quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Pensamento para sexta-feira [48] – A cegueira segundo Jorge Luis Borges





"As pessoas imaginam o cego encerrado num mundo negro. Existe um verso de Shakespeare que talvez reforce essa opinião: Looking on darkness wich the blind to see – "contemplando a escuridão que os cegos veem". Se entendemos negrume por escuridão, então o verso de Shakespeare é falso.

O preto é uma das cores que fazem falta ao cego (ou, pelo menos, a este cego). A outra é o vermelho. De modo que "le rouge et le noir" são as cores que não temos. Para mim, que estava acostumado a dormir no escuro, foi bastante incômodo, por muito tempo, ter que dormir nesse mundo de neblina esverdeada ou azulada e vagamente luminosa que é o mundo do cego. Preferiria recostar-me no escuro, apoiar-me na escuridão. Vejo o vermelho como um vago marrom. O mundo do cego não é a noite, como se supõe.

(...)

O cego vive num mundo bastante incômodo e indefinido, onde surgem algumas cores; no meu caso, ainda existe o amarelo, o azul (exceto que o azul pode ser verde) e também o verde (que pode ser azul). Quando não desaparece, o branco se confunde com o cinza. O vermelho, por sua vez, sumiu completamente. É verdade que estou fazendo um tratamento para melhorar; espero então poder ver de novo essa incrível cor, essa cor que resplandece na poesia e tem nomes tão lindos, nos vários idiomas (...).

Vivo num mundo de cores."

*Trechos do livro Sete Noites (Jorge Luis Borges, do original Siete Noches), editora Max Limonad, 1980, tradução de João Silvério Trevisan


Publicado originalmente em 27/09/2013 às 11:43


Um comentário:

xico santos disse...

Tão chique; tão doloroso.
Ele sempre adorou falar de abismos.