No dia 12 de novembro passado, um dia antes dos ataques a
Paris pelo Estado Islâmico, o sociólogo Laymert Garcia dos Santos, que foi
meu professor na PUC lá se vão muitos anos, participou de seminário na
Assembleia Legislativa e falou sobre o tema informação. Mais do que a análise,
como sempre sofisticada e aguda, a respeito de vários aspectos da realidade
atual – as relações entre informação, mídias e política –, foi marcante a
abordagem sobre a dificuldade de compreensão, por parte da esquerda, desse fenômeno hoje.
Segue um trecho da exposição de Laymert, que fala por si.
Reprodução/Youtube
“Há hoje uma dimensão totalitária da linguagem e a
instrumentalização da linguagem política. Não vejo como a esquerda possa reagir
diante dessa ofensiva totalitária da mídia.
"O que não me satisfaz no modo como os blogs sujos combatem
essa linguagem totalitária [dos meios de comunicação de massa, da ‘grande mídia’
ou como se queira chamar] é que eles não entenderam ainda, apesar de estarem
mais próximos do entendimento disso, que a política hoje é tecnopolítica, não é
mais só política. Quem entendeu que a política não é mais a política
tradicional, mas que tínhamos passado para uma dimensão da tecnopolítica, é
Julian Assange, é Edward Snowden e outros menos heroicizados, mais
desconhecidos, gente que entendeu a potência e o poder da informação (...) Eles
entenderam que o poder e o controle hoje se dão em torno da informação, estão
com quem detém a informação e a torna acessível. O Facebook, por exemplo, acho
que sabe fazer tecnopolítica. Quando ele consegue vender para milhões e milhões
de pessoas que o que interessa é mais do mesmo. De certa maneira, ele conseguiu
trazer para o campo das novas mídias uma coisa das velhas mídias. O que a Globo
faz é mais do mesmo. No Facebook também é mais do mesmo, porque o Facebook é o meu espelho. Eu só
reconheço as coisas que estão lá, só me interesso pelo reconhecido. Não o conhecido,
mas reconhecido. Todo mundo vai se comprazer em ficar olhando para um espelho
narcísico, para si mesmo, para seus amigos ou sua própria imagem, ou para tudo
aquilo que é mais do mesmo. Informação é diferente disso: informação é o
diferente, não o mesmo.
Por que digo que Assange e Snowden são intelectuais do
futuro? Porque eles entenderam que o problema da dominação é a questão da
informação, vão procurar o que é o mais guardado, o que não pode ser exposto. O
contrário do que faz o Facebook. ' O que o poder dos poderosos não quer mostrar? É isso que nós vamos mostrar.
É isso o que interessa.’ Então (...), ao invés
de ficar olhando para o próprio espelho, você cria uma ruptura, porque aparece
uma outra dimensão, que é dada precisamente porque ela é aquilo que quem detém
o poder não quer mostrar. Porque no mundo de hoje tudo é exposto, menos aquilo
que devia ser exposto. O que devia ser exposto é o que Snowden mostra: todos
nós somos vigiados, todos temos nossos dados manipulados (...) O que fazem as
grandes corporações, como Google, Facebook? ‘ Temos especialistas que vão trabalhar com os sentimentos
das pessoas, dos afetos das pessoas, os rastros afetivos, sociais, linguísticos,
o cartão de crédito etc, e todos esses rastros deixados pelas pessoas vão nos
permitir fazer uma leitura delas e conhecê-las melhor do que elas mesmas’
(...) É isso que é capitalismo hoje. São essas informações que vão contar.
O usuário comum do Facebook vai estar lá se deliciando com
sua própria fotografia, sem saber que tem uma outra instância onde ele está
sendo programado o tempo inteiro para ter a reação X, que vai ser cada vez mais
ele ficar contente com seu narcisismo. Vejo a esquerda querer se contrapor a
essa ofensiva – que trabalha neste nível, no nível da tecnopolítica – ainda com
uma política da representação. Mas você está lidando com uma coisa que tem uma
dimensão de ficção científica, e lida com isso dessa maneira, como se você
estivesse no século XIX? É claro que você vai perder todas.”
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