terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Juan José Morosoli – a solidão, a pureza, a viagem


Reprodução
Juan José Morosoli. Este é o nome de um escritor uruguaio que nasceu em 19 de janeiro de 1899, em Minas (capital do departamento de Lavalleja), e morreu em 29 de dezembro de 1957, na mesma cidade.

Acabo de ler A Longa Viagem de Prazer, infelizmente único título do autor publicado no Brasil. A pequena coletânea de contos da editora L&PM revela (e para mim foi mesmo uma revelação) uma literatura densa e impressionante. Os relatos tratam da vida simples de gente simples, num cenário regionalista do qual o autor dá testemunho.

Sob certos aspectos, é possível fazer um paralelo entre a literatura deste pequeno e precioso livro com a do nosso Guimarães Rosa. Ambos falam de um tipo de gente cuja simplicidade esconde vastidões da alma humana. Ambos falam de criaturas solitárias que parecem não ter mais lugar no mundo ocidentalizado no qual as modernidades, lenta e cruelmente, foram apagando a pureza, cultural e espiritual, mesmo que essa pureza seja bruta para os padrões da civilização que a extinguiu.

Os relatos de Morosoli não são descritivos. Neles, o autor não opina, não dirige e não afirma. Não descreve. Os que falam, e com extrema economia (um pouco como os nossos caipiras ou sertanejos, vá lá), são personagens que às vezes não têm como interlocutor senão um burro ou um cavalo, ou no máximo homens e mulheres que com eles dividem a solidão, e, no entanto, muito à vontade nesse seu pequeno e suficiente universo. Em Morosoli, a solidão fala.

Citei Rosa porque é uma analogia óbvia, mas é preciso dizer que, ao contrário da complexa narrativa do escritor das nossas Minas Gerais, a do uruguaio não se propõe a discutir a linguagem e nem com isso jamais se preocupou. A linguagem são pura e simplesmente os homens de sua terra.

É Morosoli quem define sua própria obra:

"(...) los gauchos no son clásico gauchos. Imagínese. No hay una sola doma de potro. No hay un solo baile. No hay una sola parada de rodeo. Guitarreros menos. En realidad no pasa nada. Son unos trabajadores que sufren el campo aquel. (...) El pueblo de mi libro es igual a muchos. (...) Yo sé que mucha gente cree que estas miserias las inventan los noveleros. Yo escribo lo que veo."

A doutora e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, na pequena introdução à edição da L&PM (com tradução de Sérgio Faraco), diz que os contos do livro são “escritos com economia verbal invejável, fruto, com certeza, de muito trabalho e revisão”. “No entanto – continua ela –, o leitor não deve se deixar enganar pela aparente simplicidade da forma: o andamento narrativo é sempre surpreendente.”

A solidão dos personagens é onipresente e às vezes cruel. A singeleza perpassa as páginas. Como em uma passagem em que um personagem leva alguns gauchos para conhecer o mar que nunca viram. Para ele, o mar é sobrenatural em seu mistério e vastidão, e ele quer compartilhar com eles esse sentimento epifânico, inexplicável, único, de presenciar essa obra sem autor, que “é uma cosia soberba e bárbara... Pra mim, o mar não tem explicação”, diz esse personagem. No entanto, seus companheiros de viagem não conseguem compreender essa sensação do infinito. “Que tal?”, pergunta o extasiado Rodriguez, homem simples de alma poética, querendo saber do outro o que ele acha do mar que nunca vira. “Pois... é pura água, não? Mais ou menos como a terra, só que é água”. E assim, um por um, seus amigos vão definindo o mar segundo suas concepções simplórias, telúricas, toscas, incapazes de compreender, para espanto e sofrimento daquele que, por sua vez, não consegue entender a ignorância dos outros diante do infinito, embora Rodríguez também não consiga expressar por palavras a grandeza do que quer definir e não pode.

Não é por acaso que dois dos relatos da coletânea são intitulados “A longa viagem de prazer” (que dá título ao pequeno volume) e “A viagem até o mar”.

A viagem, em Morosoli, parece assumir uma dimensão metafórica, quase como um sonho, para criaturas, “viventes”, que não sabem senão as coisas cotidianas de seu rincão, onde a rotina se resume às coisas mais básicas: acordar, fazer o mate, cuidar do cavalo... “Umpiérrez despertava, começava o mate, acendia o fogo e preparava um churrasquinho nas brasas. Comia, ia para o forno de tijolos onde trabalhava. Ao meio-dia separava-se do grupo de cortadores que faziam o fogo em comum, acendia seu próprio fogo, tomava mate, encostava uma carne e almoçava.”

Em uma palavra, uma maravilha essa literatura que recém-conheço.

Pena que, exceto pela edição da L&PM, os editores brasileiros ainda não descobriram Juan José Morosoli. Eu vou tratar de comprar outros livros dele, em espanhol. 

3 comentários:

Gabriel Megracko disse...

Um belo texto e outra linda homenagem. E esta muito merecida, já que no Brasil (e na enorme parte do mundo fora do Uruguai) Morosoli é praticamente um anônimo. Acho que o post define muito bem a literatura do uruguaio, o que saudosamente me poupa de fazê-lo e que já está feito melhor do que eu faria. Há por isso uma limitação de ostentações elogiosas a fazer, especialmente pela economia de prolixidades do texto do gaúcho, economia que falta (por querer falar sobre como é bonito seu texto) aqui em mim, que fiquei também bestificado com a deliciosa sensação de eternidade que Juan apresenta para o mundo; apresenta e grava, graças a Deus, para ser compartilhada entre... bom, "segundo" ele próprio... ah, como seria bem lido e sentido justamente pelos que não podem lê-lo. Arte pura, por isso.

Mayra disse...

Depois desta bela resenha, fiquei com uma baita vontade de ler o uruguaio. Vou atrás!

Alexandre disse...

Eu também vou