Jornalista e intelectual importante por sua visão relevante da economia, da sociologia e da política, André Singer não foi
porta-voz e secretário de Imprensa da Presidência no governo Lula por acaso. É autor de aguda análise do período iniciado com o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, no livro Os Sentidos do Lulismo (Companhia das Letras). Sua trajetória passa por carreira jornalística sólida, de repórter a secretário de redação da Folha de S. Paulo. Mas (e por tudo isso) sua análise na Folha de hoje, com todo o
respeito, me parece simplista. Leia neste link o artigo de André Singer, "Sinais trocados".
O mundo inteiro, da América do Norte à Europa (e até na
China há reverberações não desprezíveis), passa por uma crise que diversos
analistas consideram a maior do capitalismo desde 1929 (acredito que com exagero).
A crise que devastou a Europa e colocou em xeque a maior potência
do planeta, os Estados Unidos, é real. Mesmo assim, o Brasil “milagrosamente”
conseguiu no primeiro mandato de Dilma Rousseff manter o emprego e a política
do salário mínimo, e sustentar o mercado interno.
Ao contrário de crises anteriores, do final dos anos 1990,
sob Fernando Henrique, o Príncipe, a escolha de Dilma não foi promover o
arrocho e o desemprego, uma das faces mais cruéis do neoliberalismo. Mas isso
tem custo. A escolha do governo brasileiro de colocar o Estado (e seus agentes econômicos,
como os bancos estatais) a serviço de políticas públicas, e também em
investimentos em infraestrutura, ou seja, investimentos de longo prazo, tem
preço. Como, por exemplo, “o rombo das contas públicas”, manchete da imprensa
hoje.
O ano de 2015 não era previsto como fácil por economistas
de todos os matizes, de neoliberais a “desenvolvimentistas”. Fosse quem fosse o
vencedor da eleição, Marina, Dilma ou Aécio, o cenário seria, e será, difícil,
como há muito se sabe. A conta a pagar seria e será alta, como teria sido
em quaisquer circunstâncias. Por exemplo, no caso de, hipoteticamente, José
Serra ter vencido as eleições de 2010. Só que as bombásticas manchetes de
Folha, Estadão e congêneres deste sábado, 1º. de novembro, sobre o rombo das
contas públicas, continuam a investir no pessimismo, como fizeram ao longo de
2013 e 2014. O artigo de André Singer,
data venia, reforça esse pessimismo.
O Estado brasileiro, de 2008 para cá, precisou desenvolver
uma política econômica baseada num difícil equilíbrio para, ao mesmo tempo, não
sucumbir à crise nem, por outro lado, ficar refém do mercado financeiro (leia-se: especuladores). A manutenção do
emprego, na contramão da crise europeia que colocou contingentes enormes de
desempregados nas ruas, foi conquistada com muitas dificuldades. Como disse
acima, isso tem preço. Em período histórico recente, na era FHC, as contas
públicas foram à bancarrota e a opção, perversa, foi jogar a fatura nas costas
do trabalhador. O país chegou a mais de 11% de desempregados, segundo o IBGE.
Quando Lula venceu a eleição em 2002, setores “progressistas”
ficaram indignados com a escolha do presidente metalúrgico para a presidência
do Banco Central, Henrique Meirelles. Mas não custa lembrar que Meirelles “iniciou
sua gestão de presidente do Banco Central em um momento de crise econômica com
o câmbio do dólar em valores próximos a R$ 4,00, taxa de juros Selic de 25% ao
ano, inflação prevista para acima de 11% em 2003”. As aspas são da Wikipedia,
mas os dados são esses mesmos.
Esses índices, em 2014, são os seguintes: o dólar está em R$
2,48, a Selic em 11,25% e a inflação prevista pelo mercado para 2014 é de 6,45%.
Meirelles presidiu o BC de 2003 a 2010. Nesse período e no
posterior, sob Dilma, os resultados das políticas públicas estão aí para quem
quiser conferir. O “conservadorismo” de Lula na política econômica e no Banco
Central esteve a serviço de uma política de distribuição de renda, o que é
inegável.
Dilma tem um desafio enorme. Serão necessários ajustes para reequilibrar as contas públicas.
Haverá impacto nas tarifas. A gasolina, calcanhar de
Aquiles do mercado de consumo brasileiro, apenas como um exemplo, vai aumentar. “Não
aumentou antes por causa da eleição”, dirão. Ora, e qual governo de
centro-esquerda aumentaria o preço em tais circunstâncias, no meio de um dos mais
difíceis processos eleitorais da história brasileira? Para entregar a presidência da República
ao PSDB de Aécio Neves e Armínio Fraga?
Francamente, amigos, vão dar uma voltinha na Ucrânia e depois voltem para contar.
2 comentários:
Bravo, bravo Edú, eese artigo do Singer me tava entalando, bravo!
Quanta pressa, né, Marco? Não faz nem uma semana que a presidente foi reeleita!, e a mídia paulista já exige de Dilma a coerência que nunca questionou nos 20 anos de PSDB em São Paulo, onde a educação e os serviços públicos em geral estão em estado de calamidade -- vide a crise hídrica.
O próprio PMDB, sobre o qual Michel Temer não tem o controle nacional, já está se candidatando pra liderar a oposição. Não vai ser fácil governar.
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