segunda-feira, 23 de março de 2015

O Brasil do lulismo, segundo André Singer


                                                                             Foto: Eduardo Maretti


A crise vivida pelo governo Dilma Rousseff no início do seu segundo mandato, os desafios do PT decorrentes de ter se afastado das bases e do “caráter politizador” que tinha nas origens, a frustração causada no eleitorado da presidente por ter adotado soluções como o ajuste fiscal, que contradizem a plataforma de campanha, o ódio ao PT por parte de setores significativos da chamada elite. 

Esses são alguns dos temas comentados pelo cientista político André Singer, que entrevistei para a RBA na semana passada. Para Singer, ao iniciar o 13° ano no poder, com a presidente Dilma Rousseff, o lulismo enfrenta seu maior desafio, assim como o PT do ex-presidente e da atual chefe do Executivo brasileiro.

Ex-secretário de redação da Folha de S. Paulo, ex-secretário de Imprensa do Palácio do Planalto e ex-porta-voz da Presidência da República no primeiro governo Lula, Singer fala também do conceito de realinhamento eleitoral, “elaborado nos Estados Unidos para designar a mudança de clivagens (divisões) fundamentais do eleitorado”, que aborda em seu livro Os Sentidos do Lulismo (2012, Cia. Das Letras).

Veja alguns trechos da entrevista e, abaixo, os links para a íntegra.

Esquerda e eleições

A esquerda não disputa eleições só para ganhar. É claro que também para ganhar. Mas ela disputa para educar, para politizar a população. Para mostrar que existe um programa alternativo àquele da classe dominante que pode ser implementado, e ganhar apoio para esse programa.

(...) A transformação social que vem ocorrendo, de 2003 para cá, não foi acompanhada de uma ação pedagógica. O PT abriu mão do seu caráter politizador.

Governabilidade, PMDB, Congresso

A aliança com Sarney é anterior a 2005. Em 2005, o que ocorre é uma tentativa de aliança com o conjunto do PMDB. Tenho dito uma coisa desde 2007 que vou repetir aqui: alianças parlamentares para a manutenção da governabilidade são justificáveis. Porque o governo, qualquer governo, chega ao Executivo e tem que dialogar, ter uma relação produtiva, digamos assim, com o Parlamento. Ele não pode escolher o Parlamento, que é escolhido pela sociedade. É preciso respeitá-lo e negociar com ele. Os pactos parlamentares que dão sustentação a uma ação executiva são justificáveis, desde que a política do Executivo seja justificada. E acho que as políticas do Executivo brasileiro desde 2003 para cá foram políticas sociais importantes. Foi feito um combate efetivo à extrema pobreza, à miséria, houve uma redução da desigualdade.

Se para isso foi necessário se estabelecerem determinadas alianças parlamentares, foi um preço a pagar para se lidar com a realidade. E esse preço que foi pago produziu frutos reais, avanços reais na direção de um programa de maior igualdade, que é um programa de esquerda. Agora, essas alianças não deveriam se transformar em alianças eleitorais. Quando se transforma isso em uma aliança eleitoral, você não se apresenta para o eleitorado com cara própria.

Economia e ajuste fiscal - Dilma Rousseff

Primeiro mandato - O governo Dilma, no primeiro mandato, foi muito corajoso, entre meados de 2011 e final de 2012, tentando alavancar a economia com industrialização e distribuição de renda. Para fazer isso, ela adotou o que eu chamo de ensaio desenvolvimentista. Talvez tenha sido, durante todo o período do lulismo, o mais nítido ensaio desenvolvimentista que ocorreu na política econômica. Os juros foram reduzidos para um patamar de 2% reais ao ano, não nominais, que é uma aproximação importante da taxa de juros internacional. Houve uma política de controle cambial, e simultaneamente de investimento público por meio do PAC. Naquele momento houve uma transformação do chamado tripé macroeconômico neoliberal.

Segundo mandato - Certamente existiria (alternativa ao ajuste fiscal e à política econômica adotada por Dilma no segundo mandato). Insistir em reativar a economia brasileira e resolver o problema dos gastos públicos por meio do aumento de receitas que adviria da própria reativação da economia.
O que aconteceu, por razões que eu não compreendo muito bem, é que a presidente Dilma resolveu fazer uma campanha dizendo isso (apontando para uma política desenvolvimentista). E acabou sendo eleita com essa plataforma. Foi uma eleição apertada, e nesta diferença pequena que se consolidou no segundo turno esse discurso teve um papel de catalisador, que animou muita gente a ir pra rua fazer campanha. 

Hoje, em face do que está acontecendo, eu digo que foi um erro. Se ela não tinha a avaliação de que poderia desenvolver essa política, não deveria ter feito a campanha nesses termos, porque a mudança entre o que se diz o que se faz, em termos eleitorais, cobra um preço muito alto. O eleitorado costuma não perdoar esse tipo de mudança. Criou-se uma expectativa de uma política diferente e uma certa base política para uma outra tentativa de reativar o crescimento que, no meu entendimento, é o que foi prometido explicitamente na campanha. Agora, se existe uma avaliação de que as medidas necessárias para isso seriam medidas que não teriam base política, isso tem que ser explicado para a sociedade, para o eleitorado e também para a militância que apoiou essa proposta.

Íntegra da entrevista

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Um comentário:

marco antonio ferreira disse...

É interessante, - .. o gov Dilma foi corajoso entre meados 2001 ate final 2012, uma política desenvolvimentista.Depois promete um apolítica econômica na campanha e faz outra no mandato.????? marco antonio ferreira