"Não há vítimas inocentes" (Jean-Paul Sartre)
Logo após o segundo turno de 2014, mais precisamente em 28
de outubro, estive numa coletiva do presidente do PT, Rui Falcão, da qual
participou o deputado estadual Edinho Silva, tesoureiro da campanha de Dilma
Rousseff, em que ele foi questionado sobre os porquês do fracasso eleitoral do
partido em São Paulo, a vitória acachapante de Geraldo Alckmin no estado e a
dificuldade do partido até mesmo nas periferias da grande São Paulo que historicamente
são seus redutos.
Edinho elencou alguns fatores, como a falta da abordagem de
temas regionais pela imprensa, a manipulação de informações relativas à agenda
nacional que ocupa as manchetes diuturnamente, com denúncias de corrupção
contra o PT, a legislação eleitoral (falta de reforma política) e a crise
econômica. Mas me chamou a atenção um outro fator mencionado por ele na
ocasião.
Ele citou o ótimo livro Os sentidos do lulismo, de André
Singer, do qual se depreende um fato sociológico preocupante: constata-se que a
população beneficiada pelos programas sociais e pela política dos governos do PT ascendeu
socialmente nos últimos 12 anos – com todas as benesses que o mercado de
consumo proporciona – sem que trouxesse (ou levasse) consigo os valores da
solidariedade, ou a preocupação social com um país mais justo.
Em outras palavras, os milhões que sob Lula e Dilma conseguiram
comprar carros, geladeiras, televisores, mais carros, computadores, celulares e
outras dádivas do mercado de consumo, ascenderam socialmente, mas não
incorporaram as premissas ideológicas que nortearam a opção do Partido dos
Trabalhadores pelos pobres. Ainda que esta opção socialista-reformista (e não revolucionária, como muitos ingênuos exigiam e exigem) tenha beneficiado
milhões de pessoas, esses milhões de pessoas chegaram a um patamar social apenas
materialmente mais alto, já que continuaram deseducadas cultural e politicamente.
Cada cidadão desses milhões de pessoas não está pensando na
possível evolução de seu vizinho como membro de uma comunidade, de um bairro,
uma cidade, um estado ou um país. Não. Está pensando em ter um carro mais
bonito e mais novo do que seu vizinho, um celular capaz de aguentar mais aplicativos, não mais um
tênis de 100 reais, mas um de 300. Não pensam no seu quarteirão, no seu bairro,
na sua cidade. Pensam em si mesmos, exatamente como a elite branca.
Os valores que carregaram consigo em sua ascensão foram os
do individualismo disseminado nas novelas, nos programas de televisão canalhas,
BBBs, a cultura fornecida pelas emissoras graças à concessão pública e às
verbas publicitárias oficiais que pagam esse lixo.
Não quero dizer que apenas a televisão e sua ideologia, com
suas denúncias e sua práxis inspirada em Goebbels, devam ser as causas do que
está acontecendo. Mas o golpismo encontra terreno fértil para proliferar nesse
deserto ideológico habitado por uma população ávida por consumo, mas que já não
se satisfaz apenas com ele e não tem consciência do que lhe falta. É triste.
Mais ainda, numa conjuntura em que a opção pelo mercado
interno já não funciona: o preço das commodities em queda não pode mais
financiar a opção pelo consumo que foi a mola do sucesso econômico do
governo Lula, e além disso a economia está se desindustrializando.
De resto, é essa população aparvalhada pelo consumismo cada
vez mais difícil, sem valores sociais, sem solidariedade, o que realmente mais assusta
no Brasil de 2015, mais ainda do que o Brasil que emerge sob as badaladas
golpistas dos diferenciados que fazem panelaços de seus apartamentos em Higienópolis (que nome mais apropriado para um bairro!) e no Leblon.
Ouvi hoje de um pequeno empresário, dono de um “lava-rápido”,
ou, ironicamente, um “lava-jato” (sic), um amigo de bairro, reclamações
intermináveis sobre o país, “que nunca esteve tão difícil”, “nunca houve tanta
roubalheira”, “assassinos de crianças ficam dez anos presos e são soltos”, “acho
que sua amiga (ironia do meu “amigo”, referindo-se a Dilma Rousseff) não
termina o mandato não”. Além de individualista, os homens e mulheres que
compõem o povo têm ideias confusas e não têm memória.
Evidente que os governos petistas têm responsabilidade sobre
esse aparente beco sem saída, esse estado de coisas. A aposta no consumo desenfreado
(que alimenta a vaidade, mas não o espírito), um certo “dar de ombros” à
necessidade de se educar a população mais pobre enquanto esta ascendia
socialmente graças aos programas sociais, a falta de estratégias de comunicação
eficientes, tudo isso agora está pesando enormemente na conta.
Resta esperar para ver até que ponto essa “revolta”
financiada pela elite inescrupulosa e historicamente golpista deste país vai contaminar
as camadas da população que têm votado no PT nos últimos 12 anos e, consequentemente, a nação.
10 comentários:
Acho q já contaminou. Lembra de Pasolini constatando a triste opção do proletariado pela trajetória da pequena burguesia, isso lá nos idos dos 60? Então...
Meu medo é esse, Mayra. Esse é meu medo.
Olha só que estranho!!!
http://noticias.r7.com/brasil/computador-de-orgao-da-justica-altera-perfil-de-dilma-na-wikipedia-dizendo-que-ela-deixa-o-cargo-neste-ano-11032015
Credo!
O único problema é que não fizeram um print da página da wikipedia sobre a suposta alteração, pra poder provar. Mas as notícias do R7 são confiáveis, normalmente.
Tá foda.
Sim, falta uma comunicação mais eficiente. Mas sendo otimista, acho que o quadro todo pode melhorar, mas vai depender do PT. Como diria o chacrinha: quem não se comunica (bem) se trumbica.
Grande Chacrinha. Fiquei mais otimista, Tania...
Mas hoje entrevistei um economista e ele criticou a (outra vez!) incapacidade de Dilma, no pronunciamento no domingo, de capitalizar para si a negociação sobre o imposto de renda. Disse o economista:
"Ela poderia ter dito que, 'reconhecendo o esforço que os trabalhadores já estão fazendo, eu vou aprovar o ajuste da tabela do Imposto de Renda' (acordo entre líderes do Congresso e o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, estabeleceu correção escalonada na tabela do IR em cinco faixas, de 4,5% a 6,5%). Mas, aí (ela não disse nada), aparece no jornal quase como uma conquista do PMDB, não é capitalizado por ninguém, nem pela CUT, nem pelo PT, nem pela Dilma, e por aí vai", disse o professor.
Complicado.
A entrevista com o professor Giorgio Romano Schutte:
http://www.redebrasilatual.com.br/economia/2015/03/incertezas-e-crise-brasileira-sao-apenas-um-fator-da-alta-do-dolar-que-acontece-no-mundo-todo-6217.html
Esse texto, escrito por um jornalista estadunidense (link abaixo), reforça o que eu disse no final de meu comentário ao post anterior, neste blog.
http://www.portalmetropole.com/2015/03/jornalista-americano-alerta-que-governo.html
Bom mesmo esse texto. Eu já tinha lido.
Cara, pra mim é um texto completo, bem resumido e verdadeiro. A Dilma precisa saber disso tudo. Será que ela sabe!!!??
Não sei, Alexandre. Espero que saiba!
Obrigado pelas palavras.
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