Ou: Considerações acerca de uma incógnita
White House/Twitter
Não conseguia chegar a me definir se Trump seria um besta,
ou a besta. No primeiro caso, segundo o Michaelis, “Que ou aquele que é
grosseiro ou ignorante; burro”. Na segunda acepção, de acordo com o mesmo
dicionário, termo bíblico que significa “animal simbólico, tido como
responsável por grandes catástrofes” e que pode levar o mundo ao Apocalipse.
No discurso de posse, o 45° presidente dos Estados Unidos
seguiu a receita da campanha vencedora e, depois de elogiar Obama e Michelle
pela postura “magnífica” no processo de transmissão do cargo, logo assumiu sua
personalidade truculenta e disparou: “Não estamos apenas transmitindo o poder
de uma administração a outra, ou de um partido para outro, estamos
transferindo o poder de Washington, DC, e devolvendo para vocês, o povo. Por
tempo demais um pequeno grupo na capital da nação recebeu os louros do governo
enquanto as pessoas pagaram pelo custo”.
Trump é um louco ou um demônio? Nenhum dos dois. É o
resultado de inúmeros fatores conjugados. Logo após a eleição que colocou o
republicano na Casa Branca, em 9 de novembro, Glenn Greenwald, no The
Intercept, escreveu o que para mim é o melhor texto sobre os porquês da eleição
que surpreendeu analistas e apostadores do mundo todo, principalmente os
ligados ao establishment democrata norte-americano, texto que você pode ler na
íntegra aqui: Democratas, Trump e a perigosa recusa em entender as lições do Brexit.
Dois trechos do texto acima mencionado:
1) “as elites formadoras de opinião estavam unidas de uma
forma extremamente incestuosa e tão distantes da população que decidiria essas
eleições, sentiam tanto desprezo por ela, que não foram capazes de observar as
tendências em favor de Trump e, além disso, aceleraram essas tendências
involuntariamente com seu próprio comportamento”.
2) “a escolha conivente que o Partido Democrata fez décadas
atrás: abandonar seu apelo popular e se tornar o partido dos tecnocratas
proficientes, dos gerentes do poder da elite pouco benevolentes. Essas são as
sementes de cinismo e interesse próprio que foram plantadas, e agora essa
plantação está sendo colhida. (E este trecho faz, não tão vagamente assim,
lembrar o nosso Partido dos Trabalhadores no processo que – embora por meio de
um golpe – o apeou do poder em 2016.)
Acredito que, se não se comportar de modo minimamente
aceitável de acordo com que esperam dele os poderes ocultos e não ocultos dos
Estados Unidos, a Roma contemporânea potencializada com um arsenal nuclear
capaz de destruir o mundo várias vezes, Donald Trump será igualmente apeado do poder,
de uma forma ou de outra, e não acredito que com gentileza. Como me disse o professor Luis Fernando Ayerbe, do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais da Unesp: “O receio do establishment é pelo estrago que Trump pode
causar, por incompetência, improvisação, falta de visão estratégica. Ele
preocupa fundamentalmente os setores do establishment tradicional,
representados pelos que se reúnem em Davos, as chamadas elites orgânicas do
capital" (a matéria da RBA com Ayerbe está aqui).
Embora eu tenha a tendência de não desconsiderar nem mesmo forças
místicas que giram em torno do poder neste mundo de matéria densa, e apesar de
em alguns momentos me parecer que Donald Trump pode até mesmo ser a besta,
penso que ele está mais para um besta alucinado mesmo, do qual o povo americano
pode se cansar bastante cedo, e aí o establishment terá a faca e o queijo na
mão.
Seja como for, para nós brasileiros (e esta é outra coisa em
que cada vez acredito mais), é provável que, se Donald Trump fosse presidente
dos Estados Unidos no ano passado, Dilma Rousseff não teria sido deposta,
pelo menos não com tanta facilidade. Trump parece não estar tão preocupado em
interferir na vida de outros países como os “falcões” Obama e Hillary Clinton, como lembrou Ayerbe na matéria acima linkada.
O que, aliás, pode até mesmo ser um dos motivos da irritação do establishment
com o novo presidente.