"As pessoas imaginam o cego encerrado num mundo negro. Existe
um verso de Shakespeare que talvez reforce essa opinião: Looking on darkness
wich the blind to see – "contemplando a escuridão que os cegos veem".
Se entendemos negrume por escuridão, então o verso de Shakespeare é falso.
O preto é uma das cores que fazem falta ao cego (ou, pelo
menos, a este cego). A outra é o vermelho. De modo que "le rouge et le
noir" são as cores que não temos. Para mim, que estava acostumado a dormir
no escuro, foi bastante incômodo, por muito tempo, ter que dormir nesse mundo
de neblina esverdeada ou azulada e vagamente luminosa que é o mundo do cego.
Preferiria recostar-me no escuro, apoiar-me na escuridão. Vejo o vermelho como
um vago marrom. O mundo do cego não é a noite, como se supõe.
(...)
O cego vive num mundo bastante incômodo e indefinido, onde
surgem algumas cores; no meu caso, ainda existe o amarelo, o azul (exceto que o
azul pode ser verde) e também o verde (que pode ser azul). Quando não
desaparece, o branco se confunde com o cinza. O vermelho, por sua vez, sumiu
completamente. É verdade que estou fazendo um tratamento para melhorar; espero
então poder ver de novo essa incrível cor, essa cor que resplandece na poesia e tem nomes tão lindos, nos vários idiomas
(...).
Vivo num mundo de cores."
*Trechos do livro Sete Noites (Jorge Luis Borges, do original Siete Noches), editora Max Limonad, 1980, tradução de João Silvério Trevisan
Publicado originalmente em 27/09/2013 às 11:43
Um comentário:
Tão chique; tão doloroso.
Ele sempre adorou falar de abismos.
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