domingo, 8 de junho de 2014

Greve do metrô e contradições políticas. Ou: a matemática não mente




Ligação da Linha 4-Amarela com a Linha 2-Verde do metrô 

Como jornalista, aprendi a tentar chegar o mais próximo da verdade e ser imparcial o mais possível. Digo "o mais próximo" e "o mais possível" porque, ao contrário do que aprendemos no banco da faculdade, o jornalismo não é imparcial e nem está sempre em busca da verdade, como qualquer um que tenha senso crítico percebe ao ler a "grande" imprensa, principalmente os jornais paulistas, udenistas, Folha e Estadão. De resto, quem me conhece e acompanha este blog sabe o que penso politicamente.

Ressalvas feitas, seguem aqui rápidas impressões sobre a greve dos metroviários em São Paulo. Por mais que o governo Alckmin seja violento e perverso, em relação ao movimento grevista, deflagrado pelo sindicato comandado pelo PSTU, a decisão do TRT-SP de declarar a greve abusiva é mais do que correta. A praxis política do PSTU tem aparência de esquerda, mas seus resultados são sempre favoráveis à direita,  e isso á fato, independe da minha opinião.

A matemática não mente. Todos os índices que medem a inflação mostram que os 8,7% a que o governo do estado de São Paulo chegou para oferecer à categoria representam aumento real. São os seguintes os números que mostram a inflação dos 12 meses (maio de 2013 a abril de 2014) medidos pelos principais índices:  IPCA (IBGE - 6,37%), INPC (IBGE - 6,08%), (IPC-FIPE-5,36%), ICV (DIEESE-6,55%).

Mais do que isso. Como mostra matéria do R7, "os metroviários têm conseguido aumentos salariais maiores que a inflação e que a média obtida pelos empregados do setor de transportes. Enquanto os empregados do setor tiveram 4,9% de aumento real entre 2011 e 2013, segundo o Dieese, os metroviários tiveram 6,26%".

Se a questão matemática não vale, então recorro à questão política. Para matéria que fiz pra RBA, falei com a cientista política Maria Victoria Benevides, que, quem conhece sabe, é uma pensadora de esquerda. Diz Maria Victoria sobre a greve dos metroviários: "Eu pessoalmente tenho uma posição radical em relação à greve de transportes. Sou favorável ao direito de greve, é um direito constitucional, mas acho que sempre existe um lado de responsabilidade de quem faz greve que deveria ser cumprido, porque quem acaba pagando o dano que a greve causa é o povo trabalhador. Não é o patrão nem o capital (...) Acho que, como em outros países democráticos, a greve deve ser decidida com o compromisso de manter serviços (...) O que mais me incomoda é ver o povo todo abandonado, à noite, na chuva, no frio, com criança no colo, gente doente, gente que se não aparecer no trabalho não ganha, criança que se não for à escola não come."

Para terminar, ressalto que a justiça trabalhista, no contexto geral do Judiciário do país, é a única que historicamente adota posicionamento equilibrado e a favor do trabalhador, e quem tem alguma experiência (profissional ou pessoal) com a Justiça do Trabalho sabe disso. De maneira que o TRT-SP ter declarado a greve dos metroviários abusiva, na minha modesta opinião, deve ser respeitada, em detrimento de teorias da conspiração juvenis.

Entre a Justiça do Trabalho e o PSTU, eu fico com a primeira. O PSTU detesta negociar, não gosta da democracia e sua praxis é estranhamente favorável à direita.

Fora tudo isso, tem uma ironia: a longo prazo e politicamente, uma greve como essa favorece a política perversa do governo Alckmin e/ou PSDB pela privatização das linhas do metrô. Por quê? Porque nos últimos dias, enquanto milhões de pessoas (trabalhadores e na maioria gente pobre) ficou no limbo, sem transporte, segundo a lógica perversa segundo a qual o interesse de uma categoria tem de prevalecer diante do interesse, do trabalho e da vida de milhões de pessoas, a Linha 4-Amarela, passível de muitas críticas, inclusive minhas, foi a que salvou as pessoas do caos deflagrado com a greve. Isso, é óbvio, explícita ou subliminarmente, mais cedo ou mais tarde vai ser usado pelos tucanos. Ponto.

Acho que está na hora de alguém ter coragem de dizer que o direito à greve em serviços essenciais tem de ter limites muito bem delimitados, e que o direito de uma minoria (uma categoria) não pode prevalecer sobre o direito de milhões de pessoas. O termo democracia vem do grego antigo δημοκρατία (dēmokratía) ou "governo do povo". 


3 comentários:

Overrune disse...

Realmente muito bem argumentado. Gostaria de ouvir sua opinião sobre o novo decorrer dos fatos nessa segunda feira com as demissoes e a insistencia da greve. Um abraço

Paulo M disse...

Bem, o sindicato decidiu suspender a greve até quarta-feira. Se o governo Alckmin não retroceder em relação às 60 demissões, os trens, a princípio, voltam a parar. A quinta, dia da abertura da Copa, virou o curinga do baralho. Cadê o MPL agora? Agora, a reivindicação dos sindicalistas é de que o governo do Estado readmita os demitidos. Na reunião de hoje, Jurandir Fernandes disse que não, não vai voltar atrás. Eu achei até que as demissões eram um blefe do Alckmin pra desviar o foco da reivindicação salarial e trazer a categoria novamente à mesa de negociações com outra abordagem, o que de fato forçaria (como forçou) os metroviários a aceitar os 8,7%. E com as readmissões estaria tudo resolvido. Embora perigoso, imaginava eu um Alckmin mais inteligente. Mas não. Deixou o sindicato tomar de novo as rédeas e está perdendo o jogo. Segundo o Uol, O PT disse que Alckmin foi intransigente hoje e que isso é preocupante porque o tempo está acabando. Escutando rádio, ouvi isso também (que o Alckmin é duro e intransigente) da boca de Oscar Ulisses (sim, Oscar Ulisses, locutor esportivo). Mas não há males que não venham para o bem. Ou há?

Eduardo Maretti disse...

Intransigência de um lado, intransigência de outro. Alckmin x PSTU é um embate que não pode mesmo dar em boa coisa. Como eu escrevi no Facebook, juntou "a fome com a vontade de comer".

Eu nunca achei que Alckmin estivesse blefando, Paulo. No meio desse fogo cruzado, quem é que leva a pior? O povo, o trabalhador mais sofrido.

Precisa ver se o sindicato vai comprar a briga com o tribunal, que considerou a greve abusiva. Precisa ver também se a categoria vai estar disposta a encarar novas retaliações do governo e aprovar a continuidade da greve na assembleia de quarta-feira, sob a ameaça de mais demissões. Ou seja, precisa ver se toda a categoria está disposta a entrar no jogo político do grupo sectário que comanda o sindicato e, de outro lado, encarar a truculência política do governador.

Os metroviários estão numa encruzilhada braba.

É isso o que dá pra falar por enquanto, caro Overrune.