas.

A “birra pessoal que o Haddad e sua equipe sentem pelo MPL” não é pessoal e nem birra, é só política e consequência de um princípio físico, segundo o qual a toda ação corresponde uma reação igual e contrária (Newton), como mostra matéria do Lino Bocchini em CartaCapital há exato um ano. Aqui >>

MPL mira em Haddad e alivia para Alckmin: http://www.cartacapital.com.br/politica/mpl-mira-em-haddad-e-alivia-para-alckmin-6901.html

A verdade é que, seja pelos argumentos que eu coloco no post, seja pelos que você ou Rodrigo colocam nos comentários (e respeito todos), seja pela conjunção deles todos, o movimento se esvaziou completamente em 2016. Não me parece que a responsabilidade por esse esvaziamento deva ser atribuída ao prefeito e nem mesmo ao governador. Quando o movimento tem respaldo da população, ele vence.

Grande abraço.