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Hoje, 7 de novembro de 2013, faz 100 anos que nasceu o grande Albert Camus. Argelino
de Mondovi (interior da Argélia), ele morreu
precocemente, aos 46, num acidente de carro em Villeblevin (França).
Camus foi um gênio inquieto. É autor de inúmeros livros
fundamentais, como O Estrangeiro (1942) – romance que nunca deixa de ser atual
e inquietante como seu autor; O mito de Sísifo (1942 - ensaio); A Peste (1951 -
romance); O Homem Revoltado (1951 – ensaio filosófico); A Queda (romance –
1956); O Primeiro Homem (romance – 1994), entre muitos outros.
Ao contrário de Jean-Paul-Sartre, pensador de classe média
com quem teve uma longa e tempestuosa relação, Camus foi muito pobre. Perdeu o
pai com um ano de idade, vítima da Primeira Guerra Mundial, e sua mãe passou
por enormes dificuldades, tendo de lavar roupas de terceiros para sobreviver.
Os manuscritos da obra-prima O Primeiro homem foram
encontrados junto ao corpo de Camus no acidente de carro que o matou em 1960, e
que, conta a história, não era para ele ter feito, pois já teria a passagem de
trem para ir a Paris. Porém, acabou indo junto com membros da família Gallimard, dona da editora de
mesmo nome, no automóvel que se espatifou numa árvore do caminho. Michel Gallimard acabou convencendo-o, conta-se, a desistir da
viagem de trem e a literatura perdeu um de seus monstros sagrados por causa
dessa infeliz fatalidade. Michel morreu 5 dias depois.
O Primeiro homem
O romance autobiográfico O Primeiro homem é inacabado, o que
não o diminui, sendo para mim uma obra-prima. Fiel a esta origem, a
Editions Gallimard manteve inclusive as lacunas em que o texto é
incompreensível, com os devidos esclarecimentos em notas de rodapé, o que foi
seguido pela bela edição brasileira da Nova Fronteira.
O livro tem o status de “testamento” literário. Conta a
história de imigrantes franceses, pobres, que se mudam para a Argélia, como
colonos, onde tentam uma nova vida. Numa casa velha de aldeia, uma mulher dá à
luz o “primeiro homem”, protagonista da história. O pai desse menino é
convocado pelo exército francês e vai à guerra da França contra a Argélia. O menino
(franco-argelino) é criado nesse ambiente.
No romance, Camus relata a busca das origens (psicológicas,
culturais e existenciais) por parte de um estrangeiro que, nessa busca, vai-se
conhecendo, e conhecendo a memória, transformando-a, porque conhecimento é
transformação. É belíssima e antológica a passagem em que o personagem Jacques Cormery (seu
alter-ego) visita o túmulo do pai e se dá conta de que o morto ali enterrado é
mais jovem do que ele próprio, o filho. O livro trata, também, da discussão da
condição de estrangeiro, real ou psicológica, tema que o autor jamais
abandonou.
O Estrangeiro
Outro livro definitivo de Camus (entre outros) é O Estrangeiro, que tem
como temas o absurdo da existência e a impossibilidade de o homem ser
compreendido pela ética da civilização ocidental. É o primeiro livro de ficção
de Albert Camus.
Homem de vida banal e, no entanto, incapaz de responder às
mais comuns expectativas do mundo, despojado das ambições mundanas de sucesso
profissional e sem desejos de estabelecer vínculos afetivos ou matrimoniais, Mersault,
o protagonista do curto mas monumental romance existencialista O Estrangeiro, é
uma pessoa espiritualmente indolente, mas na aparência, pois na realidade é consciente até o insuportável para se sentir em paz “neste mundo explicado”, como escreve
Rilke (1875-1926) em suas Elegias de Duíno, na tradução de Paulo Quintela, obra que trata, aliás, dos anjos de morte precoce (me perdoem a licença poética).
A leitura de O Estrangeiro é obrigatória, até mesmo como
contraponto a O Processo de Kafka. Em ambos, o absurdo determina o destino do
homem, embora em Camus seja conseqüência mais da atitude, ou antes, da recusa do
indivíduo em aceitar a ética de um mundo que massacra as liberdades, enquanto
no escritor judeu-tcheco, a meu ver, o ser esteja submetido sem possibilidade
de reação às engrenagens incompreensíveis desse mundo kafkiano.
Mersault, o personagem de Camus, questionado em âmbito
judicial sobre seu comportamento aparentemente frio quando do enterro de sua
mãe, reflete consigo mesmo: “É claro que amava mamãe. Mas isso não queria dizer
nada. Todos os seres normais tinham, em certas ocasiões, desejado, mais ou
menos, a morte das pessoas que amavam”.
Mersault não compreende que o mundo (a sociedade) não quer a
verdade. Em narrativa fluente, por meio da qual os fatos, um pouco à maneira
telegráfica de Hemingway, se sucedem sem muitas interferências de reflexões
filosóficas (esta, uma característica de Sartre), O Estrangeiro, em uma palavra, trata da
hipocrisia como prerrogativa moral da nossa civilização.
2 comentários:
Com orgulho faço o primeiro comentário pra esta homenagem. Este escorpiano foi o meu divisor de águas. O Estrangeiro, mais especificamente, me despertou. A identificação foi tamanha que em um dia que o lia, com catorze anos, se não me engano, mas se não me engano mesmo, após parar a leitura, decidi ir a um bar próximo jogar bilhar. Um bar não, um boteco de bêbados, propriedade de um português que agia sempre da mesma forma, simpático. Era um boteco de bêbados do bem. Não me lembro de mais nada desse dia, só do resto da vida inteira, permeada por essa sensação que nunca me deixou, a do estrangeiro. Notavelmente confuso, exatamente confuso, especificamente confuso, generalizadoramente confuso como a vida exatamente é, esse sujeito me ganhou. Bagunçadamente poderia passar a noite discorrendo sobre as peripécias mentais que Camus fecundou na minha cabeça. Seria inútil, no entanto, como o próprio me ensinou. Não estou para idolatrias, e até poderia elaborar críticas, porque nem esse delírio lógico que é Camus consegue definir algo sobre a vida, essa vida esquisitíssima, estrangeira o suficiente pra que eu estranhe meu próprio quarto, mas qualquer coisa pode ser dita pra deixar muito claro que sua confusão, pra mim, é tão mais perfeita que qualquer espécie de tentativa de descrever a vida de forma matemática. A vida é matemática, sim, logicamente, mas essa equação nem o Einstein logicamente alucinado conseguiu legar. Portanto, pra mim Camus conseguiu, com sua confusão, definir a vida mais melhor de bem que os números atômicos poderiam um dia, um dia sequer, calcular. Bendito seja. Ainda vai crescer, está crescendo, atemporal, temporal tranquilo... linha retacíclica. Sei lá... ou aqui. Olha aí, abóbada pra estrangeiro, boa noite, pré-pena de morte, num sonho te esqueço. Ele me ensinou, nessa queda não desço mais que isso. Beijo pra Camus, que já muito me fez rir.
Tres lindos posts. O estadio centenário, o marmore do centenário na foto me parece um poema concreto. A morte do sptagenário Lou por Laurie Anderson: morreu na posição 21, num outono dourado e lindo,e longe dos vizinhos habituais, perfect dead. E Camus....belo post Edu, belo. Gabriel, meu querido, que saudades, me emocionou seucomentário. Aquele abraço.
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