quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

A violência em Homs, minha história e o que importa ao mundo: qual o futuro da Síria?



Batalha em Homs/ Reprodução: Vídeo You Tube

A crise síria e a violência na cidade de Homs, supostamente perpetrada pelo governo de Bashar al-Assad, além de triste, tem algo de pessoal para mim na distância das décadas e, por que não, dos séculos.

É que uma curiosa e dupla coincidência me liga, mesmo que longinquamente, à história de Homs: o avô materno (que não conheci) de minha mulher, Carmem, que se chamava Nadin Hussni, veio dessa cidade hoje com pouco menos de 1 milhão de habitantes, localizada a oeste da Síria e a 150 km de Damasco.

Também veio da cidade o pai de outra pessoa que conheci muito tempo antes de Carmem. Muitos tiveram o melhor amigo da infância e adolescência, aquele com quem você divide dúvidas e inquietações, aprende junto e descobre que com ele é capaz de mudar o mundo. O tempo passa, os amigos viram adultos e a vida segue, cada um no seu rumo, e o mundo continua. Essa personagem em minha vida chamou-se Ibraim Salum Barchim, filho de Hanna Ibraim Barchim, que veio também de Homs. Tanto os ascendentes de Carmem como de Ibraim são da minoria cristã da Síria.

Para quem acredita em desígnios espirituais, reencarnação etc., essa coincidência por certo tem muito significado, mas não se trata aqui de discutir isso. E sim apenas constatar que os acontecimentos em Homs têm o poder de mexer comigo de uma maneira que não existiria se eu não tivesse nem a mais distante ligação com essa cidade, afinal meu filho Gabriel tem entre os sangues que correm em suas veias também uma parcela do sangue sírio de Homs.

Qual é a verdade?

A verdade é que as informações sobre o que acontece em Homs e na Síria hoje são desencontradas e estão muito longe de ser claras, sejam quais forem as fontes. Uma das mais gabaritadas, o jornalista Pepe Escobar, diz o seguinte no blog redecastorphoto: a crise síria “está fazendo aumentar os temores, no mundo em desenvolvimento, de uma insurreição armada apoiada pelo ocidente, para tentar recriar, na Síria, o caos criado na Líbia”. Segundo Escobar, o governo Assad não cai porque mais da metade da população síria ainda o apoia.

O jornalista afirmou no início do mês que “o número de mortos [nos conflitos] divulgado pela ONU (...) não discrimina as vítimas favoráveis ao governo e da oposição; e a ONU simplesmente ignorou a morte de mais de 2.000 soldados do exército sírio.”

Já o jornal argentino de esquerda Página12, que também questiona o cinismo ocidental, não poupa porém os “progressistas do mundo” que fecham os olhos para a “matança de Homs”: “onde estarão as forças de esquerda que se escandalizaram com os bombardeios da OTAN na Líbia e agora parecem emudecidos como se a moral e os valores valessem em um território e não em outro?”, escreveu Eduardo Febbro.

Na semana passada, a jornalista americana Marie Colvin (do britânico Sunday Times) e o fotógrafo francês Rémi Ochlik (Paris Match) morreram vítimas de bombardeios em Homs. Mas ninguém pode dizer de fato quais foram os autores do ataque que os vitimou.

Futuro obscuro

O atual presidente sírio herdou o poder de seu pai Hafez al-Assad, que governou de 1970 até 2000, quando morreu. O partido Baath (ou Ba'ath ) dos Assad é secular, e, diferentemente dos que governam inúmeros países do Oriente Médio, não tem diretrizes religiosas. A Síria sob os Assad é aliada histórica da União Soviética e por consequência da Rússia. Cerca de 90% dos sírios são muçulmanos (75% sunitas e 15% outras tendência). Os cristão são talvez pouco menos de 10% .

O temor maior dos detentores do poder e também dos minoritários cristãos é que a “insurreição” leve o país a ser governado por muçulmanos fundamentalistas, o que não interessa nem mesmo aos Estados Unidos e seus aliados. O que interessa aos EUA e seus aliados é derrubar Assad e dividir o país.

Mas, diferentemente do que aconteceu na Líbia, Rússia e China sustentam Assad e, com seu poder de veto na ONU, bloqueiam e bloquearão qualquer tentativa legal do Ocidente de intervir na Síria e derrubar Assad com aval das Nações Unidas. Geopoliticamente, a Síria é fundamental para os interesses americanos, por um lado, e russos e chineses do outro. A queda de Damasco representaria para os EUA ganhar um território fundamental para minar a “ameaça” iraniana e enfraquecer o que veem como séria ameaça a Israel. Russos e chineses não podem aceitar tal hegemonia americana. E Israel já avisou que está em seus planos um ataque ao Irã "em breve", sem avisar os Estados Unidos.

E assim está o mundo na segunda década do século XXI.

Abaixo, na íntegra, os textos citados neste post:

Síria: sombras por trás do espelho, por Pepe Escobar

La matanza de Homs, por Eduardo Febbro

Leia também: “Primavera árabe” foi apenas um espasmo de luz nas trevas do Oriente Médio?

2 comentários:

Paulo M disse...

Não acredito muito em confronto militar Irã-Israel. O líder supremo iraniano, o aiatolá Khamenei, embora mais radical ainda, não pode ter tão pouco jogo de cintura quanto Ahmadinejad. E, pelo que sei, o atual presidente do Irã não está em situação política interna tão favorável, já que deve perder as eleições parlamentares no país, por esses dias. E ninguém tem interesse em levar às vias de fato uma guerra de maiores proporções, que pode desestabilizar o mundo inteiro. Na hora H, vão recuar.

A situação na Síria, sim, acho muito mais delicada porque lá já existe uma guerra interna e sem controle, meio sem destino ainda. O país vai ter de dissolver sozinho sua crise porque as grandes potências, dessa vez, não podem fazer o meio-de-campo: elas divergem dentro da ONU. As imagens que vemos de Homs flagelada são terríveis, e o potencial de destruir e de exterminar vidas em conflito, hoje, não se compara ao que acontecia décadas atrás. O que mais me espanta é ver a mídia tratar o assunto "Síria" com esse desdém, como se estivéssemos isentos de tudo, vendo de camarote e engolindo, satisfeitos, o futebol às quartas e domingos, o Big Brother, a novela das oito e o eterno Jornal Nacional todos os dias num mundo prostituído em sua falta de valores e de verdades.

Essa história dos antepassados de Carmem e Ibraim em Homs é valiosa.

alexandre disse...

É fogo. O pavil parece curto. A reeleição de Putin pode dar novo vigor à Russia e consequentemente novas medidas de intervenções políticas serão tomadas, se preciso militares, para um desfecho desastroso se de fato Israel atacar o Irã. O preço a se pagar, caso isso venha a acontecer, será caro aos EUA e a Israel, sedo ou tarde.
E as outras coisas, sanguíneas e consanguíneas, isso só o Sol explica.