Reprodução/Youtube
Três semanas após a votação que afastou a presidenta Dilma
Rousseff, dois fenômenos merecem destaque, segundo o sociólogo Laymert Garcia
dos Santos, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “O primeiro é que a
grande ficha começou a cair, com a reação dos movimentos organizados, mas
também de setores que a gente não esperava que tivessem tanta energia, mas
tiveram uma reação enorme e muito importante. Do ponto de vista do golpe,
constatamos que eles têm que fazer tudo correndo, porque sabem que o relógio
corre contra eles, com o crescimento da mobilização popular, diz.
“Onde os movimentos foram para a ofensiva, houve recuo de
Temer. Onde não houve ofensiva, não acontece nada, continua o jogo da direita
avançando.” Ele menciona como exemplos de ofensivas bem-sucedidas na reação
contra o golpe os casos das mulheres (Temer voltou atrás da extinção da
secretaria), da habitação (recuo nos cortes no Minha Casa, Minha Vida) e
cultura (recriação do ministério).
“Apesar da mídia, a cada dia que passa você tem uma situação
de rastilho de pólvora contra o golpe. Isso, do ponto de vista interno”,
avalia. “Do ponto de vista externo, depois daqueles episódios grotescos do
Congresso (ao votar o impeachment), houve uma reação internacional. Isso foi
uma surpresa para os golpistas, que achavam que iam fazer a coisa suave e com
uma aparência de legalidade. Mas isso não colou nem interna, nem externamente.”
Em entrevista
à RBA em março, portanto antes do golpe, o sociólogo disse que os
movimentos sociais e populares só conseguiriam obter resultados se fossem para
o ataque. “A resistência não pode ser só uma coisa defensiva, tem que avançar”,
afirmou.
O segundo ponto de destaque, com Dilma afastada, “foi a
rapidez com que o golpe dentro do golpe se declarou”, diz o sociólogo. “Ou
seja, o conflito entre os golpistas e a tentativa de transferir o poder ao PSDB
– que não tinha o cacife que tinha o baixo gangsterismo do PMDB para consumar o
golpe –, mas que agora quer o poder. Eu chamo de golpe dentro do golpe a
tentativa de criminalizar o PMDB, que já era criminoso desde lá atrás, para
transferir o poder para o PSDB”, avalia. “Tudo isso está na mídia
internacional. O golpe sai do baixo clero bandido e vai para o alto clero
bandido, que são os interlocutores dos americanos e da alta finança. Os outros
(PMDB) foram massa de manobra nessa história, e agora vão ser queimados.”
A atuação do Judiciário está agora muito mais clara, na
opinião de Laymert. “O problema principal para mim, desde meses atrás, era a
Procuradoria-Geral de República e o papel do STF. Agora já escancarou que as
altas instâncias do Judiciário são golpistas. Neste segundo momento, o que me
espanta mais é a velocidade com que isso se explicitou, através dos vazamentos.
Mas também isso faz parte da luta pelo poder dentro do golpe.”
MTST e Povo Sem Medo
Segundo o sociólogo, a “vitória” do MTST e Frente Povo sem
Medo, em decorrência de sua mobilização, é importante do ponto de vista simbólico
e político. A manifestação na frente da casa de Temer, em São Paulo, e depois a
ocupação do escritório da Presidência da República, também na capital paulista,
são dois exemplos de atos vitoriosos, em sua opinião. “Esses atos tiveram uma
carga de densidade enorme e demonstram grande inteligência política.”
O mesmo se aplica às mulheres. “Eu não esperava que a
politização das mulheres fosse tão forte a ponto de demonstrarem capacidade de
mobilização nacional.” Para Laymert, as associações políticas feitas por elas
também demonstraram inteligência política.
“Elas fizeram uma ligação, que tem tudo a ver, entre o
estupro do Rio de Janeiro e o estupro, digamos, político que foi o golpe. E,
mais, fizeram a ligação entre Gilmar Mendes e (Roger) Abdelmassih (médico
acusado de abusar sexualmente de pacientes) e Bolsonaro. Elas fizeram
ainda associações que mostram sempre a questão que está por trás do estupro,
que é a impunidade.”
As ocupações em escala nacional de prédios do Ministério da
Cultura e do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(Iphan) e da Funarte, pelos artistas, também surpreenderam positivamente.
“A gente não esperava que isso acontecesse com essa velocidade.”
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