sábado, 21 de fevereiro de 2015

Sobre o aborto: “Campanha pela vida: cada um cuide da sua” (de um pára-choque de caminhão)


"Desde que a pessoa tenha dinheiro para pagar,
o aborto é permitido no Brasil"
(Drauzio Varella)

Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
“Aborto só será votado passando por cima do meu cadáver”,
diz presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, do PMDB 

Por Tania Lima

A reportagem publicada no jornal Folha de São Paulo hoje, Médico chama polícia após atender jovem que fez aborto na Grande SP, encheu-me de indignação. Os algozes do episódio, médico e policiais (o primeiro, espero mesmo que tenha seu registro cassado pelo Cremesp por violar o código de ética médica), são a personificação do que há de desumano em nossa sociedade composta de machistas e gente impiedosa.  Por que as pessoas se manifestam de forma tão contundente contra assuntos que a bem da verdade não são de sua alçada, ou pelo menos não lhes dizem respeito diretamente?

Sobre a legalidade do aborto, excluindo-se questões religiosas que não devem entrar no mérito, presumindo-se como premissa que o Estado, segundo a Constituição, é laico, e na prática deva desta forma comportar-se, há posições contrárias que não se sustentam à primeira argumentação, dada a sua fragilidade e contradição retórica.

O que se pretende com a legalização do aborto? Por mais que a resposta seja óbvia, há aqueles de julgamento apressado, que parecem entender que essa legalização traria como consequência o estímulo à pratica, e não uma política voltada para a saúde. A preguiça, pressa, falta de hábito de pensar e pesquisar etc. levam a conclusões imediatas e precipitadas e delas resulta a ideia de que a legalização incentivaria o aborto. Outra pergunta óbvia: alguém acredita mesmo no aumento de abortos em decorrência da legalização? Alguém acredita mesmo que uma mulher vá festivamente a um procedimento desses?

Embora não se possa ter uma estatística confiável do número de abortos no Brasil, uma vez que a maioria deles se dá de forma clandestina, principalmente no caso de mulheres de baixa renda, é leviano supor que a legalização provocaria o aumento do número de procedimentos. É razoável acreditar que haverá resultados positivos se forem realizados trabalhos de conscientização da população no sentido de se prevenir não apenas a gestação indesejável mas também o risco de se contrair doenças sexualmente transmissíveis.

Para os que ferozmente são contrários, levantando bandeiras em defesa da vida, detentores da verdade e da razão, com suas frases prontas e simplistas e estranhamente carentes de compaixão e solidariedade, e que dificilmente estão engajados em ações sociais práticas para a melhoria da vida dos que estão à margem (blá, blá, blás, não contam), eu sugeriria que tentassem trazer paz a seus espíritos para que pudessem, nessa condição, melhor refletir sobre o tema.

Do ponto de vista individual, a decisão pelo aborto é um direito de foro íntimo e a legalização apenas se prestaria a uma assistência no âmbito da saúde, e portanto a atuação do Estado deveria encerrar-se nesse âmbito. A questão não é ser contra ou a favor do aborto. Acho que ninguém é a favor, trata-se então de ser contra ou a favor de que se possa fazer um procedimento médico em condições de segurança.

De resto, de acordo com o grau de proximidade e liberdade oferecida, pode-se até tentar persuadir alguém a manter uma gravidez, mas é o máximo a se fazer, guardado o respeito pela decisão da mulher, que apenas a ela confere. Ser contra algo que não nos afeta diretamente deveria incluir a responsabilidade quanto às consequências dessa posição: se uma pessoa é contra, de que forma e com qual intensidade efetivamente se dispõe a ajudar?

Às mulheres contrárias, tranquilizo: você não seria obrigada a abortar. Aos homens contrários (há homens opinando!!!): você não engravidaria e então preocupação zero para você. Por fim, para acalmar todos os inflamados: a legalização do aborto não obrigará ninguém a abortar. Citando uma frase do pára-choque de um caminhão que vem a calhar (a mensagem, não o caminhão): “Campanha pela vida: cada um cuide da sua”.

PS do blog: o deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara dos Deputados, tem se manifestado contra todas as bandeiras progressistas ou que tenham a ver com o avanço dos direitos humanos no país. Sobre a descriminalização do aborto, disse ele: “Aborto só será votado passando por cima do meu cadáver”.

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2 comentários:

Paulo M disse...

O problema é que o pano de fundo de tudo que se discute (como esse caso do aborto) acaba sendo político, e essa política tem a moralidade como base para convencer uma sociedade que está, a cada dia, contraditoriamente, perdendo seus valores. Exemplo: o "suposto" aborto de Mônica Serra divulgado pela mídia em 2010, ano em que seu marido disputava as eleições presidenciais com Dilma Roussef. A campanha antiaborto era bandeira do PSDB na época para vencer as eleições. E hoje, depois se divulgar que FHC se diz favorável ao comércio liberalizado do consumo de maconha, você ouve até papais de família seguindo o conselho de quem julgam autorizado a avaliar o que é certo e o que é errado, mesmo que essa avaliação denuncie religiosamente o antes condenável. O PT já não pode defender com tanto afinco (o aborto) como antes, quando era oposição, pois estará incorrendo em erro moral caso queira se manter por longa data no Executivo federal. Em suma, é uma sociedade moralmente falida que dita as normas de acordo com sua moral.

Unknown disse...

Emendando o assunto levantado pela querida escriba Tania Lima acerca do aborto, assunto absolutamente de alçada pessoal e que jamais poderia ser entendido como crime, quero dissertar sobre algo que observo como mulher. Em pleno século XXI, vários temas que dizem respeito a escolhas femininas são altamente "vigiados" por uma sociedade machista, pseudomoralista, que pretende ditar como o sexo feminino deve conduzir opções que lhe cabem. Um deles é ter ou não filhos. O que uma mulher que escolheu NÃO parir tem de explicar quase todos os dias a familiares, amigos e outros é lamentável. Um segundo tema desrespeitosamente exigido das mulheres é amamentar ou não e por quanto tempo. Um terceiro e complexo tema é se ela quer ter parto normal ou cesariana. Há tanta gente opinando, exigindo, pressionando que eu penso realmente se não estamos vivendo um tempo em que ser mulher é tão ou mais difícil quanto na época em que o "segundo sexo" era "do lar". Percebo que não se leva em conta o fator emocional, a experiência de vida, a escolha em si e querem polemizar algo que compete à mulher escolher.