segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Pequena crônica de avião

Para Tatiana Fernández


Foto: Carmem Machado (clique para ampliar)
Você ver o sol se pôr acima das nuvens não tem preço

Cerca de 15 anos atrás, fumando um cigarro com um colega de trabalho na sacada de um edifício onde trabalhávamos no bairro da Vila Olímpia, na época considerada e chamada (um tanto imprecisamente) o "vale do silício brasileiro", diante de aviões que pousavam e decolavam na nossa frente, aquele colega fez um comentário: "um jato como esse é tão bonito que cada vez que cai um desse eu penso que é muito injusto".

Lembrei disso esta semana, quando caiu o A321 da companhia russa Metrojet, em 31 de outubro, depois de decolar de Sharm el-Sheikh com destino a São Petersburgo.

Apesar de já ter viajado muitas vezes de avião, e por mais que vá viajar no  futuro, para mim é sempre uma experiência mágica. Não tenho medo, mas fascínio. E não é coisa de turista bobo, mas uma maneira poética (ou espiritual, se quiserem) de sentir a coisa.

Sempre me parecem estranhamente fúteis ou insensíveis aquelas pessoas que, incompreensivelmente, antes mesmo de o avião decolar, já estão... dormindo! É impressionante uma pessoa, sóbria, sem nenhuma droga na cabeça, nem álcool, nem nada, dormir antes de o avião decolar. Ou será que essas pessoas só estão interpretando?

Se você sente um friozinho na barriga ou um medo paralisante, é uma questão pessoal. Eu, por exemplo, ultimamente, ando até preocupado, porque não tenho sentido medo nenhum. Mas... não sentir nada, absolutamente nada, dentro daquela máquina enorme, que vai voar por cima de cidades, continentes e mares, acima das nuvens, não sentir nada e simplesmente dormir, como se estivesse dentro de um ônibus que vai de São Paulo a Piracicaba, me parece demasiado dissimulado, típico de pessoas que não entendem que a poesia está em toda parte (claro, dependendo das circunstâncias, pode até estar num ônibus que vai a Piracicaba, mas o tema deste post é voar...)

E se cair?, você pensa. Ora, se cair, caiu. É melhor do que morrer de câncer.

Conheço quem tem tanto medo de viajar de avião que precisa estar literalmente dopado, para voar. Também acho que esse extremo é absurdo, mas pelo menos é mais humano. Só que a pessoa viaja 1.000 quilômetros de carro com tranquilidade e precisa se dopar para subir numa aeronave, mal sabendo que a probabilidade de morrer com uma simples derrapada no seu carro numa estrada é muitas vezes maior do que ao voar de avião.

E se cair?, a pessoa pensa. Ora, se cair, caiu. É melhor do que ficar vegetando por causa de um acidente de carro.

E você ver o sol se pôr acima das nuvens (a foto no alto deste post) não tem preço.

A sensação de estar voando (sim, estar voando), de decolar, pra mim é sempre mágica, seja na primeira ou na milésima vez que eu tenha tido ou vá ter essa experiência.


4 comentários:

Gabriel M. disse...

Não consigo dormir nem no ônibus para Piracicaba, porque quando sai da cidade e entra na pista, já começam a saltar sensações e versos. E confesso que meu medo é maior no ônibus para Piracicaba. Mas, maior ainda no carro. Avião é muito seguro. Incomparável também é o trem. É um afago para os olhos ver aquela máquina gigantesca deslizando pesada e suavemente nos trilhos (por entre florestas, nos versos de outros lugares ou do que já foi um dia no Brasil). Hoje, infelizmente para mim e para os brasileiros amantes de trem, sobraram os tediosos trens metropolitanos com zumbis modernos a bordo. Mas os zumbis modernos não vencerão a poesia. Os executivos dormidores em aviões tediosamente cotidianos também não vencerão a poesia. Aí estão os belos trens da Transnordestina e da Norte-Sul. Estamos agora esperando o de passageiros!
Viajar é (ou devia ser) como transar, comer, dormir ou 'ir ao banheiro': algo indispensável para a continuidade da espécie. Mas não devia ser uma necessidade comercial das reuniões de negócios. O avião devia ser para ir aonde o trem não vai, se não, perde o romantismo.
Deus abençoe os pilotos. Mas, se Ele falhar, que não estejamos dormindo.

marco antonio ferreira disse...

Pensar na morte é sempre ruim, estraga tudo. Mas agente sempre pensa, de um jeito ou de outro. Daí que entrar num avião...leva a pensar, porquê não? Agora é muito querer advinhar a morte ou sei lá, dirigir a própria dita cuja, arre!
Ainda assim passei mais de uma boa viagem de merda, de avião. Viajei muito na TAM quando era ainda trsnsp. aéreos Marília. Avião Focker 100. Pegeui um que vibrava mais que uma trituradeira. A comissária não conseguia servir o café, sacudia tudo,mas ela lá firme. Não sei se senti medo,era comico. Numa outra vez senti medo sim. Por um segundo pensei que estavamos em queda desgovernada.Foi um estalo forte e imediatamente o avião imbicou e desceu com tudo.Assim como vc disse,sobre pessoas que dormem na decolagem, perdem o show, igual nesse dia tinha gente dormindo, lendo jornal tranquilamente... que seria, estava de ressaca, lia Edgar A. Poe?
Mudando de tema está em cartaz em são paulo Pasolini de Abel Ferrara?


Edu Maretti disse...

Bem, a verdade é que uma crônica fala sobre algo que aconteceu. Quero dizer, com isso, que provavelmente não sinto medo porque nunca tive uma experiência traumática, como a que vocês tiveram... Se tivesse tido, certamente a crônica seria diferente, mas nesse caso a impressão desses "executivos dormidores", como diz Gabriel, seria ainda maior e o fato ainda mais inexplicável...

Já andei tb nesse tal de Fokker 100, um que uns 10 anos atrás caiu ali no Jabaquara. Horrível essa aeronave, parece um ônibus. De resto, tive a sorte de nunca passar por uma turbulência séria, e espero nunca passar. Se acontecer (toc toc toc), escrevo outra crônica pra falar d medo, se o avião não cair ...

Gabriel M. disse...

Arre!