sábado, 21 de maio de 2016

A crise política e a (falta de) educação





Esta semana conversei com o cientista político Humberto Dantas sobre a situação a que o país chegou, na minha opinião uma das maiores crises de sua história desde a proclamação da República (1889), de dimensão equivalente a 1932, 1954, 1964, e muito superior a 1989-1992.

Em 1992, com a queda de Collor, e Itamar Franco como seu sucessor, finalmente o horizonte clareou e o país começou a sair das trevas de então, após 21 anos de regime militar, sucedido por um governo "civil" em 1985, presidido por José Sarney, justamente um dos líderes civis da ditadura e um dos maiores representantes do fenômeno brasileiro conhecido como coronelismo.

Bem, mas, voltando, Humberto Dantas fez uma observação com a qual concordo absolutamente, a propósito da escolha de André Moura (PSC-SE), aliado de Eduardo Cunha e acusado de uma série de crimes, para a liderança do governo Temer na Câmara. Dantas avalia que esse fato simbólico deve ser analisado sob uma perspectiva mais profunda do que a abordagem superficial, que já se tornou clichê, segundo a qual uma reforma política serviria como panaceia para resolver a crise de representação do sistema político. Diz Humberto Dantas:

“Mudar o sistema não é exatamente o meu passo. A minha reforma política é educar. Questiona-se como uma figura como essa é ministro, como aquela outra (André Moura) é líder do governo. Mas a questão é muito mais grave: como um fulano como esse é deputado federal? Que eleitores votam num sujeito acusado de homicídio? O que é o Legislativo para a sociedade brasileira?”

A questão colocada por Humberto me remete a uma análise de André Singer, em seu fundamental Os sentidos do lulismo (Companhia das Letras). Segundo Singer, a população que ascendeu socialmente, beneficiada pelos programas sociais e pela política de inclusão dos governos do PT, não trouxe consigo, nessa ascensão, os valores da solidariedade próprios da esquerda.

Por quê? Porque, penso eu (e pensam muitos), não houve um investimento (financeiro e político) estruturante na educação (e na educação política) desde 2003, apesar da gestão histórica de Fernando Haddad como ministro da Educação de Lula, um ministro muito sofisticado para um país que trata a educação de maneira canalha. Se Haddad não tivesse feito nada no cargo de ministro (mas fez bastante), só o fato de ter sido mentor do ProUni já justificaria seu trabalho.

Contudo, a população de dezenas de milhões de pessoas incluídas por Lula e Dilma foi incentivada durante mais de uma década a comprar, comprar e comprar. Comprar carro, geladeira, fogão, ar-condicionado, mais carro, mais geladeira... Mas esses milhões de pessoas que descobriram o consumo não sabem nem o que é pré-sal, Brics ou soberania, embora muitas delas tenham sido beneficiadas pelo Bolsa Família e ProUni.

A falta de investimento financeiro e político (por meio de reforma constitucional e/ou de reforma profunda e estruturante do Plano Nacional de Educação), quando Lula ou Dilma tinham 80% de aprovação, se revelou fatal no processo de mais de 13 anos iniciado em 2003.

Fui até xingado por amig@s, por ter criticado a inação de Lula/Dilma na Educação, apesar da grande gestão de Haddad. Mas esses amig@s não entenderam nada, nem mesmo a dialética.

quinta-feira, 12 de maio de 2016

Monumento ao cinismo


Marcello Casal Jr/ Agência Brasil

Haveria muitas coisas a dizer, análises políticas, previsões, conjecturas sobre tudo isso, inclusive sobre o discurso de posse do novo presidente da República do Brasil. Eu começaria dizendo que, desde 17 de abril de 2016, deixei de usar o termo “não vai ter golpe”, que muita gente e muitos amigos, acredito que ingenuamente ou movidos pela fé (mas a fé faiou), continuaram usando. Para mim, o golpe foi dado naquela data e falei isso a várias pessoas.

Mas, hoje, como milhões de brasileiros ainda perplexos, só quero registrar duas coisas. A foto aqui publicada e o seguinte trecho do discurso de posse de Michel Temer, um dos maiores monumentos ao cinismo que vi na vida:

“Faço questão, e espero que sirva de exemplo, de declarar meu absoluto respeito institucional à senhora presidente Dilma Rousseff. Não discuto aqui as razões pelas quais foi afastada. Quero apenas sublinhar a importância do respeito às instituições e a observância à liturgia nas questões, no trato das questões institucionais. É uma coisa que nós temos que recuperar no nosso País. Uma certa cerimônia não pessoal, mas uma cerimônia institucional, uma cerimônia em que as palavras não sejam propagadoras do mal-estar entre os brasileiros, mas, ao contrário, que sejam propagadoras da pacificação, da paz, da harmonia, da solidariedade, da moderação, do equilíbrio entre todos os brasileiros.”

Foi o que disse Michel Temer.

Valeu, querida!!


Reprodução/Facebook

Tá dominado. Esta noite a gente dorme com a trama consolidada. Último capítulo da novela em plena quarta-feira. Depois de pagar o mico do voo da vitória (aquele do Aécio com o Luciano Hulk), que não chegou pelas urnas, a oposição se fortaleceu pelos descontentes e se valeu de toda sorte de sujeira pra mudar o rumo da trama e chegar até a decisão de hoje.

A seu favor, tudo e todos, desde o eleitor desinformado até os altos magistrados do país que recebem dos cofres públicos para decidir politicamente o que deveria ser pautado sempre pela Constituição Federal. Mas nada tão determinante quanto a mídia comercial, que será marcada na história pelo seu protagonismo na derrubada do governo Dilma e na pretensa trajetória pela exterminação do PT.

Os que enxergam o tamanho da injustiça cometida contra Dilma Rousseff estão de coração apertado ao ver a canalhice de uma corja descomprometida com o povo brasileiro. Na plateia animada tem de tudo, incluindo um bando de ignorantes que nem faz ideia do que seja neoliberalismo, estado mínimo e coisas do tipo. Gente raivosa, manhosa, que não aceita a forma LEGAL de se atingir objetivos. 

Dilma será condenada pelas tais pedaladas fiscais por gente da pior espécie, uma porcentagem altíssima de indiciados.

Mas a indignação seletiva do povo leitor da Veja é que mais revolta. Gente que zomba de uma mulher digna com as cinco letras. Gente que deveria se orgulhar de termos a primeira mulher no comando do país. Gente que deveria refletir sobre as críticas rasas alugadas de direitistas que ganham a vida para espalhar ideias a mal informados no Facebook. Gente que podia bem pensar se a vida tá assim tão ruim quanto a revolta com o governo faz parecer.

Mas duas coisas me martelam. Esses caras desqualificados que meteram a Dilma nessa piada internacional chamada impeachment esqueceram que precisarão de governabilidade, e que também 2018 está aí. Aposto que cada eleitor do governo legítimo de Dilma escolherá criteriosamente, como nunca o fez, seus próximos representantes. Muito golpista vai dançar, a começar por uma certa senadora a quem dei meu voto de confiança e que hoje nos apunhala.

Dilma, eu sei que você é forte. Você é minha presidenta, você me representa, porque você é o tipo de mulher que eu sou e a maioria das mulheres da minha família e amigas é: guerreira pra cacete. Esta noite eu te daria um forte abraço e um Rivotril, cara coração valente.

sexta-feira, 6 de maio de 2016

"Objetivo final é a destruição do PT e sobretudo o afastamento definitivo, não de Cunha, mas de Lula"


O sempre imprescindível Mino Carta (com sua inseparável garrafa de vinho):

"O sr. Cunha, de alguma forma, paga o pato, para que não o paguem muitos outros tão sujos quanto ele (...) Teoricamente deveria haver um recurso (contra o impeachment) a esta nossa Suprema Corte, a qual já mostrou onde quer chegar. Então não há o que esperar de um recurso, admissível à luz de uma Constituição rasgada, enquanto estamos assistindo ao enterro do Estado de Direito."

Veja o vídeo:

quinta-feira, 5 de maio de 2016

É hora, já tardia, de a esquerda e o PT fazerem uma autocrítica



Foto: Alexandre Maretti (1° de maio/2016)


Agora que o golpe, se não está consumado, se aproxima disso, é hora, mais do que tardia, de a esquerda fazer uma autocrítica. Que esquerda emergirá desse momento histórico que se assemelha a 1954 e 1964, datas tão distantes da segunda década do século 21 em que estamos?

É fato que o golpe no Brasil, país da sétima economia do mundo, tristemente mais parecido hoje com Paraguai e Honduras do que com China ou Rússia, para ficarmos no BRICS, é extremamente bem articulado e envolve interesses que vão das elites oligárquicas brasileiras ao "grande irmão" do Norte. Como muito bem resume Pepe Escobar numa frase quase minimalista, "o senador paperboy (entregador de recados, Aloysio Nunes Ferreira) foi enviado para dizer ao Departamento de Estado norte-americano que tudo está ocorrendo conforme o planejado", logo após o 17 de abril.

É fato que, como afirma Wadih Damous, com quem conversei hoje (leia aqui), o governo Dilma "sofreu um cerco poucas vezes visto no Brasil", comparável às blitze que vitimaram Getúlio em 54 e João Goulart em 64. Juntando as sempre lúcidas abordagens de Escobar e Damous, é óbvia a conclusão de que nem de longe se pode minimizar a ferocidade e poder de fogo dos interesses que estão por trás do golpe.

No entanto, a nenhum lugar se chegará se a esquerda, particularmente o petismo, se refugiar na análise do eu-sou-a-vítima, na autocomiseração e nas justificativas binárias para a iminente derrocada de mais um governo popular no Brasil. A história é dialética. Sem autocrítica, os desdobramentos da tragédia política serão maiores. Mais uma vez, recorro a Sartre: "Não há vítimas inocentes".

Damous, embora ressaltando o que chamo de ferocidade dos golpistas, daqui ou da "América", não se exime de falar de um dos maiores erros dos governos Lula e Dilma: as nomeações feitas para o STF por ambos os presidentes. "De fato, o governo errou nas nomeações, desde Lula. Errou praticamente em todas as nomeações para o Supremo Tribunal Federal e para os tribunais em geral. Errou muito, errou a não mais poder. Mesmo nas últimas nomeações, continuou errando. Então o governo tem sua parcela de responsabilidade, sim, sem sombra de dúvida."

Outro fator determinante para o sucesso iminente do golpe, na opinião deste humilde blogueiro, foi a composição do medíocre ministério de Dilma no início de seu segundo mandato. A insistência com Zé Eduardo Cardozo na Justiça, que, embora um jurista de respeito, esteve longe de ser o homem com a autoridade exigida pela crise iniciada em março de 2014, quando foi deflagrada a operação Lava Jato. Ou, muito pior, a insistência em Gilberto Kassab, que dispensa apresentações, no poderoso Ministério das Cidades, um homem que na semana da votação do impeachment desembarcou do governo para auxiliar no golpe com seu PSD, partido que a medonha articulação política de Dilma ajudou a criar para, justamente, minimizar o poder do... PMDB!

Voltemos a Wadih Damous: "Polícia Federal e Ministério Público ganharam uma autonomia exacerbada. E o próprio presidente Lula se iludiu com isso, achando que com o que ele chama de republicanismo, que fortalecer esses órgãos seria prova da imparcialidade do governo. Isso é ingenuidade. Não existe imparcialidade no aparelho do Estado".

Ingenuidade é o termo. Em entrevista que fiz com Laymert Garcia dos Santos em março, ele comentou ser inadmissível que, três anos depois das informações de que Dilma Rousseff era alvo de escutas, ela continuava fazendo ligações não criptografadas. O comentário de Laymert se deu a propósito da admiração do próprio Edward Snowden, ex-agente de inteligência da NSA, que, em 17 de março, postou em sua conta no Twitter: "Going dark é um conto de fadas: três anos depois das manchetes de escutas de Dilma, ela continua fazendo ligações não criptografadas".

Comentário de Laymert:

"No meu entender, o comentário do Snowden é pequeno, mas luminoso. Ele mostra o despreparo do governo brasileiro e da presidenta com relação ao próprio processo e a estratégia que está em curso de desestabilização, na medida em que ele comenta que três anos depois de ter sido revelado o grampo da NSA contra Dilma e outros chefes de Estado, ela ainda se comunica sem criptografia. Significa que isso não entrou no âmbito do governo, dos políticos ou da máquina do Estado, que precisava ter uma precaução de defesa, e nada foi feito nesse sentido.

"Não existe uma leitura do que está acontecendo, por parte do governo, nem do PT, nem da esquerda como um todo. As pessoas se espantam com o processo, ficam abismadas com o grau de violência, mas não estão se preparando para se defender antes das coisas acontecerem. O governo não tem uma visão estratégica sobre o que está acontecendo".

Concluímos assim, para voltar a Pepe Escobar, em texto da semana passada, já citado acima (leia aqui: The Empire of Chaos Strikes Back):

"Em Washington, o senador paperboy murmurou, 'vamos explicar que o Brasil não é uma república de bananas'. Bem, não era, mas agora, graças às hienas da Guerra Híbrida, é. Quando você tem um homem (Eduardo Cunha) com 11 contas bancárias ilegais na Suíça, citado na documentação do Panamá Papers, e sob investigação do Supremo Tribunal Federal, que controla o destino político de uma nação inteira, você tem uma república de bananas. Quando você tem um juiz provinciano (Sérgio Moro) hipócrita ameaçando prender o ex-presidente Lula por um apartamento modesto e um sítio que ele não possui, mas ao mesmo tempo é incapaz de colocar um dedo sobre Brutus Dois (Eduardo Cunha), ao lado de grande parte dos pomposos juízes do Supremo Tribunal, você tem uma república de bananas".

Só para esclarecer. Segundo Pepe Escobar, Brutos Um é Michel Temer.