quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

A maravilhosa Amy Winehouse – e sua biografia


Para Tania Lima e Paulo Maretti
(para a gente fechar 2015 com arte e espírito)




"Ao ouvido parece afroamericana, mas é judia britânica. De aparência sexy, não faz uso desse recurso. É jovem, mas tem voz de velha. Canta com sofisticação, mas fala grosso. Suave na melodia e agressiva nas letras." (jornal The Guardian)


Certa vez perguntaram ao Chico Buarque qual o melhor livro que já tinha lido (aquele tipo de pergunta tola de jornalista). “O melhor livro é sempre o último que a gente lê”, respondeu ele. Nem sempre essa sentença se aplica. Não dá pra dizer, por exemplo, que Amy – minha filha (editora Record - 2012), de Mitch Winehouse, que acabo de ler, seja melhor que Os degraus do Pentágono, de Norman Mailer, que li antes.

Mas é muito agradável a leitura da biografia de Amy Winehouse escrita (na verdade, ditada) pelo pai. Claro, isso para quem gosta e admira Amy e ama sua música (como eu), mas quer saber como se deu a trágica história da cantora e compositora nascida num hospital no norte de Londres, em  14 de setembro de 1983, mesma cidade onde morreu em 23 de julho de 2011.

Ela nasceu “em típico estilo Amy: chutando e gritando”, conta o pai-biógrafo. “Juro que seus gritos eram mais altos do que os de qualquer bebê que jamais ouvi. Gostaria de dizer a vocês que eram melodiosos, mas não – eram só altos. Amy estava 4 dias atrasada, e isso nunca mudou. Por toda sua vida, ela sempre chegou atrasada.”

Infelizmente, com seu espírito atormentado, Amy Winehouse só produziu dois discos em sua carreira: Frank e Back to Black, sua obra-prima, que a levou ao apogeu. Este álbum tem algumas de suas canções mais importantes (como a que dá nome ao CD e "Rehab", por exemplo). Porém, a história de Back to Black se mistura à própria tragédia: as experiências das quais Amy trouxe a inspiração visceral para produzir Back to Black (álbum e canção) vieram essencialmente de seu relacionamento apaixonado e turbulento com Blake Fielder-Civil, que a introduziu na heroína e outras drogas pesadas, um jovem perdido, sem rumo.

Mesmo assim, não foram as drogas pesadas que a mataram, mas o álcool, segundo a narrativa do pai. Quando morreu, Amy estava limpa de drogas, após longa e dolorosa batalha dela e da família, e havia rompido com Blake dois anos antes. Desde 2009 Amy tinha um relacionamento mais maduro com o diretor de cinema Reg Traviss, um cara boa praça e tranquilo, que, junto com a família dela, se empenhou o quanto pôde para tirá-la do vício do álcool e da mania de autodestruição. Segundo a comovente narrativa do livro, apesar da vigilância de seguranças de confiança da família, Amy morreu após uma ingestão suicida de bebida alcoólica.

A magistral interpretação de Back to Black


Mas o mais interessante numa biografia de celebridade como Amy é quando essa biografia traz a dimensão humana da personalidade, como no livro de Mitch Winehouse, que, com sua linguagem simples, evidentemente foi ditado a um ghost writer. O que, na verdade, em nada diminui o livro, já que sua importância é a de ser um testemunho, e não uma obra literária.

De família judia relativamente tradicional, Amy tinha características psicológicas bastante problemáticas, principalmente a baixa autoestima e a insegurança, o que a levava à autoflagelação: ao se relacionar com Blake Fielder-Civil ou ao se drogar (com drogas pesadas ou álcool), por exemplo. É interessante notar que a artista, que tinha influência decisiva do jazz, do reggae (de maneira incidental) e do estilo (visual e musical) dos anos 1960, tinha um bordão que acabou se transformando num dramático símbolo de sua consciência: "Depois do lançamento de Frank, Amy costumava começar suas apresentações entrando no palco batendo palmas e repetindo um slogan: 'droga pesada não está com nada'", conta o pai-biógrafo. 

A influência dominadora do pai e da avó são absolutamente marcantes na personalidade de Amy, apesar de que a relação era a de uma família unida, na qual existia amor e intenso relacionamento. Amy e seu pai se falavam praticamente todos os dias, onde quer que um e outro estivessem.

Num cartão (desses que as crianças fazem na escola), quando tinha 12 anos, a pequena menina Amy escreveu ao pai: “Papai, você é o rei de todos os pais. Feliz aniversário (...) Beijos desse desastre ambulante que é sua filha, Amy”. Isso é Freud. Mas é também bonito e poético, atributos que eram inerentes a Amy Winehouse.

É bonito no livro como o autor revela uma Amy que poucos (a não ser a família) conheceram: uma garota que tinha um humor agudo, era muito inteligente e intuitiva, mas absolutamente passional e irrefreável. Que não conseguia compor se estivesse feliz, daí o fato de seu grande álbum, Back to Black, ter sido composto na “fusão com as trevas” (título de um dos capítulos do livro). “Seu hábito de escrever canções com alto teor autobiográfico significava que, quando estava feliz, ela não pegava muito no violão”, diz o pai. Amy era, nesse sentido, uma figura baudelairiana.

E de fato uma figura fascinante.

Por tudo isso, adorei ler Amy – minha filha, de Mitch Winehouse.

Amy foi também, lembremos, vítima da estranha “maldição dos 27 anos”. Como ela, vários ícones do rock’n’roll morreram nessa mesma idade: Kurt Cobain (Nirvana), Brian Jones (da primeira formação dos Rolling Stones), Jimi Hendrix, Janis Joplin, Jim Morrison (The Doors), entre outros. Não é pouca coisa.

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4 comentários:

Alexandre Maretti disse...

Bela música dessa menina, linda voz. Gosto muito de ouvi-la. Sempre me sinto comovido quando ouço Amy ou quando leio sobre sua história. , seu talento me parece ser dos gênios, que são daqueles raros. Belo post.

Eduardo Maretti disse...

Valeu, Alê. Talento raro, raro mesmo. E atormentado.

Paulo M disse...

Bonita homenagem (nunca demais) a do post. Mick Jagger falou, poucos anos antes da morte da cantora, que temia por sua vida. "Passei pela mesma experiência de Amy, com drogas, mas em meu ouvido sempre soava uma voz: 'pare com isso'. Ela parece não ouvir essa voz", disse o músico. Melhor ouvirmos mais um pouquinho.

https://www.youtube.com/watch?v=TQQzudglm2U

tania lima disse...

Olá, Edu!
Não sei se foi pelo cansaço de ontem, mas eu pensei ter enviado uma mensagem ontem no seu post, mas deve ter ficado faltando uma última ação para ter sido efetivamente enviada ou houve alguma pane no envio, não sei... Enfim, não há muito que eu possa acrescentar sobre a Amy, apenas que foi uma passagem rápida e profícua.