Foto: Nerivaldo Góes (ASCOM/FPC) |
Uma vez, como repórter de cultura do Estadão (lá se vão 25
anos), tomei um uísque com João Ubaldo Ribeiro, acho que por ocasião da 20ª
Bienal Internacional do Livro, em 1989, ano em que ele lançou o romance O
Sorriso do Lagarto, que eu havia resenhado para o jornal (isso não tem na internet, naquela época ainda não existia nem Windows, a gente usava na redação um sistema DOS).
Lembro de um pequeno caso que ele contou à mesa durante aquele uísque. O caso foi que ele ficou sabendo de “fofocas” segundo as quais tinha sido visto passeando de mãos
dadas com “uma moça” muito, mas muito mais jovem do que ele, no Rio de Janeiro. O que não
era recomendável a um homem de 48 anos, casado. E mesmo que não fosse casado, era um pequeno escândalo, digno de ser comentado por aí.
– Só que aquela moça com quem eu estava andando é minha
filha! – contou, entre risos, mas ao mesmo tempo indignado com a bisbilhotice
tosca da sociedade, sedenta por saber (e falar mal) da vida alheia.
Ao contar isso, sorria aquele sorriso próprio dos baianos,
divertindo-se com a estupidez dos fofoqueiros. Em João Ubaldo, o sorriso baiano
ao narrar uma história fazia parte da linguagem, fosse a linguagem literária,
fosse a de sua expressão facial.
Em palestras, João Ubaldo se referia a muitas pessoas como amigas
(“fulano é meu amigo”; “beltrano é muito meu amigo”). Podia ser Antônio Carlos
Magalhães, podia ser Jorge Amado, mas principalmente era Glauber Rocha.
Ubaldo era um ser político: todos que o conheciam
minimamente sabiam que ele tinha uma amizade sincera, de irmão mesmo, pelo
baiano Glauber Rocha, a quem amava, ou pelo baiano Jorge Amado, a quem
igualmente amava, mas, no caso de Jorge, mais como uma espécie de padrinho
espiritual-literário; e todos que o conheciam minimamente também sabiam que sua
amizade pelo oligarca baiano Antônio Carlos Magalhães, ou pelo maranhense José Sarney, seu colega de
Academia, era política.
João Ubaldo era um homem que transitava pela cordialidade,
entendida sob a ótica mais ampla segundo o conceito de Sérgio Buarque de Holanda.
Não estou dizendo que ele era o homem cordial, mas que entendia o que era esse
conceito. Entendia vivendo.
Para ele, ser amigo independia de posições políticas. Podia
ser o jardineiro, o senador, o cineasta, o porteiro do prédio ou o grande
escritor, qualquer um desses podia ser seu amigo, se aquele cara merecesse esse epíteto, segundo o modo de ver o mundo de João Ubaldo, incapaz de trair qualquer tipo de lealdade.
Além de tudo, João Ubaldo era um grande escritor.
Quando muito jovem, muito tempo antes de conhecê-lo ou
escrever sobre ele, li o livro que até hoje é o que mais gostei entre os que li
de sua bibliografia: Sargento Getúlio, uma obra-prima da literatura brasileira, em
exemplar do saudoso Círculo do Livro, há muito tempo extinto. Recomendo, seja em que edição for.
Enfim, espero que São Pedro, ou seja lá quem estiver ali na
portaria, perdoe os pecadilhos do baiano de Itaparica João Ubaldo Ribeiro, que morreu na madrugada deste 18 de julho de 2014, e o
deixe passar, e quem sabe ainda tomar uma última e prazerosa dose de uísque, de
saideira.
Um comentário:
Limda homenagem, linda lembrança, João Ubaldo era um bom papo, além de grande escritor, contava anedotas, causos, .... entrevistas divertidas e sempre com uma risada especial. Acho que todos gostavam dele. Dizem que andava meio ranzinza, justamente, segundo as más líguas ,por falta do uísque.
Postar um comentário