sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Favoritos do cinema (12): O Palhaço,
de Selton Mello



Selton Mello (centro) como o palhaço Pangaré

O Palhaço (2011, direção de Selton Mello), que revi recentemente, é sem dúvida um dos melhores filmes brasileiros do século XXI. No filme, o próprio Selton Mello interpreta o artista de circo Benjamin, que faz o palhaço Pangaré de uma trupe de circo mambembe que viaja pelas Minas Gerais, encantando cidades e pessoas.

O roteiro do filme é do próprio Selton Mello e Marcelo Vindicatto. Não é um roteiro explicativo, do tipo que procura encadear didaticamente a sucessão de fatos e sequências fílmicas. As cenas e sequências (e portanto a história) são truncadas como a vida. Mas o fio da meada não se perde, porque o fio da meada é o circo. A fotografia (sob a direção de Adrian Teijido) é primorosa enquadrando os planos fundos quase infinitos das Minas Gerais.

O precioso filme, que além de tudo emociona - embora não provoque a emoção vulgar que Buñuel considerava perniciosa -, traz ainda um prêmio extra para quem gosta de cinema e atores: Paulo José, que faz o palhaço mais velho do circo e pai de Benjamin/Pangaré (Selton Mello).

Benjamin vive uma angústia existencial, que é inerente ao ser humano: não é feliz com o que faz, não quer mais ser palhaço, não quer seguir o caminho do pai, mas não sabe ser outra coisa. É aquela velha e universal sentença de um personagem de Graham Greene: o homem sempre quer aquilo que não tem.


Com Paulo José 

O Palhaço não pode ser reduzido a um gênero, pois o filme não é apenas uma comédia, um drama, um filme de autor (como se dizia antigamente): é tudo isso ao mesmo tempo.

O personagem Benjamin (Selton) tem o caráter fleumático, quase abúlico, que o ator ensaiou em filme anterior, O Cheiro do Ralo (direção de Heitor Dhalia, 2007), em que interpreta Lourenço, dono de uma loja de objetos e “raridades”, imerso em uma atmosfera bizarra e cômica.

Várias cenas de O Palhaço têm uma característica incomum, rara no cinema, que só grandes diretores são capazes de criar, a qual Federico Fellini soube trabalhar como ninguém: emocionam sem se valer de artifícios baratos. A emoção é emanada às vezes pelo simples silêncio em um diálogo, pelo comportamento singelo de uma personagem (como no diálogo de Benjamin com uma moça gorda na frente de um bar de estrada), por um acontecimento cuja intensidade não se mede pela ação (recurso enfadonho nos filmes hollywoodianos), pelos olhares ou pela delicadeza da interação de dois personagens, como em várias cenas entre o pai e o filho palhaços.

"Eu faço todo mundo rir, mas quem é que vai me fazer rir?", diz o palhaço Benjamin à moça, à porta do bar. A frase seria um clichê, não estivesse tão impregnada da história e sua atmosfera poética. A poesia, como já mostrou Drummond, é construída  por aquilo que ninguém, a não ser o poeta, enxerga como poesia, arrancada das coisas e versos mais (aparentemente) simples.

Mas se o filme comove e emociona, também faz rir. Principalmente pela atuação de Selton com seu personagem que parece um psicótico, mas na verdade é sensível (o contrário do psicótico) e poético.


Benjamin em busca de identidade, sem a fantasia de Pangaré

 A procura de identidade, drama vivido por Benjamin, tema central do filme, recorrente na literatura, no cinema e na arte, poderia também ser outro clichê, mas a narrativa e o roteiro parecem, inclusive, procurar deliberadamente os clichês, para desconstruí-los e dotá-los de um novo significado.

Deveria lembrar a mais do que óbvia associação de O Palhaço, e seu Circo Esperança, com a Caravana Rolidei de Bye, Bye Brasil (Cacá Diegues, 1979). Mas aqui seria realmente um clichê deste blogueiro, até porque eu mesmo já falei sobre isso.

Lamento que não possa recomendar ao leitor ir à locadora mais próxima alugar O Palhaço, para assistir numa noite dessas. As locadoras não existem mais. Tem que procurar em outras mídias.


Publicado originalmente em 19 de jan de 2016 às 22:19


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