sábado, 30 de julho de 2016

Donald Trump se aproxima da Casa Branca


Reprodução/Youtube
O magnata Donald Trump, terror do pensamento progressista no mundo, um outsider, representante republicano descolado do establishment político, que ameaça construir um muro para separar os Estados Unidos do México, entre outras propostas consideradas absurdas, pode ganhar as eleições dos Estados Unidos em novembro, contra todos os prognósticos de até poucos meses atrás?

A poderosa máquina democrata comandada por Hillary Clinton, que envolve poderes de Wall Street, do aparato de guerra e dos setores de informação e tecnologia dos Estados Unidos, pode ser derrotada por um candidato considerado histriônico e fanfarrão, ou protofascista, pelos analistas políticos?

O cineasta Michael Moore não apenas acha que Trump pode ser o próximo presidente do país mais poderoso da Terra, como enumera cinco razões para respaldar sua opinião. Em primeiro lugar, ele diz que parcelas dos trabalhadores insatisfeitos com o desemprego podem enxergar em Trump, com seu discurso populista, uma saída para a crise de emprego que abala o país.

A segunda razão é que o magnata republicano pode representar uma reação à ameaça que os neoconservadores acreditam existir num partido (o Democrata) que já elegeu Barack Obama, um negro, duas vezes, e agora pode eleger uma mulher. “Vamos deixar que uma mulher nos governe por oito anos? Depois haverá gays e pessoas transgênero na Casa Branca”, pensariam os conservadores, segundo Michael Moore.

O terceiro e quarto motivos pelos quais o documentarista Moore acha que Trump chegará à Casa Branca se confundem. Podem ser resumidos pela rejeição a Hillary por parte eleitores democratas mais à esquerda (que só votariam na candidata como voto útil) e pela indisposição dos jovens que preferiam Bernie Sanders em relação a uma representante da “velha política”.

Por fim, haverá, segundo Moore, o voto de protesto de parcela considerável dos eleitores contra o sistema político norte-americano, cujas mazelas associam aos democratas e a Obama, o presidente que está há oito anos no poder.

Para Reginaldo Nasser, professor de Relações Internacionais da PUC-SP, as projeções de Michael Moore fazem sentido. Mais do que isso: “É difícil prever, mas Trump, hoje, é favorito, mantidas as circunstâncias atuais, já que os Estados Unidos mudam muito e pode acontecer um fato novo.”

Segundo ele, como Hillary assumiu uma posição conservadora dentro do Partido Democrata para tentar ganhar votos do centro, os jovens que ajudam a compor o perfil de esquerda dos eleitores democratas estão arredios à candidata. A crise que atinge os Estados  Unidos, onde a pobreza vem crescendo, também deve prejudicá-la.

Hillary tem contra si um grande contingente do eleitorado à esquerda que a identifica com causas muito distantes do pensamento jovem e dos setores progressistas. “Ela é bastante conservadora. Por exemplo, é claramente pró-Israel, é belicista e apoia a guerra. O eleitorado democrata mais à esquerda não vota nela. Pode votar, mas como voto útil. Mesmo assim, vai pensar muito”, diz Reginaldo Nasser.

MARC NOZELL/FLICKR CC


Do lado dos conservadores que Hillary quer atrair, também há problemas. “Na cabeça deles, o terrorismo no mundo aumentou com Obama e os latino-americanos estão tomando seu emprego. Vão colocar tudo isso na conta de Obama. Hillary pode ser vítima tanto do descontentamento dos democratas de esquerda como do voto dos conservadores que temem que os democratas de esquerda comecem a mandar no governo”, diz Nasser.

Por fim, há quem considere absurdo que um “maluco” como Trump chegue à Casa Branca. Mas não seria a primeira vez que um “ator”, de fato ou simbolicamente, conseguiria tal proeza. “Ronald Reagan, um ator de fato, não ganhou duas vezes?”, lembra Nasser. O republicano Reagan, presidente dos Estados Unidos de 1981 a 1989, foi ator em Hollywood de 1937 a 1964.

Para o professor da PUC, a força da candidatura de Trump pode ter sido subestimada: "o que a gente não pode esquecer, e aí divirjo um pouco do Moore, é que ele denigre a imagem do Bush e a gente ri. Só que esses caras, Reagan, Bush ou Trump, têm uma equipe de primeira. O sociólogo Erving Goffman fazia uma analogia com o teatro: é preciso ver o palco e o que está atrás. No palco estão os idiotas. Mas os que estão atrás do palco (backstage, os bastidores) não são idiotas, são competentes e poderosos.”

Apesar de tudo, Michael Moore, com seu estilo irônico, previu que o republicano Mitt Romney venceria as eleições em 2012. Mas quem ganhou e acabou reeleito foi Barack Obama.

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*Escrevi este texto para ser publicado originalmente na RBA


Lula propôs apenas um acordo com o capital, mas foi traído


"Por que essa ofensiva diante de um projeto, de um governo que o tempo todo tentou conciliar, desde 2003 até agora, e jamais apostou na ruptura e no enfrentamento?" (André Singer, em debate na USP - 13/04/2016)





Lula ter ido à ONU denunciar abuso de poder e violação da Convenção Internacional de Direitos Políticos e Civis, na "condução da Operação Lava Jato pelo juiz Sérgio Moro e os procuradores da investigação", nas palavras da CartaCapital, foi um fato político relevante. Mais simbolicamente do que na prática, já que, como se sabe, a ONU é uma espécie de "rainha da Inglaterra".

A ONU nada faz de concreto, a partir de sua sede (não por acaso) em Nova York. A destruição e a tragédia da Síria, que era talvez o mais laico e com certeza o mais belo país árabe do Oriente Médio, são a prova definitiva de que a ONU não serve para nada.

Mas, ONU à parte, aqui no Brasil a ofensiva segue na mesma toada, como mostra a capa da Folha deste sábado. Decisões judiciais alimentam manchetes, que por sua vez dão o tom de "verdade" às decisões judiciais, que citam as reportagens em seus arrazoados, e assim sucessivamente. O objetivo é óbvio: seja como for, tirar Lula da disputa pela presidência da República em 2018. A priori, a estratégia talvez não seja prendê-lo, o que poderia ser um tiro no pé.

Mas, voltando à manchete da Folha que ilustra este post, paradoxalmente, a própria Folha de S. Paulo publicou um texto que foi muito reproduzido pelo pessoal de esquerda nas redes sociais. No artigo do dia 26, intitulado "Escracho", a repórter especial do jornal Eleonora de Lucena escreveu:

" O impeachment trouxe a galope e sem filtro a velha pauta ultraconservadora e entreguista, perseguida nos anos FHC e derrotada nas últimas quatro eleições. Privatizações, cortes profundos em educação e saúde, desmanche de conquistas trabalhistas, ataque a direitos.

"O objetivo é elevar a extração de mais valia, esmagar os pobres, derrubar empresas nacionais, extinguir ideias de independência. Em suma, transferir riqueza da sociedade para poucos, numa regressão fulminante. Previdência, Petrobras, SUS, tudo é implodido com a conversa de que não há dinheiro. Para os juros, contudo, sempre há."

O texto da articulista é um dos melhores sobre o golpe, porque não fica apenas no episódio em si, mas resume de maneira cirúrgica o percurso golpista da elite brasileira desde 1932. É um texto precioso (leia a íntegra aqui).

Fico a me perguntar (como diria Mino Carta, cá com meus botões): como pode, um jornal que poderia desempenhar papel importante na defesa dos direitos constitucionais, mais uma vez embarcar num golpe oligárquico e mesquinho?

A elite brasileira e, particularmente, a paulista, poderia apresentar uma proposta de governo a partir da qual pudesse debater com a esquerda. Mas o que eles querem na verdade é só a destruição e o entreguismo.

O velho Claudio Abramo já escrevia, na antiga página 2 da própria Folha, que a burguesia brasileira é burra a ponto de não entender que um povo desenvolvido, esclarecido e inserido no mercado de consumo seria muito bom para o crescimento de todos, inclusive e principalmente do capital.

A perseguição a Lula é absurda. Lula nem mesmo tentou rompimentos. Ele propôs justamente e apenas uma aliança com o capital. Mas nem isso eles entenderam. O objetivo de Lula era superar a miséria para que todos crescêssemos, como mostra André Singer no livro Os sentidos do lulismo, que não chegou a abranger o primeiro mandato de Dilma, já que foi publicado em 2012, mas obviamente escrito antes. 

O fato é que a aliança proposta por Lula não deu certo porque o capital (a indústria e o mercado financeiro) rompeu o acordo unilateralmente, traiu Lula e Dilma e deu o golpe. E mais nada. Como a reacionária UDN faria. Triste país, o nosso.


segunda-feira, 18 de julho de 2016

O encantador canto do bem-te-vi e a histeria do periquitinho verde


Fotos: Reprodução
O lindo bem-te-vi e o passarinho histérico

Um dos maiores poetas do ocidente e fundador da poesia moderna, o francês Charles Baudelaire introduziu uma questão interessante que pode ser discutida até hoje: a natureza não é apenas a vida, mas também a morte. Óbvio. O que é difícil de aceitar.

Mas digo isso para apenas perguntar: você gosta de passarinhos? Eu gosto, mas alguns me agradam e outros me irritam profundamente. O canto do bem-te vi nunca é incômodo; já a histérica maritaca, quando chega em bando e começa a berrar embaixo da sua janela, você pode desistir de tudo: do filme que você está vendo, da soneca que está tirando, de qualquer coisa. É um bichinho realmente chato.

O bem-te-vi encanta. Ele é tão bonito fisicamente como seu canto é encantador e agradável. Ele canta logo que o dia amanhece, e também no fim da tarde. Seu canto não provoca insônia. Como que se mistura aos sons da natureza e do mundo. Parece que está aí desde sempre.

Já a maritaca (que eu prefiro chamar de baitaca) é o oposto. É um bichinho extremamente irritante. Em bandos, esses passarinhos predominantemente verdes ocupam enormes espaços no pouco verde que há na cidade, e você tem a impressão de que eles são tantos que nada mais pode cantar ou se manifestar na natureza urbana - se é que se pode admitir esse termo paradoxal, natureza urbana.

Por quê? Porque (sejamos racionais) para esses bandos de passarinhos verdes histéricos faltam predadores. Simples assim. Não existem gatos suficientes para abater uma parte dessa espécie insuportavelmente chata. E então ela vai tomando conta de tudo, quase como uma praga urbana. Como pequeninas pombas verdes.

É incrível a diferença entre a natureza de uma espécie agradável (o bem-te-vi) e uma espécie irritante (a maritaca). É o que sinteticamente mostram os curtos vídeos abaixo.


O canto do bem-te-vi:




A histeria da baitaca:

quinta-feira, 14 de julho de 2016

Hector Babenco (1946-2016), um diretor diferenciado


Reprodução/Wikipédia
São Paulo – O cineasta Hector Babenco morreu na noite de ontem (13), em São Paulo, de parada cardíaca, aos 70 anos. Ele era argentino (nascido em Mar del Plata) naturalizado brasileiro e radicado no Brasil há 50 anos.

O diretor tornou-se um dos principais diretores do cinema nacional. Dirigiu Pixote – a Lei do Mais Fraco (1982), O Beijo da Mulher Aranha (1985, indicado ao Oscar de Melhor Diretor), Carandiru (2003), Lúcio Flávio - O Passageiro da Agonia (1977), Ironweed (1987),  Brincando nos Campos do Senhor (1991) e Coração Iluminado (1998). O último longa de Babenco, Meu Amigo Hindu, foi lançado em 2015.

Eu não sou ufanista, do tipo que defende o cinema nacional por ser nacional, o que me parece uma miopia crítica. Pelo contrário, o cinema brasileiro muitas vezes me irrita, dadas a precariedade técnica de incontáveis filmes, a carga extremamente teatral das direções e interpretações, a exploração desmedida e ordinária do sexo, além do abuso de temas relacionados à violência.

Mas a competência de Babenco fazia dele um diretor diferenciado. Dois de seus principais filmes, Pixote e Lúcio Flávio, me marcaram justamente por tratar da violência com extrema lucidez. São cinema, e não teatro filmado. Abordam a violência sem exageros vulgares. Não vi Carandiru: na época (2003), como agora, estava cansado da estética da violência do cinema nacional e me parecia que Babeco tinha se rendido a um gênero de filme ("favela movie") que explorava a violência com objetivos comerciais então dominantes.

O cinema brasileiro perde um de seus expoentes.


domingo, 10 de julho de 2016

Grande título português foi não apenas bonito, mas sobretudo merecido



Reprodução
Lisboa, 10 de julho de 2016

O improvável título de Portugal no Stade de France, em Paris, mostra por que o futebol é um esporte inigualável. Foi um episódio comparável a grandes momentos do futebol, como a vitória do Uruguai na final de 1950 contra o Brasil no Maracanã.

Se já era difícil antes, tornou-se ainda mais improvável a partir dos 10 minutos do primeiro tempo, quando o francês Payet deu uma entrada criminosa no joelho de Cristiano Ronaldo na primeira bola que o craque português tentou dominar. O juiz não deu nem falta. O camisa 7 do time luso saiu de campo (claro, chorando) e foi então que o que era difícil tornou-se improvável.

Mas aí entra o imponderável que ronda o futebol e faz desse um esporte mágico como nenhum outro. Unido, o time português cresceu. Tornou-se compacto. Venceu a Eurocopa batendo os franceses em Paris. O time da França mostrou que tem muitos talentos, mas é um time desorganizado, que não achou forças para vencer a incrível defesa portuguesa comandada por Pepe.

Curiosamente, em certo momento o comentarista Lédio Carmona, do Sportv, comentou que tinha sido um erro do técnico português Fernando Santos tirar Renato Sanches e colocar Éder. Eu comentei (e há pelo menos uma testemunha disso aqui em casa): "o Lédio Carmona vai queimar a língua". Cerca de 5 minutos depois, Éder faz o golaço que dá o título aos ibéricos. Portugal 1 x 0 França. Espetacular.

O grande título da história da seleção de Portugal foi não apenas bonito, mas sobretudo merecido. Principalmente para o camisa 7 português, que saiu do jogo após a entrada de Payet, mas continuou a comandar o time do banco de reservas.

quinta-feira, 7 de julho de 2016

Por que torço para Portugal de Cristiano Ronaldo contra a França

Eurocopa


Reprodução/Youtube
Craque português cumprimenta craque de País de Gales

Não pude ver os jogos das semifinais da Eurocopa. Como a Itália (meu time na Europa, para horror de alguns amigos) foi eliminada pela Alemanha no domingo, nos pênaltis, e esta caiu hoje inapelavelmente batida por 2 a 0 pela anfitriã França, em Marselha, torcerei para os patrícios na final entre franceses e Portugal. Aliás, torceria mesmo se a final fosse Portugal x Alemanha.

Sim, o time português é limitado. Joga, muitas vezes, contra times poderosos, por “uma bola”. Joga feio. Costuma apostar nos pênaltis para se classificar, embora tenha batido País de Gales por 2 a 0 para ir à final.

Mas, mesmo assim, torço para os patrícios contra os franceses porque, primeiro, sempre torço contra a França; segundo, quase sempre torço para Portugal, talvez por algo atávico e cultural, afinal, quem não gosta de uma padaria de português e de uma bacalhoada da hora?; e, terceiro, sou fã do “arrogante”, “nojentinho” e “insuportável” Cristiano Ronaldo. Como joga bola, o gajo, para mim o melhor jogador do mundo, apesar de a mídia preferir Lionel Messi, tanto que o argentino-catalão foi eleito quatro vezes o melhor do mundo pelo FIFA Ballon d'Or nos últimos anos (2010, 2011, 2012 e 2015), enquanto o português ganhou apenas duas (2013 e 2014).

Mas, para mim, lances como esse, abaixo, o primeiro de Portugal contra País de Gales, mostram por que o português está, literalmente, num patamar superior. O que não acontece por acaso. Segundo se sabe, o jogador não confia apenas em seu enorme talento, mas treina como um “doente” e não se cansa de buscar a perfeição, segundo seu ex-companheiro de seleção portuguesa Deco.

CR7, como é chamado no atual mundo de siglas, nunca foi campeão com a seleção de seu país. Mas, ao contrário de Messi, que joga na atual vice-campeã mundial Argentina, uma das melhores seleções nacionais do mundo (onde também nunca ganhou nada), Ronaldo leva sua seleção praticamente sozinho. É o maior artilheiro da história de Portugal, com 61 gols (20 a mais que o mito Eusébio). Na Espanha, jogando no Real Madrid, detém o recorde de marcar pelo menos 30 gols em cinco temporadas seguidas, 17 gols pela Liga dos Campeões em 2014 (marca inédita até então), maior artilheiro da história da Liga dos Campeões (com 93 gols), eleito três vezes melhor jogador do mundo (2008, 2013 e 2014), entre outras marcas.

E tem ainda posições surpreendentes. Em 2013, ao receber a Bola de Ouro, emocionado, citou duas personalidades que considera importantes para si mesmo. “Queria também mencionar os nomes de Eusébio e Madiba (Nelson Mandela), pessoas muito importantes para mim. É um momento muito emocionante. Tudo o que eu posso dizer é obrigado”, declarou, entre lágrimas.


Com Nelson Mandela, em 2010

Em 2010, durante a Copa do Mundo da África do Sul, o craque português encontrou-se com Mandela em Joanesburgo, enquanto seus companheiros de seleção visitavam o zoológico da cidade.

Sobre o espetacular gol contra País de Gales abaixo, o tabloide Daily Mail calculou que o atleta subiu 76,2 centímetros do solo e, considerando que tem 1,85 m de altura, cabeceou a bola a 2,61 m, 17 centímetros acima da altura do travessão. Parou 7 décimos de segundo no ar e a bola saiu de sua cabeça a 71,3 km/h. É incrível.

Nada é por a caso. Por isso, não é por acaso que torço para Portugal de Cristiano Ronaldo contra a França, um país, aliás, que sempre foi racista, mas só ganhou sua primeira Copa do Mundo, em 1998, quando resolveu incorporar os negros a sua seleção. 

Mas a França é mais time, joga em casa e é franca favorita.

Vejam o gol: