quarta-feira, 5 de março de 2014

Favoritos do cinema (9): Os Imperdoáveis



Morgan Freeman e Clint Eastwood




A palavra “Faroeste” não quer dizer nada. Farwest (e consequentemente western) quer dizer bastante coisa.

Como já escrevi em post anterior, sobre Sergio Leone, às vezes é difícil entender por que alguém que é contra o imperialismo, a opressão e a cultura das armas gosta do western como gênero de cinema. Western que, entre nós, ficou conhecido pela aportuguesada, feia e burra expressão faroeste (do inglês far west, o oeste distante, o extremo oeste, em tradução livre, mas que comporta também o sentido metafórico do não-lugar, do lugar bíblico que se busca conquistar, seja por uma nação, seja por cidadãos).

O problema é a confusão que se faz entre arte e política. Se você, como eu, abomina a opressão, a cultura das armas e o imperialismo, mesmo assim, ou até por isso, veja Os Imperdoáveis (Unforgiven, 1992, de Clint Eastwood), um filme dos que eu levaria para uma ilha deserta para assistir às vezes, se eu fosse para uma ilha deserta onde houvesse energia elétrica para reproduzir um DVD...

Já escrevi posts para a série Favoritos do Cinema sobre filmes que estão longe de ser obras-primas. Os Imperdoáveis é uma obra-prima.

Não por acaso, vários importantes diretores de Hollywood fizeram questão de registrar sua visão do western. Tirando experts no gênero (por exemplo, o próprio Leone e John Ford), cito aqui três diretores contemporâneos que fizeram questão de fazer um western para constar de sua cinematografia: Quentin Tarantino (com Django, 2012), Jim Jarmusch (com Dead Man, de 1995) e o próprio Clint Eastwood, com Os Imperdoáveis.

Dos três, o filme de Eastwood (não por acaso dedicado a Don Siegel e Sergio Leone) é de longe o melhor. Um épico que trata ao mesmo tempo da história de uma nação e de um indivíduo, lembrando um pouco Tolstoi, um pouco Fernando Pessoa:

"O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia
."

Diferentemente dos citados filmes Dead Man de Jarmusch (baseado na poesia) e Django de Tarantino (que é uma paródia do western, quase uma comédia), Os Imperdoáveis não envereda pelo místico, nem pelo poético, nem por elucubrações metalinguísticas (observação: não dá para comparar o extraordinário Dead Man com o bom, mas limitado, Django).

Gene Hackman como o brutal Little Bill
Mas o filme de Clint Eastwood mostra a cruel, brutal realidade de um roteiro banal: numa cidade do oeste, uma prostituta é espancada e desfigurada por uns vaqueiros arruaceiros, com a complacência do xerife da cidade, Little Bill (Gene Hackman).

As prostitutas oferecem uma recompensa para matar os vaqueiros. A notícia chega a um antigo pistoleiro e assassino que, quando jovem, inspirado pelo whisky, fazia qualquer serviço, mas já não tem mais essas ganas. Hoje cuida dos filhos e de porcos em sua pequena propriedade. Não quer mais problemas. É um viúvo que foi libertado do vício do álcool pela mulher, enterrada no quintal de sua casa. Esse é Bill Munny (Clint Eastwood). Mas, seduzido pela oferta da recompensa, Munny procura um amigo para ajudá-lo nessa missão, Ned Logan (Morgan Freeman).

O roteiro de Os Imperdoáveis é banal, mas o resultado cala fundo. Não só pelo realismo que funde a busca do homem e da nação que ainda não tem identidade, mas também por achados narrativos, como o fato de sugerir um narrador, o jornalista (o sr. Beauchamp, interpretado por Saul Rubinek) que trabalha para quem paga ou encanta mais, e que no fim é o personagem mais importante da história, a quem ninguém deu importância, mas que é, afinal, aquele que contou a história. Western, literatura, realismo, cinema. (O que Clint Eastwood tem de grande é sua competência para fazer cinema: cinema, e não masturbações fílmicas.)

É magnífica a cena em que o jovem pistoleiro interpretado por Jaimz Woolvett tem uma crise de culpa por ter matado alguém. Acontece um diálogo digno de Shakespeare.

- Você sentia medo? – pergunta o rapaz, que acabara de matar o primeiro homem em sua vida, ao mito vivo que está à sua frente, Bill Munny (Eastwood), uma lenda do oeste.

– Matar um homem é uma coisa infernal. Você tira dele tudo o que ele tem e o que poderia vir a ser um dia – responde Munny, depois de dizer que não se lembra das coisas que fazia bêbado.

"Vim aqui para matar você, Little Bill"
Outra cena antológica, entre várias nesse filme antológico, já quase no fim do filme, é quando Munny (Eastwood) chega ao bar, no clima sombrio, com a chuva e os raios caindo, e anuncia ao xerife Little Bill (Hackman) por que está ali: “Eu já matei mulheres e crianças, já matei tudo o que anda e rasteja, e vim aqui para matar você, Little Bill”.

Fora tudo isso, a fotografia (Jack Green) e a direção de atores é monumental. O filme ganhou 4 Oscars: Melhor Filme, Melhor Diretor (Clint Eastwood), Melhor Ator Coadjuvante (Gene Hackman) e Melhor Montagem.

Não à toa.

Os imperdoáveis é um dos grandes filmes que vi, e que vale a pena ver, se a alma não é pequena.


Leia também, da série Favoritos do cinema:








2 comentários:

Paulo M disse...

Pra quem gosta do gênero é obrigatório. Pra quem não gosta, também. Vi esse filme há anos, vários anos, mas tenho de revê-lo, por simples prazer.

Daniel Razon disse...

Paulo (tudo bem, como vai?), acho que se falarmos de obrigatório tiramos a beleza da arte e o prazer de aprecia-la....prefiro falar em necessário.....para mim que sou adito do gênero e já assisti umas quantas vezes este filme, a uma certa altura alem do prazer de rever a obra, começou a me proporcionar uma visão mais critica do próprio gênero e das suas incumbências em quanto arte e mensagem de vida.
Edu, belo comentário.
abraço amigos!!