Agência Brasil
por Sandro Ari Andrade de Miranda, no Sul21
Sempre que observamos um movimento paredista de
caminhoneiros a triste lembrança do Chile volta do passado. Na época,
insuflados por uma ação da Agência Norte-americana de Inteligência, a CIA, um
grupo de caminhoneiros realizou uma grande paralisação no país visando conferir
legitimidade ao golpe militar que culminou no assassinato do Presidente,
democraticamente eleito, Salvador Allende.
O resto da história já é do conhecimento de todos. O Chile
viveu uma ditadura cruel, das mais selvagens da história, que contou com
requintes de selvageria, como o massacre de milhares de oposicionistas do
regime num estádio de futebol.
Sendo assim, quando os caminhoneiros do Brasil realizam uma
paralisação em diversos estados é preciso separar o joio do trigo, a
necessidade do golpismo, a luta política democrática do mero golpismo.
Sem ingressar no mérito das reivindicações, é preciso
destacar que a maior parte das organizações de trabalhadores de transporte
acolheu plenamente a proposta do Governo Federal costurada pelo sempre
eficiente Ministro Miguel Rosseto. Daí fica a pergunta: se as entidades de
classe acolheram a proposta apresentada pelo Governo, por que algumas cidades
ainda sofrem com a paralisação e bloqueio de rodovias? Quem ganha com o caos?
Com certeza, não são os caminhoneiros, que terão uma Lei que
garante uma série de direitos trabalhistas sancionada na íntegra pela
presidenta da República, além da isenção do pedágio para caminhões vazios e o
congelamento do preço do diesel por um período mínimo de seis meses, dentre
outras vantagens.
A resposta está nas entrelinhas do movimento, nas suas
contradições, e na presença de atores estranhos e alheios ou contrários à pauta
de reivindicação dos trabalhadores.
Sugiro olhar e fotografar a placa da maior parte dos
caminhões paralisados e, com certeza, teremos uma surpresa ao ver que grande
parte é de Santa Catarina ou do Paraná. Ou seja, são caminhões das grandes
empresas de transportes, que emplacam os seus caminhões em estados que fazem
populismo com o IPVA, e se utilizam da desinformação imposta pela mídia da
direita golpista, especialmente a Rede Globo, a Folha e a Veja, para sustentar
uma crise fabricada.
Há uma imensa contradição entre a Agenda dos trabalhadores
rodoviários, que hoje são submetidos a jornadas humilhantes, com garantias
mínimas, ou forçados a falsificar contratos de terceirização dos serviços, e o
das empresas de transporte, ou ainda do grande agronegócio, que se aproveitam
da fragilidade legal do trabalho da categoria para impor um regime quase
escravagista e baixos valores de fretes.
Assim, muitos dos trabalhadores que hoje fazem figuração no
movimento paredista são vítimas da ação deliberada do grupo dominante, e sem a
menor compreensão do processo político e social defendem a agenda dos seus
maiores inimigos, que são os grandes empresários do agronegócio e das grandes
empresas de transporte.
Isso não greve, e sim Locaute, ou Lockout, para utilizar a
expressão britânica. Trata-se de uma prática proibida pela legislação
brasileira, exercitada pelos empregadores, que tem por objetivo frustrar ou
dificultar o atendimento de reivindicações dos empregados.
No Locaute impende-se o acesso dos trabalhadores aos meios
de trabalho, ou simplesmente é suspendido o direito ao trabalho através do uso
desproporcional da força econômica. O resultado buscado pelos dirigentes dos
Locautes é sempre o enfraquecimento da pauta da classe trabalhadora organizada
para impor um regime de interesse do capital. Não é por acaso que figuras
desconhecidas, surgem, do nada, como líderes, normalmente “laranjas” muito bem
pagos pelos interessados nos resultados do movimento contra-reivindicatório.
Assim, você brasileiro que hoje sofre com a chantagem
egocêntrica de um grupo de caminhoneiros que violentamente bloqueiam a
circulação de caminhões, ou com a campanha de pânico imposta pela mídia
golpista, especialmente a Rede Globo, fiquem certos que não são os trabalhadores
que lideram o essa organização paredista, Mas aqueles que se usufruem da
exploração de milhares de trabalhadores que atuam no segmento do transporte.
Não há uma greve legítima, esta terminou na quarta-feira, na
reunião entre o movimento dos caminhoneiros e o Ministro Miguel Rosseto. Temos,
isto sim, um Locaute, medida absolutamente ilegal.
Quais os motivos deste movimento, que curiosamente começou
no Paraná, Estado onde o Governador, vinculado ao PSDB, enfrenta protestos
diários pelas denúncias de corrupção e pelo corte dos direitos de servidores
públicos, e mostra alguma forma no Rio Grande do Sul, onde o Governador Sartori
promete atrasar o pagamento da folha salarial dos servidores.
Talvez a resposta sejam a tentativa de abafar as denúncias
contra Aécio Neves e FHC na operação Lava-jato, ou ainda o vergonhoso escândalo
do HSBC, esquecido pela mídia, e que representa o maior caso de corrupção e de
lavagem de dinheiro do Planeta, ou para dar gás à sede golpista de um grupo de
conservadores que não consegue aceitar a perda das eleições de outubro, ou
ainda, claramente, para atrasar a sanção da Lei dos Caminhoneiros, o que traria
uma imensa e justa vantagem para esta importante categoria profissional.
Se estamos diante de um Locaute, e não de uma greve, não há
mais exercício da Democracia, mas sim um típico caso de polícia, e que assim
deve ser tratado pelo Ministério Público e pela Polícia Federal.
Sandro Ari Andrade de Miranda, advogado, mestre em ciências
sociais
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