Pedro França/Agência Senado
Ele acha perfeitamente relacionável o comportamento da
torcida brasileira que vaia atletas nos Jogos Olímpicos com o dos que ofenderam
Dilma Rousseff na abertura da Copa do Mundo.
“É claro (que tem a ver uma coisa com a outra). Na abertura
da Copa do Mundo, diante de sei lá quantos chefes de Estado, uma presidente
eleita, legítima, mandaram ela tomar no cu. Você quer mais o quê? Nesse
particular, aliás, o povo carioca foi mais educado do que o povo paulista. No
Maracanã, na abertura (da Olimpíada), limitou-se a um 'fora Temer', mas não
mandou tomar no cu.”
Ele diz também que os ataques à nadadora Joanna Maranhão caracterizam "o homem da elite no Brasil".
E ainda: "Não interessa à elite que os excluídos se eduquem".
A entrevista:
Como você contextualiza a Olimpíada no Brasil de hoje?
Com uma sensação ambígua. É uma festa que, tenho certeza, o
Rio de Janeiro jamais esquecerá, com os problemas brasileiros que não adianta a
gente querer esconder, porque eles existem e são visíveis. No caminho para a
Cidade Olímpica, você se depara com um Brasil que é a cara do Brasil, muito
diferente da zona sul do Rio de Janeiro. Mas, enfim, na minha maneira de ver as
coisas, vejo como uma Olimpíada que não estava ainda na hora de o Brasil fazer,
porque uma Olimpíada deve coroar uma política de esportes e o Brasil não tem
uma política de esportes até hoje, aos 516 anos. Não é nem sequer capaz de
tratar o esporte como um fator de saúde pública. Mas é indiscutível, inegável
que é uma festa. O carioca não vai esquecer nunca mais.
Nesse sentido de o Brasil não ter uma política de esportes,
como você compara, por exemplo no futebol, os jogadores brasileiros, muitos dos
quais neopentecostais e sem preparo intelectual algum, com os alemães e os
uruguaios da seleção de Óscar Tabárez, que são preparados em todos os sentidos?
Aí não é uma questão que se resuma, infelizmente, ao
esporte, aos nossos atletas. É fruto de um sistema educacional abafado pela
elite brasileira. Não é à toa que nosso sistema educacional é o que é, porque é
uma maneira que a elite encontra para subjugar a maioria da população. Não
interessa à elite que os excluídos se eduquem. E todos os esforços feitos nos
últimos anos nesse sentido acabam sabotados. Estamos vendo o tamanho da
sabotagem.
Os ataques a Joanna Maranhão são sintoma do ódio disseminado
nos últimos tempos no país, na sua opinião?
É o sintoma mais claro da intolerância a que nós chegamos,
infelizmente. Desta coisa machista, homofóbica, misógina, que caracteriza o
homem dessa elite no Brasil. O cara que tem acesso às redes sociais e se
aproveita do anonimato para fazer esses ataques covardes a uma mulher como ela.
E as vaias a atletas estrangeiros, como no caso do francês,
podem ser vistas como uma coisa simplesmente de torcedor?
Não. É outro fruto da falta de educação. O que se fez com o
francês que concorreu no salto com vara é absolutamente indesculpável. Você
vaiar um atleta na hora em que ele está concentrado para competir, ou no pódio,
não há o que justifique. Uma coisa é você torcer para o seu, outra coisa é você
tentar desequilibrar o adversário. Num campo de futebol, isso faz parte. No
atletismo, na natação, na ginástica, não faz. Mas, de novo: quem está
assistindo a Olimpíada (nos estádios)? É quem tem dinheiro para pagar. Que é
intolerante e mal educado. É grosseiro. E cometeu-se uma grosseria com o
francês, não tenho dúvida nenhuma.
Dá para relacionar esse comportamento com o que foi dirigido
a Dilma Rousseff na Copa do Mundo?
É claro. Na abertura da Copa do Mundo, diante de sei lá
quantos chefes de Estado, uma presidente eleita, legítima, mandaram ela tomar
no cu. Você quer mais o quê? Nesse particular, aliás, o povo carioca foi mais
educado do que o povo paulista. No Maracanã, na abertura, limitou-se a um “fora Temer”, mas não mandou tomar no cu.
No contexto atual, com tudo que a gente está vendo no país,
você vê alguma luz no fim do túnel?
Eu sempre vejo uma luz no fim do túnel. É a coisa
gramsciana: pessimista na análise, otimista na ação. Se eu não acreditasse que
o Brasil pode mudar para melhor e ser um país mais justo, eu já tinha desistido
de ser jornalista e ia fazer coisas que dão mais dinheiro. Mas eu acredito que
são etapas. Nós temos ainda muito a fazer. Temos que fazer um sistema
educacional que esteja à altura das necessidades do Brasil. E temos que ter uma
política de esportes que, antes de mais nada, pense em saúde pública, não em
fazer campeões.
Raramente um jornalista esportivo citaria Gramsci. Na sua
opinião, Gramsci continua atual?
Não tenho a menor dúvida. Eu acho que dos autores marxistas
ele é dos mais atuais.
Por quê?
Porque ele foi um cara capaz de compreender as mudanças que
aconteceram em função da prevalência do sistema capitalista, foi capaz de
entender o papel das religiões, embora eu seja absolutamente descrente, e
entendeu a sociedade moderna capaz de dar um passo adiante na teoria marxista,
no sentido de um entendimento do que seja uma sociedade moderna. Não é à toa
que o PCI foi certamente o partido comunista mais avançado de todos os partidos
comunistas do mundo.
Você concorda com quem torce contra o Brasil ou a seleção
brasileira?
Não. Não porque eu não acredito no quanto pior, melhor. Eu
acho que quanto pior, pior. Uma coisa é a disputa esportiva. Outra é a questão
política. Eu não acho que o fato de o Brasil ir mal em qualquer competição
necessariamente mudará o sistema político. Não é por aí.
Mas é difícil torcer para a CBF, não?
Eu não torço para a CBF. Eu torço por Neymar, por Luan, por
Gabriel Jesus. Eu torço por nossos jogadores. Eu esqueço a CBF.
6 comentários:
Gostei muito das falas do Juca. O comportamento da torcida brasileira, das multidões no Brasil beira o animalesco. Como professora, já passei por situações em que senti que por estarem em um grupo sem rosto, os alunos se expuseram sem adequação ao local; soltaram o ódio ao outro, à convivência e ao ter que respeitar limites mínimos. Sozinhos, cada qual, jamais. Mas também já fui elogiada pelo comportamento deles em outros locais, quando antes fiz uma conscientização de no mínimo uma aula. Mas foi necessária a conscientização antecipada... O brasileiro gosta de cultuar a falta de protocolo, a falta de adequação e educação. E não é só na classe C, D. É também nas classes A e B! Tantas questões históricas mal resolvidas moldaram os brasileiros como rebeldes nas situações em que não deveriam ser e omissos nas que deveriam se revoltar... Só a educação poderá mudar isso; e essa está jogada a escanteio, como uma das últimas coisas importantes para o Brasil, quando na verdade deveria ser a primeira,
Excelente entrevista. O Juca exibe sua inteligência num leque maior, que nem sempre pode se expressar completamente no universo do futebol e do esporte em geral, mais preso à análise de técnicas e táticas de jogo que massageiam nossa visão da realidade.
Sim excelente, além de oportuna. ...é isso agente torce é pelo futebol, pelo nosso futibol
Neymar foi grande ontem, mas querer dele mais que futebol num dá. Imagina que ele teria coragem de colocar uma bandana, 100% democracia, volta querida, dedico este ouro a nossa presidenta,... impossível pq isso seria um mundo perfeito.
Realmente, querer de Neymar mais do que futebol não dá.
"impossível pq isso seria um mundo perfeito"
Com certeza.
Não sabia que eu era gramsciano!... excelente entrevista.
Acho que a seleção brasileira vai dar uma engatada... sou meio como o Juca...na hora não consigo não torcer pro Brasil, só tirar o Hulk de lá pelo amor de deus e bola pra frente..tá bem melhor, pode ficar mais bonito. O chato é que tem jogadores como o Neymar, que não se discute o que joga, gosto de vê-lo jogar, impossível não querer ver o Neymar em campo..mas que perde a noção do ridículo e se estraga. O cara não precisa de holofotes fora de campo e não precisa ser 100% de nada. Mas é o que o Juca fala..."Aí não é uma questão que se resuma, infelizmente, ao esporte, aos nossos atletas..." é por aí
O problema é que eu não consigo torcer por essa cambada de neopentecostais mercenários. Não consigo mesmo!
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