quarta-feira, 9 de maio de 2012

Elio Gaspari usa metrô ou transporte público?


O colunista Elio Gaspari publicou hoje na Folha de S. Paulo (para assinantes) um arrazoado sobre a reclamação, por parte de alunos e professores da USP, da dificuldade para achar vagas para seus veículos no campus, já que, com a nova estação de metrô Butantã, “a patuleia passou a usar as vias públicas da universidade para estacionar seus carros”.

Como é normal na mídia (qualquer pretexto serve para tentar desmoralizar a USP) Gaspari critica a reclamação e os privilégios da comunidade uspiana: “Poucas vezes a demofobia do andar de cima nacional exibiu-se com tamanha clareza. A choldra paga impostos, a USP fica com 5,04% da arrecadação do ICMS e neste ano receberá R$ 3,9 bilhões da Viúva”, discorre Gaspari. “É absurdo querer impedir que os demais contribuintes usem esse espaço público.”

A abordagem do articulista, baseada em meias-verdades, merece reparos, pois tanto alunos e professores da USP quanto as pessoas em geral são vítimas do descaso para com o transporte público em São Paulo.

A situação do metrô paulistano
1) Gaspari não usa nem uma linha em sua análise sobre democracia nos espaços públicos para constatar o óbvio: o incrível atraso do sistema do metrô paulistano em relação a qualquer grande cidade e a absoluta precariedade do transporte em São Paulo. Graças a isso, qualquer estação nova fica imediatamente superlotada por multidões.

Na segunda década do século XXI, a maior universidade (pública) do país não tem uma estação sequer dentro de seu campus. Se as pessoas estacionam seus carros nas ruas da USP provocando sentimentos “demofóbicos” na comunidade uspiana, talvez não o fizessem se o sistema de transporte fosse decente.

Quem mora em áreas do Butantã próximas à USP, como o Jardim Bonfiglioli, viu o número de veículos das linhas de ônibus diminuírem a olhos vistos. O cobrador de uma dessas linhas disse a uma pessoa que conheço que “a empresa tirou alguns carros” depois da inauguração do metrô. Um absurdo. Vi outro dia uma cidadã protestar que chega a ficar meia hora no ponto de ônibus que a levaria ao metrô em dez ou quinze minutos.

Pergunto: o que Elio Gaspari sugere? Que as pessoas usem a velha sola de sapato por quatro, cinco km para se transportar até o metrô? Quem conhece a estação Butantã perto da USP sabe que estacionar no local sem invadir o espaço do campus, principalmente de manhã, é quase impossível, pois os gênios do governo estadual e da prefeitura responsáveis pelo projeto urbanístico do entorno não reservaram espaços para estacionamentos públicos. Eu mesmo já fiquei rodando por ali por muito tempo sem encontrar onde parar o carro num dia em que até estacionamentos privados estavam lotados. No geral, a obra do metrô Butantã, enquanto parte de um contexto maior na realidade urbana, é um lixo.

2) Pergunto ainda: a política, que vigora desde sempre, de privilegiar o transporte individual em detrimento do público, não é também uma execrável forma de "demofobia" (termo usado por Gaspari para atacar alunos e professores da USP)?

Não custa lembrar que o metrô paulistano está muito aquém da demanda. E que o transporte público na cidade governada por Gilberto Kassab é uma vergonha e só faz piorar. Desde 1995, o tucanato governa o estado (responsável pelo metrô) e a ampliação do sistema é lento como os passos de um cágado. A incensada revista inglesa The Economist, no fim de março, publicou o seguinte: "Os 71 Km da rede de metrô de São Paulo são minúsculos para uma cidade de 19 milhões de habitantes. Isso dificilmente seria digno de nota em outras cidades internacionais", afirmou a publicação, e ainda: "O metrô da Cidade do México tem mais de 200 Km de extensão. O de Seul, quase 400 Km. Até mesmo Santiago, com um quarto do tamanho de São Paulo, tem uma rede de metrô 40% maior", diz a revista.

The Economist: até em Santiago metrô é maior que em SP
3) A carência de transporte na cidade é tamanha que a esperada Linha 4 Amarela do metrô, inaugurada há poucos meses, já está entupida, principalmente na ligação com o ramal da avenida Paulista. O projeto dessa interligação é um exemplo de incompetência. As pessoas são conduzidas como gado por corredores, esteiras e escadas rolantes superlotados como se estivessem num estádio de futebol em dia de clássico.

Recentemente, a escada rolante travou e de repente várias pessoas caíram por cima de uma grávida. A culpa disso tudo é de quem, da população que precisa de metrô? Não, é dos governos tucanos que levaram quase duas décadas para ampliar o sistema a uma média ridícula de 1,6 km por ano desde que o PSDB assumiu o controle do estado, em 1995, segundo CartaCapital.

Leia também:

O caos nos transportes e o cinismo do governador de São Paulo

Um comentário:

Felipe Cabañas da Silva disse...

Não é de hoje e nem por causa exclusivamente do metrô Butantã que o câmpus da USP é usado por quem é "de fora" por motivos diretamente relacionados ao caos urbano que é a cidade de São Paulo, sobretudo sob o Reich do PSDB/DEM. A USP é, de fato, um espaço público, não somente por conta dos 5,04% de ICMS (que é, de fato, contribuição de todos), mas sobretudo pela filosofia da universidade pública brasileira, inspirada mais no modelo francês de universidade aberta e gratuita que no modelo corporativo americano. Evidentemente, o resultado é um modelo à brasileira cheio de distorções, o que gera frequentemente esse discurso "uspofóbico" do Gaspari, com a ideia de que a USP é uma comunidade de privilegiados elitistas sustentados "pela viúva" como pano de fundo.

Mas o incômodo com os efeitos do caos urbano dentro da USP não é uma questão de "demofobia", embora tenha sim gente dentro da universidade defendendo "portões fechados" para quem é "de fora" (geralmente os mais poderosos). A USP não é uma torre de marfim separada da cidade de São Paulo, e seus problemas urbanos se relacionam diretamente com os problemas urbanos da cidade caótica, cada vez mais caótica se como política de transportes temos expansão modorrenta do Metrô, parcos quilômetros de corredor de ônibus e ainda incentivo ao uso de veículos individuais, especialmente de duas rodas.

Eu já cheguei a ficar meia hora entre o ponto da FFLCH e o portão 1, um trajeto de no máximo 3 minutos. A USP é um ponto de fuga, um atalho para cortar o trânsito na zona sul, há décadas. Tanto é que muitas vezes para entrar na universidade em horário de pico só apresentando carteirinha. Eu sou contra fazer guarita e pedir identificação. Qual é a solução de fato? Uma política de transportes decente, algo que São Paulo não tem há décadas.