Documento foi divulgado em cinco idiomas: português, inglês,
espanhol, francês e italiano. É assinado por Fábio Konder Comparato, Wilson Cano, Eduardo Viveiros de Castro, Miguel Nicolelis, Marilena Chauí, Wanderley Guilherme dos Santos, Alfredo Bosi, Roberto Schwarz, Walnice Nogueira Galvão, Ruy Fausto, Luis Felipe Alencastro, Leda Paulani e outros.
Foto: Alexandre Maretti |
Nós, pesquisadores e professores universitários brasileiros,
dirigimo-nos à comunidade acadêmica internacional para denunciar um grave
processo de ruptura da legalidade atualmente em curso no Brasil.
Depois de um longo histórico de golpes e de uma violenta
ditadura militar, o país tem vivido, até hoje, seu mais longo período de
estabilidade democrática – sob a égide da Constituição de 1988, que consagrou
um extenso rol de direitos individuais e sociais.
Apesar de importantes avanços sociais nos últimos anos, o
Brasil permanece um país profundamente desigual, com um sistema político
marcado por um elevado nível de clientelismo e de corrupção. A influência de
grandes empresas nas eleições, por meio do financiamento privado de campanhas,
provocou sucessivos escândalos de corrupção que vêm atingindo toda a classe
política.
O combate à corrupção tornou-se um clamor nacional. Órgãos
de controle do Estado têm respondido a esta exigência e, nos últimos anos, as
ações anticorrupção se intensificaram, atingindo a elite política e grandes
empresas.
No entanto, há uma instrumentalização política desse
discurso para desestabilização de um governo democraticamente eleito, de modo a
aprofundar a grave crise econômica e política atravessada pelo país.
Um dos epicentros que instrumentaliza e desestabiliza o
governo vem de setores de um poder que deveria zelar pela integridade política
e legal do país.
A chamada "Operação Lava Jato", dirigida pelo
juiz de primeira instância Sérgio Moro, que há dois anos centraliza as
principais investigações contra a corrupção, tem sido maculada pelo uso
constante e injustificado de medidas que a legislação brasileira estabelece
como excepcionais, tais como a prisão preventiva de acusados e a condução
coercitiva de testemunhas. As prisões arbitrárias são abertamente justificadas
como forma de pressionar os acusados e deles obter delações contra supostos
cúmplices. Há um vazamento permanente e seletivo de informações dos processos
para os meios de comunicação. Existem indícios de que operações policiais são
combinadas com veículos de imprensa, a fim de ampliar a exposição de seus
alvos. Até a Presidenta da República foi alvo de escuta telefônica ilegal.
Trechos das escutas telefônicas, tanto legais quanto ilegais, foram
apresentados à mídia para divulgação pública, ainda que tratassem apenas de
assuntos pessoais sem qualquer relevância para a investigação, com o intuito
exclusivo de constranger determinadas personalidades políticas.
As denúncias que emergem contra líderes dos partidos de
oposição têm sido em grande medida desprezadas nas investigações e silenciadas
nos veículos hegemônicos de mídia. Por outro lado, embora não pese qualquer
denúncia contra a Presidenta Dilma Rousseff, a "Operação Lava Jato" tem
sido usada para respaldar a tentativa de impeachment em curso na Câmara dos
Deputados - que é conduzida pelo deputado Eduardo Cunha, presidente da Câmara
dos Deputados e oposicionista, acusado de corrupção e investigado pelo Conselho
de Ética dessa mesma casa legislativa.
Quando a forma de proceder das autoridades públicas esbarra
nos direitos fundamentais dos cidadãos, atropelando regras liberais básicas de
presunção de inocência, isonomia jurídica, devido processo legal, direito ao
contraditório e à ampla defesa, é preciso ter cautela. A tentação de fins
nobres é forte o suficiente para justificar atropelos procedimentais e aí é que
reside um enorme perigo.
O juiz Sérgio Moro já não possui a isenção e a
imparcialidade necessárias para continuar responsável pelas investigações em
curso. O combate à corrupção precisa ser feito dentro dos estritos limites da
legalidade, com respeito aos direitos fundamentais dos acusados.
O risco da ruptura da legalidade, por uma associação entre setores do Poder Judiciário e de meios de comunicação historicamente alinhados com a oligarquia política brasileira, em particular a Rede Globo de Televisão – apoiadora e principal veículo de sustentação da ditadura militar (1964-1985) -, pode comprometer a democracia brasileira, levando a uma situação de polarização e de embates sem precedentes.
Por isso gostaríamos de pedir a solidariedade e o apoio da
comunidade acadêmica internacional, em defesa da legalidade e das instituições
democráticas no Brasil.
2 comentários:
Não é por nada que a rede globo anda louca. Sabe que nada será como antes, se perder perde tudo. Mas o importante mesmo foi a carta da comunidade científica. Tá mais difícil pro golpe, mas a questão...
... a questão é que ninguém sabe o que os golpistas reservam como próximo golpe baixo, que retiram do esgoto. Nunca se sabe. Quando o jogo começa a ficar contra o golpe, arrumam mais coisas. No momento o impeachment perdeu força, mas eles não vão parar. Vamos aguardar.
Postar um comentário