quinta-feira, 7 de novembro de 2013

100 anos de Albert Camus – um gênio que morreu cedo demais


Para Gabriel


Reprodução


Hoje, 7 de novembro de 2013, faz 100 anos que nasceu o grande Albert Camus. Argelino de Mondovi (interior da Argélia), ele morreu precocemente, aos 46, num acidente de carro em Villeblevin (França).

Camus foi um gênio inquieto. É autor de inúmeros livros fundamentais, como O Estrangeiro (1942) – romance que nunca deixa de ser atual e inquietante como seu autor; O mito de Sísifo (1942 - ensaio); A Peste (1951 - romance); O Homem Revoltado (1951 – ensaio filosófico); A Queda (romance – 1956); O Primeiro Homem (romance – 1994), entre muitos outros.

Ao contrário de Jean-Paul-Sartre, pensador de classe média com quem teve uma longa e tempestuosa relação, Camus foi muito pobre. Perdeu o pai com um ano de idade, vítima da Primeira Guerra Mundial, e sua mãe passou por enormes dificuldades, tendo de lavar roupas de terceiros para sobreviver.

Os manuscritos da obra-prima O Primeiro homem foram encontrados junto ao corpo de Camus no acidente de carro que o matou em 1960, e que, conta a história, não era para ele ter feito, pois já teria a passagem de trem para ir a Paris. Porém, acabou indo junto com membros da família Gallimard, dona da editora de mesmo nome, no automóvel que se espatifou numa árvore do caminho. Michel Gallimard acabou convencendo-o, conta-se, a desistir da viagem de trem e a literatura perdeu um de seus monstros sagrados por causa dessa infeliz fatalidade. Michel morreu 5 dias depois.

O Primeiro homem

O romance autobiográfico O Primeiro homem é inacabado, o que não o diminui, sendo para mim uma obra-prima. Fiel a esta origem, a Editions Gallimard manteve inclusive as lacunas em que o texto é incompreensível, com os devidos esclarecimentos em notas de rodapé, o que foi seguido pela bela edição brasileira da Nova Fronteira.

O livro tem o status de “testamento” literário. Conta a história de imigrantes franceses, pobres, que se mudam para a Argélia, como colonos, onde tentam uma nova vida. Numa casa velha de aldeia, uma mulher dá à luz o “primeiro homem”, protagonista da história. O pai desse menino é convocado pelo exército francês e vai à guerra da França contra a Argélia. O menino (franco-argelino) é criado nesse ambiente.

No romance, Camus relata a busca das origens (psicológicas, culturais e existenciais) por parte de um estrangeiro que, nessa busca, vai-se conhecendo, e conhecendo a memória, transformando-a, porque conhecimento é transformação. É belíssima e antológica a passagem em que o personagem Jacques Cormery (seu alter-ego) visita o túmulo do pai e se dá conta de que o morto ali enterrado é mais jovem do que ele próprio, o filho. O livro trata, também, da discussão da condição de estrangeiro, real ou psicológica, tema que o autor jamais abandonou.

O Estrangeiro

Outro livro definitivo de Camus (entre outros) é O Estrangeiro, que tem como temas o absurdo da existência e a impossibilidade de o homem ser compreendido pela ética da civilização ocidental. É o primeiro livro de ficção de Albert Camus.

Homem de vida banal e, no entanto, incapaz de responder às mais comuns expectativas do mundo, despojado das ambições mundanas de sucesso profissional e sem desejos de estabelecer vínculos afetivos ou matrimoniais, Mersault, o protagonista do curto mas monumental romance existencialista O Estrangeiro, é uma pessoa espiritualmente indolente, mas na aparência, pois na realidade é consciente até o insuportável para se sentir em paz “neste mundo explicado”, como escreve Rilke (1875-1926) em suas Elegias de Duíno, na tradução de Paulo Quintela, obra que trata, aliás, dos anjos de morte precoce (me perdoem a licença poética).

A leitura de O Estrangeiro é obrigatória, até mesmo como contraponto a O Processo de Kafka. Em ambos, o absurdo determina o destino do homem, embora em Camus seja conseqüência mais da atitude, ou antes, da recusa do indivíduo em aceitar a ética de um mundo que massacra as liberdades, enquanto no escritor judeu-tcheco, a meu ver, o ser esteja submetido sem possibilidade de reação às engrenagens incompreensíveis desse mundo kafkiano.

Mersault, o personagem de Camus, questionado em âmbito judicial sobre seu comportamento aparentemente frio quando do enterro de sua mãe, reflete consigo mesmo: “É claro que amava mamãe. Mas isso não queria dizer nada. Todos os seres normais tinham, em certas ocasiões, desejado, mais ou menos, a morte das pessoas que amavam”.

Mersault não compreende que o mundo (a sociedade) não quer a verdade. Em narrativa fluente, por meio da qual os fatos, um pouco à maneira telegráfica de Hemingway, se sucedem sem muitas interferências de reflexões filosóficas (esta, uma característica de Sartre), O Estrangeiro, em uma palavra, trata da hipocrisia como prerrogativa moral da nossa civilização.



2 comentários:

Gabriel Megracko disse...

Com orgulho faço o primeiro comentário pra esta homenagem. Este escorpiano foi o meu divisor de águas. O Estrangeiro, mais especificamente, me despertou. A identificação foi tamanha que em um dia que o lia, com catorze anos, se não me engano, mas se não me engano mesmo, após parar a leitura, decidi ir a um bar próximo jogar bilhar. Um bar não, um boteco de bêbados, propriedade de um português que agia sempre da mesma forma, simpático. Era um boteco de bêbados do bem. Não me lembro de mais nada desse dia, só do resto da vida inteira, permeada por essa sensação que nunca me deixou, a do estrangeiro. Notavelmente confuso, exatamente confuso, especificamente confuso, generalizadoramente confuso como a vida exatamente é, esse sujeito me ganhou. Bagunçadamente poderia passar a noite discorrendo sobre as peripécias mentais que Camus fecundou na minha cabeça. Seria inútil, no entanto, como o próprio me ensinou. Não estou para idolatrias, e até poderia elaborar críticas, porque nem esse delírio lógico que é Camus consegue definir algo sobre a vida, essa vida esquisitíssima, estrangeira o suficiente pra que eu estranhe meu próprio quarto, mas qualquer coisa pode ser dita pra deixar muito claro que sua confusão, pra mim, é tão mais perfeita que qualquer espécie de tentativa de descrever a vida de forma matemática. A vida é matemática, sim, logicamente, mas essa equação nem o Einstein logicamente alucinado conseguiu legar. Portanto, pra mim Camus conseguiu, com sua confusão, definir a vida mais melhor de bem que os números atômicos poderiam um dia, um dia sequer, calcular. Bendito seja. Ainda vai crescer, está crescendo, atemporal, temporal tranquilo... linha retacíclica. Sei lá... ou aqui. Olha aí, abóbada pra estrangeiro, boa noite, pré-pena de morte, num sonho te esqueço. Ele me ensinou, nessa queda não desço mais que isso. Beijo pra Camus, que já muito me fez rir.

marco antonio ferreira disse...

Tres lindos posts. O estadio centenário, o marmore do centenário na foto me parece um poema concreto. A morte do sptagenário Lou por Laurie Anderson: morreu na posição 21, num outono dourado e lindo,e longe dos vizinhos habituais, perfect dead. E Camus....belo post Edu, belo. Gabriel, meu querido, que saudades, me emocionou seucomentário. Aquele abraço.