sábado, 5 de abril de 2014

A pesquisa do Ipea e o esquerdismo da
matemática subjetiva





O erro do Ipea (e posterior retratação) na pesquisa sobre a mentalidade brasileira em relação à mulher provocou reações ilustrativas de que um setor do estilo “tudo ou nada” do esquerdismo brasileiro briga até com a matemática. Ao ser divulgada, a pesquisa dizia num primeiro momento, equivocadamente, que 65,1% dos brasileiros concordam, total ou parcialmente, com a afirmação de que "mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas". Após o instituto vir a público e reconhecer que houve erro (erro lamentável, aliás), e que são 26% (e não 65,1%) os que concordam com a afirmação, algumas reações mostram que a ideologia faz mal à matemática.

Segundo opiniões baseadas na premissa filosófica da matemática subjetiva, os números “pouco importam quando a realidade é machista”. De acordo com essa visão de sociologia de botequim, seja de 65%, 26%, 10%, 5% ou 0,1% o número de brasileiros que acham que "mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas", a indignação é a mesma. Li isso no Facebook de uma amiga. Discordo dessa visão para a qual as estatísticas só contam quando são a favor.

A indignação é um sentimento. Os números são lógicos, não mentem e não enganam.

Ora, 4 + 4 = 8. Assim como 5 + 3 = 8. Raciocine comigo: imagine 8 meninos do mesmo tamanho que vão fazer dois times pra disputar uma pelada na rua (*ver nota), um joguinho de futebol de rua, um “vira 5-acaba 10”. Suponha ainda que por alguma circunstância, talvez uma aposta, os meninos resolvem dividir os times em uma equipe de 5 jogadores pra jogar contra outra equipe de 3. Considerando que os 8 jogadores são mais ou menos equivalentes em termos de habilidade futebolística, qual time teria mais chance de vitória? Evidentemente, o time com 5 jogadores.

É lógico, matemático, que uma sociedade em que 26% (aproximadamente um quarto) das pessoas acham que as mulheres merecem ser atacadas é uma sociedade ainda muito imperfeita, mas sem dúvida menos pior do que uma outra onde esse número chegasse a assombrosos 65%, ou dois terços dos brasileiros! 

4 + 4 = 8
5 + 3 = 8

Uma sociedade em que 65% das pessoas têm essa mentalidade medieval seria uma civilização da barbárie e os machistas doentios seriam uma maioria esmagadora, e isso talvez exista ainda hoje em certos países em que mulheres “adúlteras” são apedrejadas até a morte, como eram nos tempos da Israel bíblica, lugares onde viceja o horror. A outra sociedade, a que apareceu na errata do Ipea, é ainda desigual, mas nela os 26% de imbecis e psicologicamente perturbados são minoria, e portanto mais fáceis de ser combatidos.

Donde se conclui que, se uma mulher vivesse na primeira sociedade “revelada” pelo Ipea, ela teria muito mais motivo para ser indignada, e nesse lugar sua indignação poderia lhe custar caro, a vida mesmo, e a vida tirada de maneira brutal. Já para a mulher que vive no Brasil, país que infelizmente ainda é machista e muitas vezes violento, a luta já não é tão difícil. Existem conquistas históricas e o caminho a percorrer é menos árduo e longo. A indignação não pode ser a mesma.

A violência contra a mulher no Brasil é mais, mas muito mais grave no chamado "Brasil profundo" do que no Sudeste do país. A pesquisa do Ipea mostra a média. Nos lugares mais pobres o índice aumenta, nos mais ricos diminui, isso é sociológica e matematicamente irrefutável também. Detesto brigar com a matemática. 

Vi amigas dizerem "ufa!", ao saber que o Ipea errou, embora com a ressalva assertiva de que muito há que evoluir. Outras preferem simplesmente dizer que "a indignação é a mesma". É o que chamo de esquerdismo da matemática subjetiva.

Sim, é claro que a violência contra a mulher é inaceitável. Assim como é inaceitável a violência contra as crianças. É inaceitável a violência contra os homens. É inaceitável a violência contra os animais. É inaceitável a violência contra os rios, os oceanos, contra os livros, contra o conhecimento.

A violência é inaceitável.

***

Nota* Antes que eu seja acusado de machista, esclareço que, com disputar uma pelada na rua, quero dizer bater uma bola na rua, ou na praia, jogar um jogo contra (tipo a rua de cima contra a rua de baixo), juntar alguns meninos e correr atrás de uma bola, tentando fazer gols em balizas marcadas por duas pedras de um lado e duas pedras de outro da rua (ou da praia), sendo que cada par de pedras representa simbolicamente um conjunto de duas traves e um travessão pelos quais o jogador tem que fazer passar a bola, momento em que se comemora um gol.

2 comentários:

Tania Lima disse...

A pesquisa do Ipea, numa pergunta assim formulada: "mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas?", já me parece induzir a um tipo de resposta. Não seria melhor a pesquisa apenas questionar ao pesquisado: “Em que condições mulheres merecem ser atacadas?” Considerando-se ainda a possibilidade de se primeiramente buscar informações sobre o perfil de mulheres que são mais comumente atacadas, essa pesquisa talvez pudesse ter sido melhor formulada, porque talvez se descobrisse que esse tipo de agressão não tem relação com o comportamento visual da vítima. O resultado de uma pesquisa, seja ela qual for, parece sempre abrir espaço para um leque de outras interpretações, principalmente se considerarmos que aproximadamente 65% dos entrevistados foram mulheres, talvez pudéssemos ainda conjecturar que uma boa parcela dessas entrevistadas não possuem condições físicas favoráveis ao uso de roupas que mostrem o corpo. Quanto a outra pergunta "Mulher que é agredida e continua com o parceiro gosta de apanhar?" Só caberia uma resposta: Pergunte diretamente a ela. Honestamente acho que o resultado deve ser totalmente ignorado, até porque o número de entrevistados é ínfimo, considerado o tamanho numérico da população. A pesquisa não diz absolutamente nada. Sigamos esvoaçantes e tranquilas.

Eduardo Maretti disse...

Concordo que o título induz, ou pelo menos pode induzir a um tipo de resposta...