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sábado, 5 de setembro de 2015

A tragédia síria e a hipocrisia



Reprodução


Há três anos e meio publiquei neste blog o post linkado abaixo (ou aqui). Na época, poucos estavam interessados no que acontecia na Síria, um dos países mais importantes do Oriente Médio, e consequentemente do mundo. Sua capital, Damasco, além de ser historicamente riquíssima, sempre foi talvez a mais laica e culta daquela região. Damasco ainda permanece de pé e se mantém como bunker do presidente Bashar al-Assad. É como se a capital estivesse sendo preservada enquanto o resto do corpo (o país) vai sendo consumido pela doença.

A Síria é um ponto geopoliticamente estratégico do planeta, como qualquer pessoa minimamente informada pode entender vendo o mapa aqui publicado.

Era óbvio em 2012, na verdade desde o início do conflito, em 2011, o interesse na destruição da Síria como país, pois sua simples presença era uma ameaça à hegemonia israelense e estadunidense na região. A Síria era uma nação militar, cultural e politicamente incômoda. Uma ameaça tênue, é verdade, pois não poderia ameaçar de fato o maior império da Terra e seu preposto sionista. Mas, tênue ou não, uma ameaça não pode ser tolerada pelo império americano e sionista.

Mas ninguém falava nada. Na época, havia um silêncio quase unânime sobre a tragédia anunciada. O silêncio e a indiferença estavam na mídia, no jornalismo "alternativo", nas reuniões de amigos.

O jornalista Pepe Escobar era um dos únicos que rompiam essa indiferença diante da catástrofe anunciada da Síria. No meu post de 2012, eu citava uma análise do jornalista:

A crise síria “está fazendo aumentar os temores, no mundo em desenvolvimento, de uma insurreição armada apoiada pelo Ocidente, para tentar recriar, na Síria, o caos criado na Líbia. Segundo Escobar, o governo Assad não cai porque mais da metade da população síria ainda o apoia". O texto mencionado de Pepe Escobar, de 2012, está aqui.

Assad ainda não caiu, mas seu governo é hoje como uma alma sem corpo. O Departamento de Estado dos Estados Unidos defende que o presidente sírio renuncie para “facilitar” a luta contra o Estado Islâmico (EI – ou ISIS na sigla em inglês). É o cinismo habitual do país de John Wayne.

E agora, depois de anos de indiferença, agora que apareceu o corpo de uma criança morta numa praia da Europa, todo mundo ficou indignado. Todo o mundo parece ter acordado de um sono indigno. Muitos manifestam sentimentos verdadeiros, mas isso tudo seria piegas, se não estivéssemos falando de uma tragédia planetária e histórica. Mas estamos.

Meu coração está partido pela Síria, mas não é porque agora apareceu aquela criança morta. Eu já estava triste antes.

A tristeza do mundo já deveria ter batido antes, a indignação precisaria ter se manifestado antes. Muitas crianças já morreram antes. Agora é tarde. A indignação agora é tardia e hipócrita.

Ainda: A violência em Homs, minha história e o que importa ao mundo: qual o futuro da Síria?



quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

A violência em Homs, minha história e o que importa ao mundo: qual o futuro da Síria?



Batalha em Homs/ Reprodução: Vídeo You Tube

A crise síria e a violência na cidade de Homs, supostamente perpetrada pelo governo de Bashar al-Assad, além de triste, tem algo de pessoal para mim na distância das décadas e, por que não, dos séculos.

É que uma curiosa e dupla coincidência me liga, mesmo que longinquamente, à história de Homs: o avô materno (que não conheci) de minha mulher, Carmem, que se chamava Nadin Hussni, veio dessa cidade hoje com pouco menos de 1 milhão de habitantes, localizada a oeste da Síria e a 150 km de Damasco.

Também veio da cidade o pai de outra pessoa que conheci muito tempo antes de Carmem. Muitos tiveram o melhor amigo da infância e adolescência, aquele com quem você divide dúvidas e inquietações, aprende junto e descobre que com ele é capaz de mudar o mundo. O tempo passa, os amigos viram adultos e a vida segue, cada um no seu rumo, e o mundo continua. Essa personagem em minha vida chamou-se Ibraim Salum Barchim, filho de Hanna Ibraim Barchim, que veio também de Homs. Tanto os ascendentes de Carmem como de Ibraim são da minoria cristã da Síria.

Para quem acredita em desígnios espirituais, reencarnação etc., essa coincidência por certo tem muito significado, mas não se trata aqui de discutir isso. E sim apenas constatar que os acontecimentos em Homs têm o poder de mexer comigo de uma maneira que não existiria se eu não tivesse nem a mais distante ligação com essa cidade, afinal meu filho Gabriel tem entre os sangues que correm em suas veias também uma parcela do sangue sírio de Homs.

Qual é a verdade?

A verdade é que as informações sobre o que acontece em Homs e na Síria hoje são desencontradas e estão muito longe de ser claras, sejam quais forem as fontes. Uma das mais gabaritadas, o jornalista Pepe Escobar, diz o seguinte no blog redecastorphoto: a crise síria “está fazendo aumentar os temores, no mundo em desenvolvimento, de uma insurreição armada apoiada pelo ocidente, para tentar recriar, na Síria, o caos criado na Líbia”. Segundo Escobar, o governo Assad não cai porque mais da metade da população síria ainda o apoia.

O jornalista afirmou no início do mês que “o número de mortos [nos conflitos] divulgado pela ONU (...) não discrimina as vítimas favoráveis ao governo e da oposição; e a ONU simplesmente ignorou a morte de mais de 2.000 soldados do exército sírio.”

Já o jornal argentino de esquerda Página12, que também questiona o cinismo ocidental, não poupa porém os “progressistas do mundo” que fecham os olhos para a “matança de Homs”: “onde estarão as forças de esquerda que se escandalizaram com os bombardeios da OTAN na Líbia e agora parecem emudecidos como se a moral e os valores valessem em um território e não em outro?”, escreveu Eduardo Febbro.

Na semana passada, a jornalista americana Marie Colvin (do britânico Sunday Times) e o fotógrafo francês Rémi Ochlik (Paris Match) morreram vítimas de bombardeios em Homs. Mas ninguém pode dizer de fato quais foram os autores do ataque que os vitimou.

Futuro obscuro

O atual presidente sírio herdou o poder de seu pai Hafez al-Assad, que governou de 1970 até 2000, quando morreu. O partido Baath (ou Ba'ath ) dos Assad é secular, e, diferentemente dos que governam inúmeros países do Oriente Médio, não tem diretrizes religiosas. A Síria sob os Assad é aliada histórica da União Soviética e por consequência da Rússia. Cerca de 90% dos sírios são muçulmanos (75% sunitas e 15% outras tendência). Os cristão são talvez pouco menos de 10% .

O temor maior dos detentores do poder e também dos minoritários cristãos é que a “insurreição” leve o país a ser governado por muçulmanos fundamentalistas, o que não interessa nem mesmo aos Estados Unidos e seus aliados. O que interessa aos EUA e seus aliados é derrubar Assad e dividir o país.

Mas, diferentemente do que aconteceu na Líbia, Rússia e China sustentam Assad e, com seu poder de veto na ONU, bloqueiam e bloquearão qualquer tentativa legal do Ocidente de intervir na Síria e derrubar Assad com aval das Nações Unidas. Geopoliticamente, a Síria é fundamental para os interesses americanos, por um lado, e russos e chineses do outro. A queda de Damasco representaria para os EUA ganhar um território fundamental para minar a “ameaça” iraniana e enfraquecer o que veem como séria ameaça a Israel. Russos e chineses não podem aceitar tal hegemonia americana. E Israel já avisou que está em seus planos um ataque ao Irã "em breve", sem avisar os Estados Unidos.

E assim está o mundo na segunda década do século XXI.

Abaixo, na íntegra, os textos citados neste post:

Síria: sombras por trás do espelho, por Pepe Escobar

La matanza de Homs, por Eduardo Febbro

Leia também: “Primavera árabe” foi apenas um espasmo de luz nas trevas do Oriente Médio?

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

“Primavera árabe” foi apenas um espasmo de luz nas trevas do Oriente Médio?


Não resta dúvida de que, em âmbito internacional, se o hasteamento da bandeira da Palestina na sede da Unesco, semana passada, é simbolica e mesmo politicamente importante, a violência no Egito é um duro golpe na crença de uma verdadeira "primavera árabe".

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A praça Tahrir, centro da capital Cairo, viveu ontem, quarta-feira, 20, o quinto dia concecutivo repressão contra manifestantes que exigem abertura política. O país que derubou Hosni Mubarak (leia aqui) vive hoje a dura realidade de uma ditadura militar. Segundo o Ministério da Saúde egípcio (sic), 13 pessoas morreram na semana passada em decorrência dos conflitos, e 815 ficaram feridas.

O país vive hoje um longo processo de eleições parlamentares previsto para durar um mês e meio e o governo acena com a possibilidade de realizar eleições presidencias em junho. Mas as cenas teríveis da violência (entre as quais se destaca a foto de uma mulher sendo espancada brutalmente por “agentes de segurança”) não deixam margem a otimismos.

No fim de novembro, Kamal Ganzouri foi nomeado primeiro-ministro no país. Hoje com 78 anos, ele já havia ocupado o cargo na ditadura de Mubarak entre 1996 e 1999. A "novidade" foi o estopim para a mais nova revolta. Em entrevista a Brasil de Fato de 8 de dezembro, o jornalista Pepe Escobar falou do início de um período “contrarrevolucionário” nos países árabes. Disse ele:

“Os militares arrumaram um sistema onde botaram uma ditadura militar de fato, se livraram do chefe do regime, e de seu sucessor, que é o Omar Souleiman, hoje isolado. O regime ficou intacto.

“Nada mudou essencialmente para os Estados Unidos porque eles continuaram a cooptar esse regime militar.”

Essa cooptação, destaca Escobar, é feita política e economicamente: “Eles estão cooptando não só diretamente, mas via seu aliado principal na região, a Arábia Saudita, que há pouco ‘doou’ US$ 4 bi para a ditadura militar do Egito se manter nos próximos meses. O Egito é um país quebrado, tem que comprar comida de fora, tem que pagar funcionários públicos e é um país que está à beira da bancarrota”.

Em nossa ingenuidade, imaginamos que o gigante Egito, às portas de Israel no Mediterrâneo, fosse dar um alento nessa estratégica e conflagrada região do planeta. Mas a verdade é que a “primavera árabe” pode ter sido apenas um espasmo de luz nas trevas do Oriente Médio.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Uma história repulsiva de escravidão sexual na Líbia de Muammar Khadafi

O jornal francês Le Monde publicou ontem a história estarrecedora de uma jovem, hoje com 22 anos, que foi uma escrava sexual do líder da Líbia deposto e morto recentemente. A jovem, “bela como o dia”, mas “despedaçada”, contou ao jornal o seu “calvário”. Não é difícil para nós, no Ocidente, imaginar a vida das mulheres no Oriente Médio. A humilhação e a brutalidade estão presentes mesmo na vida das que estão inseridas no mundo da legalidade e do casamento, como mostra o excelente filme Kadosh, de Amos Gitai.

Clique na foto para ampliar
Mulher no Irã: Foto de Marcello Casal Jr/ ABr
Mas quando essas histórias ocultas são reveladas, a realidade repulsiva das pessoas submetidas ao poder de ditadores ou pequenos ditadores sobre a vida e a morte parecem ganhar uma aura de verdade que antes não tinham.

A jovem contou ao Le Monde que “tinha 15 anos quando, em 2004, foi escolhida dentre as garotas de seu colégio para entregar um buquê de flores ao ‘Guia’ (Muammar Khadafi), que visitava a escola onde ele tinha primos”. Na ocasião, “O coronel colocou a mão em seu ombro e acariciou seus cabelos, lentamente. Era um sinal para seus guarda-costas que significava: ‘Quero esta aqui’”.

Para resumir a horrível história, a menina “foi levada para o deserto”, “convidada” a viver com o ditador líbio sob a promessa de ter tudo o que quisesse. Claro que ela não queria, mas não tinha escolha. “Nas horas seguintes, Safia [nome fictício], assustada, foi vestida com peças íntimas e ‘roupas sexy’. Ensinaram-lhe a dançar, a se despir ao som de música, e "outros deveres". Ela soluçava, pedindo para voltar à casa de seus pais. Mabrouka [serviçal do ditador incumbida de “cuidar” da menina] sorria. Voltar à vida normal não era mais uma opção”.

A partir de então, Safia passou a ser sistematicamente estuprada e submetida a uma tirania atroz, de acordo com a mentalidade doentia e sádica do “Guia” (como era chamado Khadafi entre os humildes servos do seu povo), digna de uma cena de Salò – os 120 Dias de Sodoma, de Pasolini.

"Por que ele roubou minha vida?"

"Quando vi o cadáver de Khadafi exposto à multidão, por um momento senti prazer. Depois, senti um gosto amargo na boca", disse a jovem ao Le Monde. “Ela queria que ele estivesse vivo, que fosse capturado e julgado por um tribunal internacional. Nesses últimos meses, só pensou nisso. ‘Eu me preparava para enfrentá-lo e lhe perguntar, olhos nos olhos: por quê? Por que fez isso comigo? Por que me estuprou? Por que me bateu, me drogou, me insultou? Por que me ensinou a beber, a fumar? Por que roubou minha vida?’”

O pior é pensar que a queda de Muammar Khadafi está muito longe de acabar com essa cultura em que chefes de tribo, chefetes políticos e outros “guias” espalhados pelo país se julgam no direito de subjugar, humilhar e destruir a vida das pessoas, das mulheres especialmente.

Recomendo à ministra Iriny Lopes, da Secretaria de Política para as Mulheres, que pediu a suspensão da propaganda com a modelo Gisele Bündchen para uma marca de lingerie, por considerá-la “sexista”, a fazer uma visita à Líbia, ao Irã, à Arábia Saudita, como uma espécie de estágio. Nesses países, ela poderia estudar melhor o tema direitos das mulheres. Nesses países, não existe humor, nem liberdade, nem direitos.

Leia reportagem na íntegra, no original do Le Monde ou na tradução no Uol.

*Atualizado às 17:31