Reprodução
O paranaense Rodrigo Muxfeldt Gularte, 42, foi fuzilado na
tarde desta terça-feira (28) na Indonésia, depois de 11 anos de batalha nos
tribunais deste pais asiático para escapar da condenação à morte por
narcotráfico.
A família tentou até a última hora obter clemência alegando
que ele estaria esquizofrênico.
Passei quatro dias conversando com Rodrigo em fevereiro de 2005, na cela dele. Perguntei se ele entendia os riscos e consequências de seu
ato – ele foi preso pela alfândega local com seis quilos de coca escondidos em
pranchas de surf, em julho de 2004.
Resposta: “Se a parada tivesse dado certo eu estaria
surfando em Bali, cercado de mulheres”.
Não deu certo. Preso, ele confessou o crime e foi condenado à morte. Rodrigo enfrentou o pelotão de fuzilamento na companhia de um padre católico irlandês. O último pedido dele à prima Angelita Muxfeldt foi para ser enterrado em Curitiba. Há controvérsias sobre o estado mental dele na hora final.
Não deu certo. Preso, ele confessou o crime e foi condenado à morte. Rodrigo enfrentou o pelotão de fuzilamento na companhia de um padre católico irlandês. O último pedido dele à prima Angelita Muxfeldt foi para ser enterrado em Curitiba. Há controvérsias sobre o estado mental dele na hora final.
A mãe, dona Clarisse, que lutou o bom combate para salvá-lo,
não quis assistir o filho que trouxe ao mundo ser morto tão longe. A prima
encomendou uma cruz de madeira artesanal para o caixão e vai trazer as cinzas
dele para casa.
O Rodrigo que eu entrevistei na cadeia me pareceu um sujeito
muito normal – pode ser que tenha pirado depois.
As autoridades indonésias afirmavam que ele fingia a doença
para escapar da condenação.
Rodrigo era um traficante light. Fazia a rota
Floripa-Bali-Amasterdã-Floripa para o traficante da pesada Dimi Papageorgiou,
um carioca de pais gregos, apelidado de “barão do ecstasy”.
Rodrigo fizera várias viagens de “ensaio” para trazer
ecstasy do exterior. Na primeira tentativa de levar tanta coca para Bali ele
caiu. Dimi o visitou na cadeia, mas na volta ao Brasil foi preso pela PF.
Trechos das conversas na cadeia
O que mais me impressionou em 2005 foi o clima irreal na
cadeia de Tangerang (subúrbio de Jakarta), onde Rodrigo e o carioca Marco
Archer – fuzilado em janeiro – eram celebridades.
Entre a quarta-feira 9 e o sábado 12 de fevereiro, eles
deram muitas gargalhadas relembrando suas aventuras.
Os dois não estavam nem aí para a possibilidade de enfrentar
o Criador, via pelotão de fuzilamento, ou passar o resto de suas vidas presos
na Ásia. Se sentiam como se tudo fosse apenas uma bad trip.
Rodrigo foi mais usuário do que traficante. Começou
cheirando solvente aos 13 anos.
Dona Clarisse, a mãe de Rodrigo, mobilizou o Itamaraty para
protegê-lo. Apelou para Lula, Dilma, papa Francisco e ao presidente da
Indonésia, sempre sem sucesso.
Havia uma expectativa otimista no Itamaraty. No início,
alguns diplomatas acreditavam que seria possível reduzir a pena de Rodrigo para
prisão perpétua, em segunda instância, negociando em dinheiro uma redução maior
ainda na terceira, para 20 anos, com soltura em sete, talvez 10 – na época o
Judiciário indonésio adotava uma regra não escrita de trocar tempo de
encarceramento por uma pena pecuniária.
Os custos para dar jeitinho nas sentenças e as despesas para
manter Rodrigo numa cela cinco estrelas eram calculados em 200 mil dólares – a
mãe dele é rica e tentou pagar.
Mudanças políticas na Indonésia acabaram com o projeto de
resgate por dinheiro.
No julgamento de Rodrigo, em 2005, já era possível prever. O
povo muçulmano lotou o tribunal e pedia ‘‘morte aos traficantes ocidentais
cristãos’’, descrição na qual se encaixam Rodrigo e Marco Archer.
O pedido da massa deixou o governo firme para rejeitar as
campanhas internacionais por direitos humanos, livre de dúvidas existenciais
sobre a pena de morte.
Nos momentos de maior delírio Rodrigo sonhava em voltar às
praias de Floripa e contar aos amigos como escapou daquela fria.
Ele admirava muito Marco Archer. Eu pedi um exemplo da vida
dele, Marco: “Ué, viajou pelo mundo todo, teve um monte de mulheres, foi nos
lugares mais finos, comeu nos melhores restaurantes, tudo só no glamour, nunca
usou uma arma, o cara é demais.”
Ele me disse aquilo e parou por alguns segundos. Refletiu um
pouco e me pediu ajuda: “Por favor, brother, quando você for escrever, dê uma
força, passe uma imagem positiva nossa, pra ajudar na campanha” (pela
libertação).
Então diga lá o que você vai fazer quando for solto: “Bota
aí que eu quero trabalhar 10 anos pro governo dando palestras pra crianças
sobre a roubada que é o tráfico”.
Ele disse isto e saboreou o efeito das palavras. Tragou seu
Marlboro. Parecia sério, até jogar a fumaça pra cima. Quando soltou tudo, o
corpo já estava se chacoalhando. É que ele não conseguiu conter o riso.
Glória na cadeia
Rodrigo se exibiu para mim deslumbrado com a prisão, seu
momento de glória: “Somos (com Marco) os únicos entre 180 milhões de
brasileiros” (hoje o Brasil já tem 200 milhões).
Ele parecia deslumbrado com a notoriedade obtida com o
narcotráfico – cujo pico de audiência é entre jovens ricos praticantes de
esportes radicais.
Rodrigo queria botar um diário na internet, coisa que nunca
faria.
Enquanto Rodrigo esteve em Tangerang ele comprou
privilégios: “Aqui é como numa pousada, muito legal, só que jogaram a chave
fora”, me disse. Parecia satisfeito, mesmo sendo acostumado ao conforto de sua
suíte com sauna, na casa da família, em Curitiba.
Enquanto os 1300 presos muçulmanos viviam amontoados em 10
por jaula, ele tinha uma exclusiva. Equipada com TV, ventilador, geladeira,
forno elétrico, som pauleira, jardim privativo. Ele criava pássaros, bonsais e
a gata Tigrinha.
Ele usava os presos pobres como faxineiros cabeleireiros e
pedicures. Podia receber gente sem formalidades, todos os dias. Rodrigo foi
visitado pela família, pela namorada, a empresária carioca Adriana Andrade, e
pelo parceirão Papageorgiou.
A balada na cadeia não parava nunca. Rodrigo também tinha
uma namorada local, prima de outro condenado, em quem dava uns amassos na sala
do comandante – subornado para usar o sofá.
Podia consumir ecstasy e outras drogas. Nas noites quentes
rolava um chopinho gelado, cortesia de um chefão local, preso no mesmo
pavilhão.
Como Tangerang é uma prisão provisória, nos arredores de
Jacarta, Rodrigo vivia como naquela piada da hora do recreio no inferno. O
secretário do diabo poderia anunciar o fim dos privilégios a qualquer momento.
Este dia finalmente chegou. Depois de sentenciado, ele foi
transferido para a ilha onde seria fuzilado – um Carandiruzão com 10 mil presos
muçulmanos.
Nas drogas desde os 13
Rodrigo nasceu em Foz do Iguaçu. É neto de latifundiário
produtor de soja, filho de mãe milionária. O pai é um médico gaúcho de Santana
do Livramento, Rubens Borges Gularte – fragilizado pela idade e por uma doença,
ele desistiu de tentar salvar o filho. Era tudo com a mãe.
Aos 13, já em Curitiba, Rodrigo começou nas drogas,
cheirando solventes. “Era um garoto maravilhoso, a alegria da família, nunca
levantou a voz”, isso é tudo o que a mãe contava dele naquela época.
Com 18 foi preso fumando um baseado no parque Barigüi. O pai
queria deixar que ele fosse processado. A mãe não concordou, subornou um
delegado com mil dólares pra soltar o garoto: “Se fossem prender todos os que
fumam”, justificou dona Clarisse.
O garoto ganhou seu primeiro carro. Botou amigos dentro e
saiu pela América Latina como um Che Guevara mauricinho, bebendo e se drogando.
“Fiz cada loucura”, me contou.
Aos 20 Rodrigo era um rapaz de 1,84m, magrão, modos
educados, cheio de namoradas. Teve um breve romance com a professora
catarinense Maria do Rocio, 13 anos mais velha, fazendo Jimmy, hoje com 23,
autista. Raramente via o filho: “Eu não estava preparado para a paternidade”,
disse – no dia do fuzilamento Rocio e o filho não foram localizados.
Rodrigo contou que viajava muito, na piração total: “Em
Marrocos, fumei o melhor haxixe”. No Peru: “Coca da pura”. Na Holanda: “Ecstasy
de primeira”.
Aos 24, sai bêbado e drogado de uma festa. Bate o carro num
táxi, tenta fugir, bate noutro carro, abandona tudo e corre pra casa da mãe.
Ela dá uma volta na polícia, chama um médico, interna o garoto.
Na ficha de internação, o médico anotou: “Mostrou
onipotência, estava depressivo” – o diagnóstico de esquizofrenia só apareceria
na reta final do fuzilamento.
Nos anos seguintes a mãe fez de tudo para ele dar certo.
Abriu para Rodrigo uma creperia, em Curitiba. Não deu. Uma casa de massas, em
Floripa. Não deu. Mandou pra fazenda da família. Não deu. Rodrigo foi estudar
no Paraguai. Não deu. Ele se matriculou na UFSC. Não deu.
Rodrigo começou no tráfico: “Fiz várias viagens à Europa só
para trazer skunk”, confessou pra mim.
“A cocaína é do mal”
A prisão: “Os carinhas (Dimi e seus asseclas) me deram as
pranchas com cocaína dentro (em Floripa). Embarquei em Curitiba, onde o raio x
é ruim, pra desembarcar em Jakarta”.
Ele se lamentou: “Só depois soube que os japoneses doaram um
raio x potente pros indonésios, eles pegaram a droga”.
Rodrigo filosofou: “Meu erro foi a coca. O skunk é energia
positiva, o ecstasy dá um barato legal, mas a cocaína é do mal”.
O desabafo: “Se a parada tivesse dado certo eu estaria
surfando em Bali, cercado de mulheres”.
Um comentário:
Não sei até que ponto essa riqueza de detalhes é verídica, nem entendo a razão de tanto destaque dado pela mídia a essas penas capitais. De qualquer forma espero que se prestem a criar a consciência de que devemos utilizá-la também por aqui, embora possa antever que aplicadas mais uma meia dúzia é seguro que cairão no vazio e passarão a não interessar a ninguém, exceto aos familiares dos apenados, cuja dor verdadeiramente respeito e lamento.
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