sábado, 21 de janeiro de 2017

Donald Trump: uma besta ou a besta?


Ou: Considerações acerca de uma incógnita


White House/Twitter

Enquanto assistia à posse do novo presidente dos Estados Unidos, pensamentos contraditórios passavam pela minha cabeça.

Não conseguia chegar a me definir se Trump seria um besta, ou a besta. No primeiro caso, segundo o Michaelis, “Que ou aquele que é grosseiro ou ignorante; burro”. Na segunda acepção, de acordo com o mesmo dicionário, termo bíblico que significa “animal simbólico, tido como responsável por grandes catástrofes” e que pode levar o mundo ao Apocalipse.

No discurso de posse, o 45° presidente dos Estados Unidos seguiu a receita da campanha vencedora e, depois de elogiar Obama e Michelle pela postura “magnífica” no processo de transmissão do cargo, logo assumiu sua personalidade truculenta e disparou: “Não estamos apenas transmitindo o poder de uma administração a outra, ou de um partido para outro, estamos transferindo o poder de Washington, DC, e devolvendo para vocês, o povo. Por tempo demais um pequeno grupo na capital da nação recebeu os louros do governo enquanto as pessoas pagaram pelo custo”.

Trump é um louco ou um demônio? Nenhum dos dois. É o resultado de inúmeros fatores conjugados. Logo após a eleição que colocou o republicano na Casa Branca, em 9 de novembro, Glenn Greenwald, no The Intercept, escreveu o que para mim é o melhor texto sobre os porquês da eleição que surpreendeu analistas e apostadores do mundo todo, principalmente os ligados ao establishment democrata norte-americano, texto que você pode ler na íntegra aqui: Democratas, Trump e a perigosa recusa em entender as lições do Brexit.

Dois trechos do texto acima mencionado:

1)as elites formadoras de opinião estavam unidas de uma forma extremamente incestuosa e tão distantes da população que decidiria essas eleições, sentiam tanto desprezo por ela, que não foram capazes de observar as tendências em favor de Trump e, além disso, aceleraram essas tendências involuntariamente com seu próprio comportamento”.

2)a escolha conivente que o Partido Democrata fez décadas atrás: abandonar seu apelo popular e se tornar o partido dos tecnocratas proficientes, dos gerentes do poder da elite pouco benevolentes. Essas são as sementes de cinismo e interesse próprio que foram plantadas, e agora essa plantação está sendo colhida. (E este trecho faz, não tão vagamente assim, lembrar o nosso Partido dos Trabalhadores no processo que – embora por meio de um golpe – o apeou do poder em 2016.)

Acredito que, se não se comportar de modo minimamente aceitável de acordo com que esperam dele os poderes ocultos e não ocultos dos Estados Unidos, a Roma contemporânea potencializada com um arsenal nuclear capaz de destruir o mundo várias vezes, Donald Trump será igualmente apeado do poder, de uma forma ou de outra, e não acredito que com gentileza. Como me disse o professor Luis Fernando Ayerbe, do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais da Unesp: “O receio do establishment é pelo estrago que Trump pode causar, por incompetência, improvisação, falta de visão estratégica. Ele preocupa fundamentalmente os setores do establishment tradicional, representados pelos que se reúnem em Davos, as chamadas elites orgânicas do capital" (a matéria da RBA com Ayerbe está aqui).

Embora eu tenha a tendência de não desconsiderar nem mesmo forças místicas que giram em torno do poder neste mundo de matéria densa, e apesar de em alguns momentos me parecer que Donald Trump pode até mesmo ser a besta, penso que ele está mais para um besta alucinado mesmo, do qual o povo americano pode se cansar bastante cedo, e aí o establishment terá a faca e o queijo na mão.

Seja como for, para nós brasileiros (e esta é outra coisa em que cada vez acredito mais), é provável que, se Donald Trump fosse presidente dos Estados Unidos no ano passado, Dilma Rousseff não teria sido deposta, pelo menos não com tanta facilidade. Trump parece não estar tão preocupado em interferir na vida de outros países como os “falcões” Obama e Hillary Clinton, como lembrou Ayerbe na matéria acima linkada. O que, aliás, pode até mesmo ser um dos motivos da irritação do establishment com o novo presidente. 

Um comentário:

Paulo M disse...

Pois é. Inteligente o post. Pode ser mesmo que "se Donald Trump fosse presidente dos Estados Unidos no ano passado, Dilma Rousseff não tivesse sido deposta". Claro que existiria a oposição bilionária de corporações como a Exxon e a Texaco que o líder americano teria que encarar caso preferisse se opor a seus interesses em relação à Petrobras. Seja como for, o tempo vai responder à questão (se Trump é a Besta ou uma besta quadrada). E não deve demorar. Geralmente, um sujeito politicamente ignorante e não muito simpático à burocracia das relações diplomáticas, como me parece Trump, anseia por rápidas medidas de impacto, que provem imediatamente sua perspicácia. Espero que essas medidas sejam para nos aliviar dos percalços, embora duvide.