Cansei de ver, nos últimos anos, gente de esquerda atacar
Caetano Veloso. Agora Caetano virou herói, por conta da decisão absurda de uma
juíza que impediu seu show em São Bernardo. Desse episódio, segue o seguinte:
1 - a esquerda brasileira nunca entendeu Caetano;
2 - a obra de Caetano é magnífica, está além de
reducionismos e simplismos maniqueístas, e quem o atacou e agora o eleva a
herói nunca entendeu nada. Nunca entendeu por exemplo que ser de esquerda não
significa rezar cartilhas. A obra de Caetano Veloso é subversiva
intrinsecamente;
3 - não é tão fácil entender Caetano, sua obra. Por isso, as
pessoas costumam preferir Chico Buarque. Porque Chico (que eu adoro) é mais
fácil de entender. Bem mais fácil;
4 - a esquerda brasileira precisa tratar sua bipolaridade.
Ou entende Caetano ou não entende. Ou Caetano é vilão ou é herói.
***
No álbum Circuladô, de 1991, 26 anos atrás!, podemos ouvir, na canção "O Cu do Mundo":
"A mais triste nação
Na época mais podre
Compõe-se de possíveis
Grupos de linchadores"
Considerando o que é este horrível Brasil de 2017, alguém poderia dizer que Caetano foi profético na canção. Mas não se trata disso. Não existe profecia. Caetano apenas conhece profundamente a cultura e a alma deste pobre país de Bolsonaros e linchadores.
A campanha pela anulação do impeachment da ex-presidente
Dilma Rousseff é algo que me faz pensar. Pensava eu: será que lideranças
importantes do PT, da esquerda e dos movimentos sociais acreditam nisso?
Acreditam mesmo que foi desfechado um golpe, patrocinado por interesses
gigantescos que miram o saque de gigantes como Petrobras, Eletrobras e bancos
públicos federais, para depois permitir que esse golpe seja anulado no Supremo
Tribunal Federal, que aliás foi cúmplice desse mesmo golpe, seja por omissão
descarada, seja por cumplicidade escancarada?
Esta semana conversei com um importante deputado do PT que
me esclareceu essa questão. Eu lhe perguntei:
- Mas, deputado, você acredita em anulação do impeachment? Isso não é ingenuidade?
Você acha isso possível?
- Não é possível, é impossível - respondeu o deputado.
Em resumo, ele explicou, a defesa da anulação do impeachment
é apenas parte da luta política, uma questão de marcar posição.
Na realidade, qualquer figura que transita pela política,
anda pelos corredores de Brasília e conhece o jogo, sabe que essa é uma batalha
apenas retórica. Líderes importantes defendem a anulação do golpe publicamente,
mas em off reconhecem que é uma causa sem a mínima chance.
A questão é: se é assim, será produtivo gastar energia,
verbo e verbas (para manifestações) por algo que se sabe impossível?
Claro que não é produtivo. Se não é, não entendo por que
ficar defendendo publicamente uma ideia impossível. É falta de foco. A esquerda está perdida. Ao invés de pensar novas táticas e estratégias, setores da esquerda estão acreditando na disputa de um jogo que já acabou. Ou seja, pensando num jogo perdido, enquanto o jogo presente está acontecendo. Se continuar assim, vai continuar perdendo.
O ex-presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, iniciou
pelo Brasil a sua nova carreira de palestrante internacional. Como todo
ex-presidente de relativo sucesso e certo apelo para públicos corporativos,
como Bill Clinton, Tony Blair, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da
Silva, Obama decidiu ganhar a vida honestamente vendendo palestras e
arrecadando recursos para seu instituto – nos Estados Unidos, essa atividade
ainda não foi criminalizada.
Em São Paulo, Obama repetiu suas platitudes de sempre. Disse
que sistemas previdenciários precisam ser sólidos, que o mundo precisa de mais
tolerância, que o futuro pertence às novas lideranças e que só progridem
aqueles países que investem em educação. Um blablablá óbvio, mas que seduz
engravatados dispostos a tirar suas selfies num evento com um popstar da
política internacional.
No entanto, como Obama escolheu o Brasil para recolher seus
primeiros dólares, é importante recordar o que foi a política externa
norte-americana para o País em sua gestão. Em 2013, o site Wikileaks, de Julian
Assange, e o agente Edward Snowden, da NSA, revelaram que os Estados Unidos
espionaram vários líderes internacionais, como a primeira-ministra alemã Angela
Merkel e a presidente Dilma Rousseff. No Brasil, o foco central da
bisbilhotagem era a Petrobras e o pré-sal – um fato óbvio diante da obsessão
norte-americana por garantir sua segurança energética, ainda que isso envolva
guerras, invasões e apoios a golpes de estado.
Obama se viu forçado a explicar a natureza dessa espionagem
num encontro de cúpula do G20 em São Petersburgo, na Rússia, em 2013, mas suas
justificativas não foram convincentes e as relações Brasil-Estados Unidos
permaneceram congeladas até 2015, quando ele recebeu Dilma nos Estados Unidos.
Nesse período, no entanto, o golpe parlamentar de 2016 foi sendo arquitetado –
ao que tudo indica, com apoio informal norte-americano. Qual foi a primeira
mudança relevante no Brasil pós-golpe? O modelo de exploração do petróleo, que
deixou de ser o de partilha, que garantiria mais recursos à União, e passou a
ser o de concessões.
No primeiro leilão, realizado em setembro, a maior
compradora foi a norte-americana Exxon. Nos próximos, virão a Chevron, a Shell
e outras multinacionais. Com a partilha, previa-se que os recursos do pré-sal
seriam destinados prioritariamente à educação num governo cujo lema era
"Pátria Educadora". Agora, no Brasil da "Ordem e
Progresso", os gastos públicos foram congelados por vinte anos e a educação
será uma das primeiras vítimas. A UERJ praticamente paralisou suas atividades,
o reitor da UFSC se matou, após ser vítima de um justiçamento midiático, e, em
breve, será proposto o fim da gratuidade nas universidades públicas. Com a
educação sucateada no Brasil, a elite, cada vez mais, envia seus filhos para
universidades internacionais – o que reforça a lógica da dominação cultural.
Dizer que o futuro das nações depende de investimentos em
educação é fácil, Obama. Fazer, depende de governos nacionalistas e capazes de
se proteger contra dominações imperiais.
Cena do cinema: Morgan Freeman e Matt Damon em Invictus
Cena real: Mandela entrega o troféu a Pienaar em 1995 no Ellis Park
Luis Buñuel disse que um filme não deveria apelar para a
emoção. Para ele, isso era um recurso vulgar. Ninguém é perfeito, e o mestre
Buñuel estava errado.
Não consigo assistir a Invictus, de Clint Eastwood, sem me emocionar, e não
vejo razão para que a emoção provocada por uma obra de arte deva ser condenada
por motivos meramente estéticos, com o perdão do advérbio.
O filme conta a história da Copa do Mundo de rúgbi realizada
na África do Sul em 1995, já governada por Nelson Mandela. Copiando um texto
explicativo da ESPN: "Em 1995, a Copa do Mundo de rugby desempenhou um
papel importantíssimo na história da África do Sul. Nelson Mandela,
recém-eleito presidente, apostou suas fichas no esporte e na conquista do
Mundial para tentar unificar o país separado pelo apartheid. Abraçados pelo
líder da nação, os Springboks (a seleção sul-africana) conseguiram unir negros
e brancos, mesmo que momentaneamente, ao vencerem justamente a Nova Zelândia na
grande final".
Invictus, título de um poema do inglês William Ernest Henley
(1849–1903), é um sensível e delicado libelo antirracista. A sensibilidade e a
delicadeza são, de resto, duas qualidades permanentes na obra do grande diretor
Clint Eastwood, o que é paradoxal, já que ele é membro da Associação Nacional
de Rifles (NRA, na sigla em inglês) dos Estados Unidos.
Eu diria que o republicano Eastwood desmente suas posições
políticas com seus filmes em que fala da alma humana como poucos, como na sua
obra-prima Os Imperdoáveis, sobre o qual já escrevi (leia aqui).
Ao unir esporte e política, Invictus mostra um Mandela
tolerante e agregador. Ele deixa seus seguidores furiosos, por exemplo, ao
apoiar o time de rúgbi, que era historicamente identificado com os brancos, e por
isso odiado pelos negros – mas suas motivações se mostram acertadas e,
liderados pelo capitão François Pienaar (Matt Damon), os Springboks arrancam
forças para conseguir o que parecia impossível: vencer o temível time do All
Blacks, apelido da seleção da Nova Zelândia.
Mandela também enraivece o chefe (negro) de sua segurança ao
incorporar ao "time" que vai protegê-lo de possíveis atentados os membros
(brancos) da segurança de antigos chefes de Estado identificados com o
apartheid. Tudo justificado pelo perdão. O que pode soar glamoroso ou falso.
Mas qual o problema de um filme divulgar a paz? Eastwood, o defensor de armas, diretor de um filme que fala de paz e de poesia.
Invictus tem inúmeras cenas e sequências que emocionam. Como
a sequência em que François Pienaar (Damon) e os companheiros de seleção
visitam o presídio em que Mandela ficou preso por 27 anos. Então, o poema Invictus (que Mandela/Freeman lhe dera de presente num papel) passa pela mente do atleta e capitão, enquanto sua imaginação também lhe
traz a imagem de Mandela (Morgan Freeman), prisioneiro, quebrando pedras.
"Eu sou o mestre do meu destino
Eu sou o capitão da minha alma",
diz o poema.
Ótima a sequência em que os seguranças branco e negro de
Mandela, pouco a pouco, vão quebrando o gelo da inimizade racial se unindo em
torno do time do país, no estádio Ellis Park, em Joanesburgo, em que decide e
vence o título mundial contra os neozelandeses.
Mais tarde, François Pienaar contou, em entrevista à BBC, a cena em que Mandela
lhe entrega o troféu: “quando subi ao pódio o sr. Mandela esticou a mão e me
disse: ‘Obrigado, François, pelo que você fez por este país', eu queria saltar
e dar-lhe um abraço, mas eu disse para ele: 'não, senhor, obrigado pelo que
você fez para este país'”.
A cena e o diálogo são reproduzidos literalmente no filme.
A música de Invictus, que mistura temas ocidentais e
africanos, também ajuda a emocionar. O filme é belíssimo. E, sobre Morgan
Freeman e Matt Damon, o que dizer? Eles dispensam apresentações.
Para quem é normalmente considerada uma figura pouco afeita
à política, Dilma Rousseff mostrou na última quinta-feira, 31 de agosto, que
não é bem assim. Em um discurso pausado e calmo, de quase uma hora e meia, na Associação Brasileira de Imprensa, a
ex-presidente da República deixou claro que está longe de ignorar algumas algumas relações bastante sutis da política.
É interessante destacar, por exemplo, sua avaliação sobre a
(aparente?) divisão no seio do grupo golpista que tomou o poder de assalto, no
golpe consumado em 31 de agosto de 2016, mas que havia sido desfechado com sucesso, e desde então definitivamente, em 17 de abril na Câmara dos Deputados: “Tem uma cisão (entre os golpistas),
mas tem também uma unidade entre eles: unidade pela reforma da Previdência,
pela reforma trabalhista, pela entrega das terra férteis, pela entrega da
Petrobras”, disse, no evento "descomemorativo" de um ano do golpe.
Dilma parece ter politicamente amadurecido anos no último
ano. Deve ter aprendido muito com seus erros políticos e as justas críticas que recebeu sobre sua
condução da política econômica a partir de 2014, cujo clímax foi a nomeação de Joaquim Levy
para comandar a Fazenda no segundo mandato. Críticas como a de Luiz Gonzaga Belluzzo, que me disse em dezembro de 2014: "O país está entregue à ignorância
dos macroeconomistas (...) Eles vão cortar
renda e emprego. Só que isso vai ser feito com uma recessão."
Ou como disse André Singer esta semana: "Sou crítico a Dilma, principalmente pela nomeação de Joaquim Levy (ao ministério da Fazenda), um grande equívoco, mas faço questão de fazer justiça a ela, porque ela foi corajosa no sentido de implementar um programa que decidi chamar de ensaio desenvolvimentista"
É certo que Dilma errou e não errou pouco. Só que errar ou
conduzir equivocadamente as políticas de Estado estão longe de justificar a
estupidez golpista que assola este país desde que se tornou uma República. No
evento da ABI, a ex-presidente afirmou que o golpe que a derrubou mostra "por
que temos a mais egoísta, atrasada e irresponsável elite”. As elites de outros
países, acrescentou, “pensaram em sua nação, perceberam que seu destino seria
maior se elas incorporassem o destino de seu povo. No nosso caso, tivemos
sempre uma imensa dificuldade de fazer os processos mais simples de inclusão”, disse ela. Para mim, o país-paradigma dessa observação de Dilma chama-se Estados Unidos da América.
Essas avaliações podem parecer óbvias, mas não são. Vi analistas
políticos destacarem a divisão que haveria entre os líderes do golpe, ou pelo
menos a falta de coesão que poderia comprometer o próprio sucesso de seus
planos a médio prazo. O "racha" que dentro do PSDB seria um dos mais
importantes. Tudo ledo engano.
A avaliação de Dilma ("tem uma cisão, mas tem também uma unidade entre eles") é muito mais lúcida. Me faz lembrar o que
disse o cientista político Vitor Marchetti, da UFABC, há um mês, quando o
assunto do momento era a divisão dos tucanos entre os que queriam ficar e os
que defendiam abandonar o barco de Temer: "Acredito que essa divisão do PSDB
tenta dialogar com as duas pontas da sociedade: a daqueles que não toleram a
corrupção e mantêm esse discurso de ‘fora todos, não aceito corrupção’ etc.,
mas também dialoga com a parcela para a qual o que importa é que as reformas avancem. Até a divisão do PSDB pode ter sido orquestrada”, disse Marchetti. “O
partido não fechou com Temer, mas apoia a agenda de desenvolvimento segundo a
agenda liberal. Eu acho, inclusive, que eles fizeram as contas, sobre quem vota
a favor e quem vota contra.” Embora circunscrita ao PSDB, a análise é a mesma que Dilma faz em relação ao conjunto mais amplo dos golpistas para além do PSDB.
A fala de Dilma na ABI me parece, em certos aspectos, mais precisa do que os discursos do próprio Lula, que, apesar de seu carisma,
sua liderança, sabedoria e genialidade política, às vezes soa como um populismo ultrapassado e cansativo.
Outro aspecto que tem me impressionado é a maneira como
Dilma tem sido recebida pela militância e mesmo por setores mais amplos do que
o próprio PT. Ela é recebida com enorme receptividade. Torturada por covardes
na ditadura, primeira mulher presidente do Brasil e deposta pela "mais
egoísta, atrasada e irresponsável elite", Dilma é um símbolo. Um símbolo
guerreiro em um país colonizado e pusilânime.
Como já escrevi em post no ano passado: "Minha
imaginação me leva, conduzido por Platão, a uma situação. Imaginemos que o
Brasil fosse hoje um país que, com todas as suas características (a diversidade
principalmente), estivesse no patamar de uma nação desenvolvida e politicamente
respeitada, na qual as oligarquias espúrias tivessem sido reduzidas a sombras
da história e não mais influenciassem a vida do país.
"Nessa hipótese platônica, governando um país que tivesse
superado sua triste vocação a colônia, Dilma Rousseff seria uma presidente e
líder sofisticada".
No caso brasileiro, temos ainda o congênito problema da
apatia de um povo que não reage e que é tratado pela esquerda como
pobre vítima. "Por que o povo está tendo seus direitos e
interesses massacrados e ainda não entrou em cena aqui no Brasil, eu ainda não
sei”, me disse o deputado federal Wadih Damous (PT-RJ) recentemente.
Mas falar o povo brasileiro é outro assunto. Fica para outra
oportunidade.
Na era dos pontos corridos, é bom lembrar de quando o Campeonato Brasileiro tinha graça, já que hoje o Brasileirão não interessa a não ser para "se classificar para a Libertadores".
Na época de ouro do boxe, era costume a gente (todo mundo) se
referir a um grande combate como "a luta do século". No futebol, como no boxe,
isso é discutível, claro. Depende do ponto de vista.
Mas não importa. O "jogo do século" aconteceu no dia 15 de dezembro de 2002, no
Morumbi, quando o Santos bateu o Corinthians por 3 a 2 e sagrou-se campeão
brasileiro depois de 18 anos sem ganhar um título importante. Foi o último campeonato antes da era dos pontos corridos, iniciada em 2003.
Os melhores momentos do jogo, com a narração magistral (de rádio) do grande José Silvério:
Como disse um comentarista na época, aquilo "não foi um
jogo de futebol, foi uma ópera". Independentemente de eu ser santista, foi
um dos maiores jogos de futebol que vi na vida. No caso, o maior, o "jogo
do século".
Estávamos lá, a família reunida, Carmem (também conhecida
como Jacaré do Rio Claro ou Eminência Parda) e Gabriel. Vimos tudo do lado
esquerdo do Santos no primeiro tempo e do lado direito no segundo. De maneira
que testemunhamos Robinho fazer as jogadas do primeiro e do segundo gols mais
de perto ("mais" porque o Morumbi é um estádio enorme e você não fica
tão perto do campo como no maravilhoso Pacaembu ou na sagrada Vila Belmiro).
Também vimos o monstro Fábio Costa, com suas defesas
monumentais, numa das mais incríveis atuações de goleiro que já vi. E olha que
já vi Cejas e Rodolfo Rodrigues, só pra falar de santistas. A 1 (um) minuto de jogo, Fábio Costa, que veio da Bahia, já começava a mostrar que
aquele título já estava escrito nas estrelas, como talvez dissesse Nelson
Rodrigues. É só ver o vídeo.
***
Não publico aqui por efeméride nem nada parecido. É que
postei esse vídeo acima no Facebook e resolvi registrar aqui porque em blog se
registra mais definitivamente -- no face, daqui a uma semana, ninguém acha mais
(a fragmentação é deliberada) -- e, afinal, tenho amigos que não têm conta na
rede social.
O Santos podia até perder por um gol de diferença que seria
campeão (porque ganhou o primeiro jogo de 2 a 0) e vencia por 1 a 0 até 30 do
segundo tempo. Mas, quando a gente começava a timidamente querer comemorar
(nunca se comemora uma vitória contra o Corinthians de antemão), eles empataram,
aos 30, e viraram aos 39. Sofrimento, tensão extrema, taquicardia, até falta de
ar. Mais um gol e aquele maravilhoso time de meninos de Emerson Leão perderia para a equipe de
Carlos Alberto Parreira, um belo time de um grande técnico, diga-se.
Mas, 3 minutos e meio depois do segundo gol corintiano, Elano marcou o segundo do Peixe,
aos 43. O gol do título. Elano saindo pra comemorar o gol e o título levantando a
camisa e mostrando a imagem de Nossa Sra. Aparecida, a padroeira do Brasil. Ou
seja, foi um gol mágico e espiritual para coroar um título mágico e espiritual. Só santista entende isso.
Estava 2 a 2. Eram 43 do segundo tempo e o Corinthians, o sempre terrível adversário, precisava então fazer dois gols em 4 minutos. Éramos campeões! Chorávamos na arquibancada.
O gol do título, talvez o maior gol que o maior ataque do
mundo já fez (o Santos é o time que mais fez gols na história do futebol, com cerca de 12.400 gols). A
jogada foi um desenho geométrico (pode conferir no vídeo), um triângulo
(Elano-Robinho-Elano) para a antologia do futebol.
Elano seria, aliás, autor do gol do título brasileiro de
2004 também. Mas aí já era campeonato de pontos corridos, que os brasileiros
resolveram copiar dos europeus para estragar nosso campeonato nacional, para
regozijo da "crônica esportiva", que até hoje bate palmas para essa
estupidez.
* Digo que o campeonato de 2002 foi o último que teve graça porque foram raros os que, a partir da era dos pontos corridos (2003), emocionaram. Curiosamente, um dos únicos foi o de 2004, quando de novo o campeão foi o Santos, numa disputa que só terminou na última rodada, aos 45 do segundo tempo.
***
As escalações da final de 2002:
Santos: Fábio Costa; Maurinho, André Luís, Alex e Léo; Paulo Almeida, Renato, Elano e Diego (Robert, depois Michel); Robinho e William (Alexandre). Técnico: Émerson Leão
Corinthians: Doni; Rogério, Anderson, Fábio Luciano e
Kléber; Vampeta, Fabinho (Fabrício) e Renato (Marcinho); Gil, Deivid e
Guilherme (Leandro). Técnico: Carlos Alberto Parreira
Eu tinha 7 anos. Minha mãe, a Leila, me levava e buscava num certo ponto onde o ônibus escolar me pegava e deixava. Eu era muito
magrinho e relativamente pacífico -- mas era de escorpião. Por ser magrinho, franzino, os moleques vinham pra
cima de mim na escola, e eu era meio "arregão". (A escola é a primeira grande prova a que a civilização nos submete.)
Tinha um menino (chamava-se Marcos) que
encanava de me dar uns tapas, e eu não reagia. Minha mãe via.
Um dia, minha mãe, indignada, disse:
- Eduardo, se você apanhar desse menino mais uma vez, você
vai apanhar dele e de mim.
Nunca vou esquecer essa lição muito valiosa que dona Leila me
deu. Ela estava me ensinando, ela queria dizer que eu tinha que me defender, senão eu estava morto.
Desde aquele dia, entendi que, neste mundo, ou você se defende e reage,
ou os caras montam em você. Aí, então, eu passei a não mais tomar a primeira
porrada.
Quando via que uma briga era inevitável (o que procurava evitar ao
máximo), quando eu via que ia apanhar, eu não esperava e dava a primeira
porrada, antes do meu oponente. Eu era rápido, pegava ele de surpresa e saía em vantagem. E assim foi. Os outros, fisicamente mais fortes, passaram a me respeitar. Minimamente, porque, afinal, eu continuava magrinho e não tinha muita chance.
Essa
estratégia do ataque súbito passou a ser a melhor defesa que eu tinha (eu que
era magrinho, mas ágil) diante de um mundo selvagem em que os moleques matavam
passarinhos e batiam nos outros moleques.
Mais tarde tomei gosto por jogar xadrez, e meu ídolo era o Garry Kasparov. Um gênio, cuja estratégia era sempre o ataque.
Eu não matava passarinhos, e ver os guris matarem me deixava
indignado.
Para jornalista do SporTV, Michel Temer é "golpista" e "traidor"
Reprodução/Uol
Interessante a entrevista do jornalista e narrador Milton
Leite, do SporTV, ao Uol. Milton é atualmente, na minha opinião, o melhor narrador de futebol da TV (essa questão do narrador renderia um post à parte,
mas não tenho tempo para isso agora).
É que, de Milton Leite, por ser funcionário do SporTV, e
portanto da Globo, não se esperaria uma entrevista em que falasse de política
com tanta naturalidade como falou ao Uol. Eu li a edição do Brasil247. A original do Uol é tão editorializada que me cansou. É mais gráfica do que textual, e isso me incomoda.
Na entrevista, Milton diz que o Brasil é hoje governado por
uma quadrilha. "Porque não houve crime para o impeachment (de Dilma). Acho
que estamos vivendo uma fase lamentável. A gente tem uma quadrilha no poder.
Tem reformas absurdas sendo feitas para tirar direitos trabalhistas, de
Previdência. Estamos vivendo um dos piores momentos da história porque,
diferentemente da ditadura, que foi militar e violenta do ponto de vista
físico, de constrangimento e censura, agora estamos em um estado de exceção,
praticamente com a permissão da Justiça”, disse.
Uma passagem da entrevista que chama a atenção é o que o
jornalista tem a dizer sobre o ex-presidente Lula: "Eu acho que o Lula foi
o melhor presidente da República que o Brasil já teve. Conseguiu tirar tanta
gente da pobreza. Mas acho também que ele cometeu erros inaceitáveis para quem
vinha de um partida popular trabalhista como ele vinha".
Sobre Michel Temer: "Esse é golpista. É traidor
porque fazia parte da chapa da Dilma. Isso não dá direito de não só derrubar a
Dilma, como fazer o contrário do que eles haviam se proposto a fazer. Então,
esse é um político pelo qual eu não tenho o menor respeito".
E sobre Sérgio Moro, o príncipe de Curitiba: "É um juiz que ficou embevecido com o poder, com o sucesso e com a popularidade. É um cara que tem cometido uma série de arbitrariedades".
Como eu disse, a edição do Uol é editorializada (e
certamente não por acaso). Então fica difícil saber por essa edição o que o Milton Leite considera "erros inaceitáveis"
de Lula. Mas até eu (apesar do inconformismo de amigos próximos) tenho críticas
não muito palatáveis ao Lula.
Mas, enfim, fica o registro. Registro que tem a ver com o
fato de, em alguns momentos, vendo as narrações de Milton Leite, eu me pegar
perguntando "mas o que será que o Milton pensa de política?". Algumas
respostas ele deu nessa entrevista.
Acho interessante observar o seguinte: nem Juca Kfouri, nem
José Trajano, dois dos poucos jornalistas da área esportiva que são muito
respeitáveis -- que não escondem nada, nem puxam o saco de ninguém --, disseram
(que eu saiba) essa frase: "Lula foi o melhor presidente da República que
o Brasil já teve". Para minha surpresa, Milton Leite disse.
Abaixo seguem os links com a edição do Brasil247 e a
original do Uol:
A morte transforma as pessoas, na imprensa, em um título e
alguns atributos. O intelectual Marco Aurélio Garcia (1941-2017), que morreu
ontem, se transformou em "ex-assessor especial de Lula e Dilma". É só o que as manchetes anunciam.
O único encontro pessoal que tive com Marco Aurélio Garcia, quando
pude conversar com ele em particular (e fiz a foto que ilustra este post), foi há apenas dois meses, em rápida entrevista de exatos 10 minutos e 33 segundos
para a RBA, antes de um encontro reservado que ele teria com alguns jornalistas e ativistas,
do qual não participei porque ainda tinha de escrever a matéria (que está aqui).
O papo foi de certa forma frustrante, já que ele era uma
figura de pensamento amplo e os poucos dez minutos e meio eram claramente
insuficientes para uma entrevista satisfatória, mas era o tempo que tínhamos
acordado, para não atrasar o debate para o qual ele se dirigira.
Ele não falava sobre conjuntura de maneira direta e suas
respostas não eram fáceis. Como era historiador, precisava construir um
panorama e estabelecer inúmeras relações entre os fatos políticos e históricos para responder a uma pergunta sobre a crise política ou o que poderíamos esperar do atual
cenário obscuro do país, por exemplo.
O respeito que Marco Aurélio inspirava era visível quando havia reuniões do PT. Suas aparições -- que não eram comuns,
mas se restringiam a eventos importantes do partido -- eram motivo de euforia: você via alguns repórteres da grande imprensa ávidos por algumas palavras que
fossem de Marco Aurélio Garcia, os mesmos repórteres que dali a pouco
escreveriam as reportagens sobre o mensalão ou, mais
recentemente, sobre a Lava Jato, reportagens que obviamente alimentariam e alimentam até hoje as "provas" da força-tarefa. Afinal, algumas palavras dele poderiam dar
brilho a qualquer reportagem, mesmo que mentirosa ou medíocre.
Os repórteres ávidos não são bobos. Afinal, Marco Aurélio era um dos principais quadros do PT, um dos que de fato não se
deixaram vencer pelo apego ao poder.
Como um dos arquitetos da política externa de Lula e Dilma, ele
foi dos que preferiram atuar mais nos bastidores e na construção do que sob os
holofotes.
Talvez por isso, um dos maiores trunfos da "grande
imprensa" em relação a ele foi ter conseguido flagrá-lo "fazendo um
gesto obsceno enquanto assistia a um telejornal", o que foi exibido em
manchetes como um troféu, já que era preciso de alguma forma "pegar"
Marco Aurélio. Mas nunca pegaram.
Ele se manteve íntegro até o fim.
Segundo seu amigo Roberto Amaral, do velho PSB que já não
existe, Marco Aurélio tinha planos. Diz Amaral, sobre o último encontro com ele,
no artigo "Tributo a Marco Aurélio de Almeida Garcia":
"Estivemos juntos, pela última vez, há cerca de dois
meses. Marco Aurélio, alegre, nos apresentou seu novo apartamento paulistano,
da qual destacava, como salões nobres, sua cozinha-copa-sala de estar “montada
como um bistrô”, dizia ele, e o espaço reservado para sua imensa e rica
biblioteca que ainda não conseguira pôr em ordem. Eu lá estava, na companhia
da cineasta e produtora Cláudia Furiati que desejava seus conselhos para um
filme (que ainda pretende rodar) sobre a esquerda latino-americana. A visita
começou com um belíssimo jantar, elaborado por ele enquanto degustávamos um
majestoso vinho sacado de sua adega. A noite não tinha pressa. Terminamos esse
encontro, que eu jamais pensei ser o último, ouvindo-o dissertar sobre o plano
de seu livro de memórias. O infarto traiçoeiro nos proibiu dispor de uma peça
literária de grande porte, e de um depoimento crucial sobre a política
brasileira de nossos dias."
O pavãozinho de Curitiba resolveu sequestrar os bens de
Lula. Encontrou três apartamentos em São Bernardo do Campo e um terreno no
Riacho Grande, além de um Ômega 2010 (não gosto do modelo) e uma Ranger 2012
(idem).
Na lista, não aparece o "bem" que resultou em sua
condenação, o triplex no Guarujá. Nem sítio algum. O triplex foi confiscado na
condenação, mas a Justiça ainda não achou o dono para comunicá-lo do fato --
detalhe irrelevante. Portanto, ele continua lá, onde sempre esteve, e vazio,
como sempre esteve.
Não sei bem o que o magistrado pretende com esse confisco,
além de dar sequência a uma perseguição abominável ao seu alvo predileto, seu
objeto de onanismo, o combustível que lhe faz levantar todos os dias pela manhã
para dar o nó na gravata preta sobre a camisa idem.
Mas me chamou a atenção o desprezo por um dos veículos do
ex-presidente, que como chefe do maior esquema de corrupção da história do
planeta conseguiu amealhar patrimônio decididamente invejável: além de três
apês e um terreno no ABC, um incrível Ômega, uma possante Ranger e uma...
INACREDITÁVEL PICAPE FORD F1000 1984!!!!
Caralho, uma F1000! E 1984! DIESEL, PORRA!!!! IGUAL A ESSA
AÍ EMBAIXO!!!!
Não sei o estado dela, porém. Tomara que esteja linda como
essa da foto que achei na internet.
De fato, Lula roubou muito. É notória a preferência, na
história dos grandes larápios de dinheiro público do planeta, por apês em Bernô
e terrenos no Riacho Grande, assim como por caminhonetes usadas.
Aliás, queria dizer uma coisa. Esse negócio de avião,
helicóptero, casa de 20 mil metros nos Jardins (com muros imaculados e IPTU
sonegado), mansão em Campos do Jordão (com terreno invadido para colocar o
gerador), apartamento em Miami (não declarado), estúdio em Paris, cobertura na
Vila Olímpia, contas na Suíça, joias, Porsches, Ferraris, Lamborghinis, iates,
lanchas... Sério, alguém acha que isso pode ser fruto de dinheiro sujo? Isso é
coisa de jeca, mesmo, de novo-rico que curte um Romero Britto, sua arte.
Roubalheira de gente grande resulta em uma F1000 1984, que o
pavãozinho de Curitiba, inclusive, decidiu não confiscar. No seu despacho de
sexta-feira, que veio à tona hoje, está lá, com todas as letras: "A
constrição do veículo Ford F1000, de 1984, indefiro pela antiguidade do
veículo, sem valor representativo".
Gostaria de me ater a este rasgo de generosidade do togado
do rosto quadrado, uma vez que é área na qual milito, a dos automóveis e afins.
COMO ASSIM, UMA F1000 NÃO TEM VALOR REPRESENTATIVO? DE QUE
PLANETA VEIO ESSE CIDADÃO? COMO PODE DIZER ISSO DE UM CLÁSSICO DA FORD, QUE
VEIO PARA DESBANCAR A D10 DA CHEVROLET E FEZ DAS PICAPES UM SONHO DE CONSUMO
DOS JOVENS URBANOS, TIRANDO-AS DAS ESTRADAS POEIRENTAS DO BRASIL?
Nota-se que o meritíssimo não entende um caralho de carro,
entre outras coisas.
Em 2014, quando Dilma Rousseff chamou para consultas seu
embaixador em Tel Aviv, a diplomacia israelense disse que o Brasil era um
"anão diplomático", nas palavras do então porta-voz do Ministério das
Relações Exteriores de Israel, Yigal Palmor. O motivo da agressão era o fato de
a presidente brasileira ter repudiado o uso desproporcional da força sionista
contra os palestinos em Gaza. Três anos depois, o Brasil de fato é um
"anão diplomático". Por ironia da história, justamente porque o
governo Dilma foi derrubado por um golpe parlamentar que levou Temer ao poder e
transformou o Brasil nesse anão.
Em termos de política externa, o governo Temer é pequeno, de
fato um anão diplomático. Não apenas, mas principalmente, por sua política
ideologizada e medíocre. Por exemplo ao liderar um boicote mesquinho contra a Venezuela, junto
com a Argentina de Mauricio Macri, jogando no lixo a própria
tradição do Itamaraty, que sempre primou pela diplomacia e o equilíbrio -- seja com Collor, Fernando Henrique, Lula ou Dilma.
"Temos uma posição, no caso da Venezuela, muito
equivocada. Tudo para procurar se alinhar com a política exterior americana (...) Estamos manchando a imagem do Brasil com um
país que respeita os outros", me disse o diplomata Samuel Pinheiro
Guimarães em entrevista para a RBA.
Mas o governo é um "anão diplomático" na política
externa não só pela ideologização, como também por protagonizar episódios
rocambolescos, risíveis mesmo, na pessoa do próprio presidente da República. No
final de junho, em visita oficial à Noruega, Temer chamou o rei norueguês
Harald V de "rei da Suécia". Isso num evento oficial, dirigindo-se à
primeira-ministra da Noruega, Erna Solberg, em pessoa.
Para não dizer que é perseguição de jornalista de esquerda, o incensado colunista
Bernardo Mello Franco, da Folha de S. Paulo, anotou (em 23 de junho): "A
viagem de Michel Temer à Europa produziu um vexame internacional. Enquanto o
presidente passeava em Oslo, o governo da Noruega anunciou que cortará pela
metade a ajuda ao Fundo Amazônia. O motivo é o fracasso do Brasil no combate ao
desmatamento".
"Os jovens estão muito preocupados com a desmoralização do Estado brasileiro em nível
internacional", disse Samuel Pinheiro Guimarães na entrevista acima citada, ao comentar o manifesto de diplomatas brasileiros em nome do "restabelecimento do pacto democrático" do país, após a violenta repressão às manifestações em Brasília no final de maio.
E assim caminha o Brasil na segunda década do século 21.
"Detesto as vítimas quando elas respeitam seus carrascos" (Sartre)
O Kiko Nogueira escreveu o que, em linhas mais fragmentadas próprias à rede social, eu escrevi em postagens efêmeras no Facebook. Por isso economizo o trabalho de construir um texto e reproduzo abaixo. A ideia é: por que setores da esquerda brasileira fazem papel tão subserviente? Por que tanta solidariedade a gente como Reinaldo Azevedo, Rachel Sheherazade e Míriam Leitão? Até o PT divulgou uma nota oficial sobre o caso do "ataque de violência verbal" contra a pobre jornalista da Globo! Na minha opinião, Freud explica. A esquerda brasileira precisa deitar no divã.
O caso do voo de Míriam Leitão jogou luz novamente sobre uma
peculiaridade de certa esquerda brasileira: a solidariedade automática.
Imediatamente após a publicação da coluna da jornalista sobre um
episódio de "violência verbal" de que teria sido vítima, perpetrada
ao longo de mais de duas horas por "delegados petistas" e
"representantes do partido", muita gente boa acorreu em sua defesa.
Foi covardia, canalhice, fascismo, machismo, intolerância,
linchamento, estupidez, mata, esfola, desgraçados, assim não dá, é tudo igual,
coitada da Míriam etc etc.
A questão é que Míriam mentiu.
A não ser que tenha na manga alguma evidência que não usou
ainda — o que seria igualmente estranho —, os fatos simplesmente
não ocorreram como ela contou depois de transcorridos dez dias.
Há pelo menos dois depoimentos de presentes a desmentindo em
pontos chaves, além de um vídeo e da própria companhia aérea.
Toda a empatia a Míriam foi baseada em sua
história manca. Seus defensores não se preocuparam em checar nada.
Bastou enquadrar tudo num formato apriorístico e mandar bala.
Para ficar apenas num exemplo, o bom colunista Leonardo
Sakamoto escreveu que "rasgamos o pacto que os membros da sociedade
fizeram entre si para poderem conviver (minimamente) em harmonia".
"É um Fla-Flu, um nós contra eles cego, que utiliza
técnica de desumanização de quem participa do debate público, transformando
pessoas em coisas descartáveis", diz. Etc.
Noves fora o fato de que Sakamoto comprou a versão da
colunista do Globo na maior, é preciso lembrar que o clichê idiota do
"Fla-Flu" já expirou a data de validade há décadas.
Um lado, o Fla, bate. O outro, o Flu, apanha. Republicanamente.
Num excelente artigo sobre a polarização, o professor Aldo
Fornazieri, diretor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, anotou que
"nas repúblicas democráticas bem constituídas não é o consenso, não é a
paz dos cemitérios, não é a passividade que constroem bem estar e boas
leis".
Essa é a hipocrisia nacional, aponta Fornazieri.
É evidente que não se advoga a porrada. Mas é preciso dar às
coisas o nome que elas têm.
Há uma certa noção equivocada de superioridade moral nessa
esquerda, que acaba provocando reação desse tipo. A vaidade da falsa
humildade. De quem se acha tão acima do adversário que o afaga, por mais
criminoso que o outro seja.
Quando Rachel Sheherazade foi "humilhada" por
Silvio Santos, seu patrão e ídolo, a mesma grita se deu.
No dia seguinte, Sheherazade estava rindo das mulheres que a
apoiaram incondicionalmente. Nossa colunista Nathalí Macedo comentou
sobre essa
sororidade.
Sheherazade e Míriam não precisam da sua
imensurável bondade cristã porque têm as costas muito mais quentes que a
sua e jogam o jogo.
"Detesto as vítimas quando elas respeitam seus
carrascos", disse Sartre.
Míriam deseja denunciar o ódio que grassa no Brasil? Ódio
mesmo? Ódio figadal?
Que tal, ao invés de falar de si mesma, apelando para seu
passado contra a ditadura, meia dúzia de palavras sobre o fato de Sérgio Moro
não absolver Marisa Letícia mesmo depois de morta? Sim: depois de morta.
Que tal um auto exame?
Se alguém merece desculpas, são os militantes retratados
como uma turba ignóbil de stalinistas no texto — usarei um eufemismo — obscuro
de Míriam Leitão, espancados à direita e à esquerda.
Monstros que cantaram "a verdade é dura, a rede
Globo apoiou a ditadura".
"Tenho para mim que o impeachment de Dilma não ocorreria não
fossem as Jornadas de Junho", diz ex-prefeito de São Paulo
Ainda bem que é Fernando Haddad quem fala, e não eu (quando falei que o início do golpe foram as manifestações de 2013, colegas e até amigos vieram pra cima de mim como se eu fosse um blasfemo).
O trecho abaixo é de Haddad publicado na Piauí, agora em junho.
"Durante os protestos de 2013 no Brasil, a percepção de
alguns estudiosos da rede social já era de que as ações virtuais poderiam estar
sendo patrocinadas. Não se falava ainda da Cambridge Analytica, empresa que,
segundo relatos, atuou na eleição de Donald Trump, na votação do Brexit, entre
outras, usando sofisticados modelos de data mining e data
analysis. Mas já naquela ocasião vi um estudo gráfico mostrando uma série de
nós na teia de comunicação virtual, representativos de centros nervosos
emissores de convocações para os atos. O que se percebia era uma movimentação
na rede social com um padrão e um alcance que por geração espontânea
dificilmente teria tido o êxito obtido. Bem mais tarde, eu soube que Putin e
Erdogan (presidentes da Rússia e da Turquia) haviam telefonado pessoalmente para Dilma e Lula com o propósito de
alertá-los sobre essa possibilidade."
E, abaixo, o link de um artigo de F. William Engdahl,
publicado logo após a reeleição de Dilma, em novembro de 2014, no qual o
pesquisador chamou a atenção para uma coincidência envolvendo a
visita do então vice-presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, ao Brasil, em
maio de 2013:
"Dilma Rousseff tinha uma taxa de popularidade de 70 por
cento. Menos de duas semanas depois da visita de Biden ao Brasil, protestos em
escala nacional convocados por um grupo bem organizado chamado 'Movimento Passe
Livre', relativos a um aumento nominal de 10 por cento nas passagens de ônibus,
levaram o país virtualmente a uma paralisação e se tornaram muito violentos. Os
protestos ostentavam a marca de uma típica 'Revolução Colorida', ou
desestabilização via Twitter, que parece seguir Biden por onde quer que ele se
apresente. Em semanas, a popularidade de Rousseff caiu para 30 por cento."
O único comentário que me ocorre: como podem Lula, Dilma e seus assessores serem tão ingênuos, ou "republicanos", como preferiam dizer? Certamente não foram só Putin e Erdogan que os alertaram. Mas quantos tenham sido, foi inútil.
"A construção do pós-guerra foi uma coisa fantástica.
Daquela tragédia saímos para um momento em que foi possível preservar a
liberdade melhorando as condições da igualdade. Ser de esquerda quer dizer
isso, queremos liberdade com igualdade. Não queremos tropelias e totalitarismo" (Luiz Gonzaga Belluzzo - Unicamp/31 de maio de 2017).
Os irmãos Richthofen, Andreas e Suzane (Foto: Reprodução)
Ao escrever estas curtas impressões, esclareço que minha preocupação, aqui, não tem
a ver com filtros do senso comum. A
premissa é que escrevo pensando em algo "más allá", mas sempre dentro da esquerda
brasileira.
Dito isso, quero dizer que a esquerda brasileira tem que evoluir muito para ser transformadora. Penso no
mestre Pier Paolo Pasolini.
Uso para esta modesta análise impressionista o caso Andreas von Richthofen. Como era de se esperar, após vir a público a informação de
que Andreas -- o irmão de Suzane, condenada por ser a autora
intelectual do assassinato dos pais em 2002 -- foi encontrado em condições
precárias e com "sinais de uso de drogas", não tardaram as abordagens
simplistas e, eu diria, espiritual e filosoficamente limítrofes, sobre o caso, por parte da nossa nobre esquerda.
Uma dessas abordagens, típicas, diz o seguinte: "é fácil ter compaixão e
empatia pelo Andreas. Bem nascido, loirinho, frequentou os melhores colégios e
vivemos, todos, a sua dor. Vimos a destruição da sua família. Solidarizamos a
dor dele, quando teve os pais assassinados. Difícil mesmo é enxergar humanidade
e ter compaixão e empatia com o viciado que parece vindo de outro mundo. Que é
analfabeto. Que sempre morou na rua e que já passou pela cadeia algumas vezes".
Data venia, é o mesmo tipo de argumentação que encara um atentado como o de Paris em
2015, ou o de Manchester, no mês passado, com afirmações do tipo: é fácil lamentar
as mortes de Paris, mas difícil mesmo é enxergar a humanidade dos assassinados
nas periferias de São Paulo etc etc etc.
É como se a pessoa "bem
nascida, loirinha", abençoada por ter frequentado "os melhores colégios", fosse destituída de humanidade. É um argumento filosoficamente indefensável. Um argumento que, no limite, justificaria os atentados de Paris de 2015.
Ambos, Andreas e o menino pobre da periferia, merecem a
mesma compaixão. A dor de ambos dói igualmente, na alma. Mas na alma deles. A
dor é espiritual e física, e existencial.
Se ser humanista é ser antiquado, eu
sou antiquado. A questão de Andreas estar ou não na Cracolândia não importa.
A esquerda, da qual eu faço parte, precisa ir além do
materialismo e do determinismo.
É óbvio ululante, como diria Nelson Rodrigues, que o país, e
particularmente São Paulo, estão submetidos a políticas higienistas e fascistas.
Voltamos décadas no tempo. Sofremos um golpe (que, aliás, foi conseguido de
maneira tão fácil que chega a ser deprimente ser brasileiro na atual conjuntura
- mas isso é outro assunto).
E não é isso que discuto aqui. Aqui, parto do pressuposto de
que o fascismo é incabível no século XXI. Mas,
repito: a esquerda brasileira precisa ir além do materialismo e do
determinismo.
A esquerda
brasileira deveria ler Nietzsche, Dostoiévski, Sartre e Baudelaire, para
interpretar a história sob perspectivas menos materialistas e deterministas. Perspectivas
que possam superar as abordagens fáceis. Entender o sofrimento de Raskólnikov (o protagonista de Crime e Castigo, de Dostoiévski) da mesma maneira que entende o sofrimento dos perseguidos pelo higienismo fascista de João Doria. São dimensões diferentes. Mas dimensões que precisam ser compreendidas como paralelas.
A esquerda brasileira precisa se desvencilhar de seus moralismos e ir "más allá", se
quiser transformar este pobre Brasil em algo digno de ser chamado de uma
nação.
Imagens: Reprodução (esq.) e CHARLESJSHARP / CC 2.0 / WIKIMEDIA
Por Paulo Maretti
Em A Revolução dos Bichos, George Orwell retrata não a
corrupção e o autoritarismo do poder na Rússia pós-revolução, mas o espírito de
sadismo crônico que o homem carrega irremediavelmente em sua alma. Orwell
personifica os bichos e os transforma em gente, ou, pra quem preferir, espelha
em porcos a ganância sem freios e quase sem leis que nos contorna como num
desenho.
Pois bem. O problema agora é um Projeto de Lei do deputado
federal Valdir Colatto, do PMDB de Santa Catarina e da bancada ruralista (link abaixo),
que pretende simplesmente liberar a caça a animais silvestres da fauna
brasileira, entre eles a onça pintada, uma das mais colossais belezas da
natureza na Terra, que Maias, Incas e Astecas viam como um deus.
Mas o homem branco brasileiro do século XXI, da democracia
enformada, da fome psicótica de lucro e da sede seca por poder enxerga como
alvo para vender a pele.
Li num site semanas atrás que as baratas vivem,
segundo pesquisas científicas, num coletivo solidário, que toma decisões,
sempre, em benefício de todos os componentes do grupo.